João Vaz Estêvão

"O turismo é que tem de se adaptar à comunidade", diz investigador

11 mai, 2022 - 06:31 • Ana Carrilho

Simpósio sobre Turismo Patrimonial e Inclusivo quer abrir discussão sobre impacto do turismo para as populações locais.

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“Em Portugal e na opinião pública, o turismo é sempre analisado com uma perspetiva muito superficial. Normalmente analisa-se o número dos turistas que chegam, a evolução de ano ara ano, a ocupação hoteleira, sem fazer uma análise mais fina aos impactos que o turismo tem na melhoria ou na pioria das condições de vida das pessoas que residem nos destinos turísticos”.

É assim que o investigador João Vaz Estêvão justifica, em entrevista à Renascença, a necessidade de uma discussão mais aprofundada, do ponto de vista de quem “recebe”, dos efeitos que os empreendimentos turísticos têm no desenvolvimento das comunidades, nomeadamente rurais e do Interior.

Discussão que vai ser feita nos próximos dois dias (11 e 12 de maio) em Lamego, durante a primeira edição do HINTS – Simpósio sobre Turismo patrimonial e Inclusivo, com vários especialistas nacionais e estrangeiros. O objetivo é analisar “criticamente” o que está a ser feito a nível global, apontar boas práticas e sugerir correções.

Turismo pode ser o melhor amigo ou o pior inimigo do desenvolvimento local

João Vaz Estêvão recorda que a OMT – Organização Mundial do Turismo - no dia 27 de setembro (Dia Mundial do Turismo) deu o mote para todo o ano: O Turismo e o Desenvolvimento Inclusivo. Esta é uma atividade que gera sempre alguma riqueza - “mal seria se não gerasse” – mas na opinião do investigador falta aplicar o conceito de “custo de oportunidade”. Ou seja, a riqueza que se poderia gerar se fosse pensado, planeado e estruturado de outra forma.

“E na realidade estamos muitos longe de ter um turismo pensado nas pessoas que moram no destino. Temos uma visão muito pueril, mesmo ao nível dos poderes de decisão: pensamos que qualquer crescimento turístico é intrinsecamente positivo. E na realidade, tanto pode ser o melhor amigo como o pior inimigo do desenvolvimento local, sobretudo nas áreas mais rurais”.

João Vaz Estêvão recorre às estatísticas para fundamentar a sua ideia: “Se há destinos em que as pessoas ficam 1 ou 1,5 noites e se a taxa de ocupação hoteleira é baixa, estes dados deviam indicar que naquele destino não são precisas mais camas. Arranjar mais hotéis/alojamentos só vai dificultar a vida àqueles que têm ou exploram hotéis. Se calhar, o que e preciso é criar atrações turísticas, que trazem mais turistas e fazem com que eles fiquem mais tempo”.

Os protagonistas do desenvolvimento têm que ser os que lá moram

Para o investigador do DINÂMIA’CET - ISCTE, com a transformação de alguns mosteiros e conventos em hotéis (ao abrigo do programa REVIVE), “estamos a fazer uma coisa muito gravosa: subtraímos potenciais atrações àquele bem patrimonial e prejudicamos os hoteleiros locais porque estes projetos de grande envergadura são normalmente entregues a grandes grupos hoteleiros, que não empregam pessoas da região. Têm de respeitar os padrões de 4 e 5 estrelas, que normalmente não se encontram nestas comunidades rurais. É tudo o que não se devia fazer. Não é a comunidade que tem de se adaptar ao turismo; o turismo é que tem de se adaptar à comunidade”, sublinha João Vaz Estêvão.

O investigador admite que possa ser criado algum emprego para os residentes no destino, “mas é o tal emprego mal pago, que vai eternizar o problema dos baixos salários nas comunidades locais, com pessoas menos qualificadas. Os salários no turismo só vão subir quando os negócios do setor beneficiarem os residentes”.

Pelo contrário defende que o turismo tem de ser pensado para beneficiar, em primeiro lugar, quem lá mora, que tem de ser “o protagonista da experiência”, em torno da cultura e da dignidade do local. E ao mesmo tempo ver como é que também pode ser protagonista nos ganhos económicos do turismo.

“Que tal ser o gestor do meu pequeno negócio – não é um hotel com 40 quartos – mas a casa que reconstruí, onde continuo a desenvolver atividades agrícolas e onde posso receber turistas que partilham algumas experiências?” – exemplifica João Vaz Estêvão que considera que é um modelo que vai mais ao encontro do chamado “turismo criativo”, no sentido de criar.

“É o turista, lado a lado com alguém da comunidade local, que tem uma experiência que pode ser emocionalmente marcante e até de aprendizagem. Por exemplo, vai fazer uma máscara de Lazarim, aprende a fazer um pote de barro negro, uma cesta de vime ou até uma dança tradicional. Temos de olhar mais para as comunidades locais e para o que elas têm para oferecer”, diz.

Qual é o próximo mosteiro que vai ser um empreendimento turístico?

Para João Vaz Estêvão, falta uma estratégia para o turismo patrimonial e o programa Revive, não é suficiente. Aliás, o investigador quer saber quais são os critérios usados para escolher qual é o próximo mosteiro que vai ser um empreendimento turístico. Ou que tipo de empreendimento vai ser: uma atração ou um hotel? Quem o vai explorar? Há alguma abordagem minimamente científica?

São questões para as quais espera respostas da diretora do REVIVE, Susana Macedo, que vai participar numa mesa-redonda com Soraya Genin, da ICOMOS Portugal (Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios, ONG associada à UNESCO), “duas pessoas com visões muito distintas do património”.

No entanto, o investigador do ISCTE e docente do Instituto Politécnico de Viseu admite que nem todas as transformações que estão a ser feitas para hotéis e outros empreendimentos turísticos são gravosas. Tudo depende”.

“Se uma unidade hoteleira ou um alojamento for feito com respeito pelo edificado, (sem usar a técnica do fachadismo, em que fachada está virginal, completamente recuperada, mas dentro do edifício se deitaram as paredes abaixo porque é preciso cumprir os padrões de volumetria, decoração, etc dos hotéis de 4-5 estrelas), se tivermos o mosteiro como protagonista, a sua vivência, a sua interpretação, a integração com a comunidade e os saberes locais, pode haver lá dentro local para as pessoas pernoitarem. Mas se fazemos tábua rasa de tudo isso e transformamos o edifício num empreendimento que não respeita nem a traça, nem a simbologia ou a identidade do local, então é altamente negativo”, aponta.

João Vaz Estêvão afirma que o objetivo do simpósio é dar um pequeno contributo para que comece a falar e a discutir todas estas questões. Por exemplo, em relação ao turismo inclusivo, o investigador sublinha que se fala sempre do lado da “procura”, se é acessível a pessoas com maiores dificuldades económicas ou a pessoas com défice físico ou cognitivo. “Mas em Portugal fala-se pouco da outra vertente, ligada à oferta. E nós queremos iniciar essa discussão”.

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