Trabalho

E se a Concertação discutisse formas de fazer crescer os salários sem impacto na inflação?

22 abr, 2022 - 22:00 • Ana Carrilho

Há novas formas de trabalho e cada vez mais desregulado. A negociação coletiva está bloqueada e a perder eficácia no que é o seu principal objetivo: reduzir a desigualdade salarial.

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A saída da crise pandémica é uma oportunidade para a Concertação Social, defenderam esta sexta-feira alguns dos participantes na Conferência sobre a Situação e Perspetivas da Negociação Coletiva, que se realizou em Santarém, antecedendo o XIV Congresso da UGT.

É o caso dos ex-ministros do Trabalho Paulo Pedroso e Silva Peneda. A subida da inflação também é um desafio, mas não tem de impedir o crescimento dos salários. Pelo contrário, foi o recado que o ex-ministro Cavaco Silva deixou aos que receiam a espiral inflacionista. E até deixou a sugestão de criar uma espécie de poupança individual com parte do aumento salarial de cada ano e que o trabalhador poderia levantar quando se reformasse.

Seria uma boa solução, especialmente para quem tem salários intermédios e que muito tem sido prejudicado nos últimos anos. É que tanto os governos como os sindicatos só se têm preocupado com o aumento dos salários mínimos, frisou o ex-ministro socialista e investigador do ISCTE, Paulo Pedroso.

“As crises também podem revelar oportunidades. Estamos a sair da crise pandémica, veremos como é que pode ser aproveitada”, referiu o investigador e docente do ISCTE, Paulo Pedroso, que considera que é “uma oportunidade para a Concertação Social”.

O ex-ministro do Trabalho de António Guterres refere o crescimento económico mais alto que se espera para os próximos anos, mas igualmente o grande desafio da inflação porque “em Portugal a negociação coletiva continua a estar muito ligada aos salários. Os anteriores governos apostaram muito na valorização do Salário Mínimo, mas, com o apoio dos parceiros, especialmente sindicais, essas decisões não tiveram qualquer efeito de arrastamento sobre as remunerações médias.

Paulo Pedroso frisa que a negociação coletiva está a perder eficácia naquela que deve ser a sua prioridade: combater a desigualdade salarial. E acusa os próprios sindicatos de “incorporarem” uma lógica de aumento de salários mínimos. “Quando vemos os aumentos na contratação, encontramos uma grande concentração da negociação nos escalões que estão imediatamente a seguir ao Salário Mínimo, com a preocupação de que não sejam absorvidos pelo SMN e tenham uma pequena valorização. Implica que os trabalhadores dos setores intermédios acabam por não ser beneficiados nem pelo SMN nem pela dinâmica da contratação. Acabámos por levar a contratação também para uma negociação de mínimos”, conclui.

O especialista refere que esta situação acaba por ter impacto negativo sobre as carreiras, progressão e valorização profissional. Por isso considera que é preciso que o foco seja a eficácia da contratação coletiva e considera que há uma oportunidade com a Agenda do Trabalho Digno, cuja negociação deverá ser retomada em breve na Comissão Permanente de Concertação Social.

Por outro lado, Paulo Pedroso considera que é preciso ver como gerir a inflação, de forma que não tenha tanta influência no fator trabalho.

Receio que aumento de salários alimente espiral inflacionista faz com que todos percam

Dar mais justiça salarial aos trabalhadores com salários de nível intermédio é, na prática, o que antigo ministro do Trabalho pretende com a proposta que apresentou na Conferência da UGT.

Silva Peneda não concorda com aqueles que receiam que o aumento generalizado de salários provoque uma espiral inflacionista. Argumenta que a subida da inflação está a ser provocada pelos produtos importados (energia, combustíveis e fertilizantes) que têm pouca procura dos trabalhadores em geral.

E frisa que sem aumentos, todos perdem: os trabalhadores porque têm quebra no poder de compra e as empresas, porque há menos consumo e aumentam os custos de produção.

Por isso, o antigo presidente do Conselho Económico e Social deixou uma sugestão que, em seu entender, devia ser trabalhada na Concertação Social: o do crescimento dos salários, mas sem impacto na inflação, através de uma “poupança forçada”.

“Vamos imaginar que havia um aumento de 3% este ano, mas para uma conta de cada trabalhador iam mais 2% a 3% (ou que se decidisse); uma conta que só podia ser movimentada em circunstâncias muito especiais ou quando fosse para a reforma. Como o dinheiro não seria gasto, não contribuía para a inflação. Silva Peneda defende que esta solução também podia ser incentivada, dando às empresas a possibilidade dessa componente deferida ter uma majoração para efeitos coletável; e para o trabalhador, quando utilizasse esse dinheiro, a componente de IRS não podia ser aplicada nesse montante”. Em seu entender “encaixava bem, sobretudo, para os trabalhadores com salário médio”, em relação aos quais Paulo Pedroso tinha manifestado preocupação com a desvalorização que tem acontecido.

Novas formas de trabalho não podem esquecer proteção aos trabalhadores

Nos últimos anos emergiram novos negócios, novas formas de trabalho e em regra, uma grande desvalorização de tudo o que é coletivo e até as próprias relações de trabalho, com uma tendência cada vez maior para a subcontratação, alertou Paulo Pedroso.

Razões que levam Silva Peneda a sublinhar que essas mudanças têm efeitos na vida dos trabalhadores e nas relações de trabalho. “Novos mercados de trabalho que constituem novos desafios para as organizações sindicais e patronais”. E sublinha que “em futuras regulamentações de trabalho não se pode esquecer que é preciso favorecer a parte mais fraca, que é sempre o trabalhador”.

Além disso, defendeu que é preciso promover uma “boa imagem da contratação coletiva, nomeadamente junto dos mais novos”. E deixou o desafio à Comissão de Concertação Social para promover uma campanha forte de promoção da negociação coletiva, envolvendo todos os parceiros e explicando porque é que é tão importante nas relações de trabalho. “Há muito trabalho a fazer”.

O antigo presidente do CES manifestou-se ainda preocupado com a grave crise demográfica que a Europa atravessa. E apontou o caso da Alemanha, que vai perder 11 milhões de ativos nos próximos anos e já está à procura de imigrantes, de preferência com qualificações.

“Países como Portugal vão ter muitos problemas porque os seus mais qualificados vão ser convidados para ir para a Alemanha”. É um problema muito complicado, com esta gente toda a emigrar. É um problema para o mundo sindical e para os parceiros. Temos de nos preparar e não vejo esta questão a ser discutida, nem na Concertação nem na Europa”.

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