Avenida da Liberdade

Zita Seabra: "Estamos fartos de pôr dinheiro na TAP. O Estado não sabe gerir"

13 abr, 2023 - 06:30 • Maria João Costa

A antiga deputada considera que Portugal sofre de uma “ideologia estatizante”. Zita Seabra critica o excesso de Estado, dá como exemplos a TAP e os setores da saúde e educação e classifica como “sinistra” as propostas de Costa para habitação. Em entrevista ao podcast Avenida da Liberdade, recorda as memórias dos tempos da ditadura, da vida em clandestinidade, de como foi recrutada para o PCP pelo pai de Fernando Medina e admite que sabia a senha do 25 de Abril.

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Zita Seabra: "Estamos fartos de pôr dinheiro na TAP. O Estado não sabe gerir"

O olhar de Zita Seabra sobre o estado do país, é que país sofre de excesso de Estado. Nas suas palavras, a “ideologia estatizante abafa e limita” a iniciativa privada. Em entrevista ao podcast Avenida da Liberdade, da Renascença, a antiga deputada social-democrata dá como exemplos o caso da TAP e os setores da saúde e da educação.

“Quando os portugueses conseguem libertar-se do Estado e tomam alguma iniciativa, imediatamente cai-nos em cima uma ideologia estatizante e o país recua. Nós recuamos na saúde, com o fim das PPP. A nacionalização da TAP foi sinistra. Agora, vamos andar anos a pagar aquilo. Estamos fartos de pôr dinheiro na TAP. A CP só dá prejuízo. O Estado não sabe gerir!”, afirma Zita Seabra.

Neste diagnóstico de Portugal em 2023, Zita Seabra vai mais longe e aponta baterias à governação socialista de António Costa. “O que estamos a assistir neste momento em relação às propostas de habitação, é uma coisa sinistra”, considera a antiga militante comunista.

Segundo Zita Seabra, Portugal vai sendo ultrapassado “até por aqueles países de Leste que viveram no comunismo. Entram na União Europeia e ultrapassam-nos”, admite. “Isso vem muito do excessivo papel que o Estado tem em Portugal”, aponta Zita Seabra.

“Sabíamos que ia acontecer, sabíamos a senha e a hora”

No caminho para os 50 anos do 25 de Abril de 1974, Zita Seabra percorre as memórias das horas antes da Revolução. Recorda que na madrugada de 24 de abril estava numa casa “próxima da cadeia de Tires”, com o seu companheiro de partido, Carlos Brito e outros clandestinos.

“Sabíamos que ia acontecer, sabíamos a senha e a sabíamos a hora”, confessa Zita Seabra, que se lembra que estiveram a jogar às cartas e a ouvir a rádio à espera do momento.

“Ouvimos o ‘Depois do Adeus’ e a ‘Grândola’, os dois sinais, tínhamos o programa do MFA que iria ser lido posteriormente. Passamos os olhos pelo programa e a palavra de ordem foi ir agarrar os nossos setores”. Saíram de casa e recorda que “a grande preocupação eram os presos políticos de Caixas, de Peniche, e até da própria António Maria Cardoso [sede da PIDE], no centro de Lisboa, no Chiado, onde havia alguns presos que estavam em tortura”.

"Perguntei-lhe para que é que precisava da pistola e ele disse-me que era da PIDE"

Nas horas que se seguiram lembra: “Fomos à estação de comboios de Oeiras, apanhar o comboio para vir para Lisboa e a primeira coisa que fiz foi uma coisa que era proibida a um clandestino que foi tomar um café. Foi uma pequena sensação de liberdade, a primeira foi depois chegar a Lisboa, entrar numa cabine telefónica e ligar para casa para os meus pais”.

Filha única, Zita Seabra cedo entrou para a clandestinidade. Praticamente pouco ou nada falou com os seus pais durante os seis anos em que adotou o nome falso de “Helena Sá e Costa” e em que viveu na clandestinidade.

Ao longo do tempo passou por várias casas, uma delas, sem saber, estava na boca do lobo. “Estava nessa casa, quando um dia o dono da casa chega e diz: 'vim a casa buscar a pistola'. Eu estava treinada para não responder logo, e pensei, porque é que ele veio buscar a pistola. E à noite perguntei-lhe para que é que precisava da pistola e ele disse-me que era da PIDE, da defesa civil do território e que tinha acontecido qualquer coisa para Lisboa, e eles tinham ficado todos de prevenção”, conta.

Zita Seabra diz que esse foi “o dia em que Salazar caiu da cadeira”. “O país ainda não sabia o que tinha acontecido, mas eles tinham entrado todos de prevenção. E de repente eu percebo que estou a viver num quarto alugado, em casa de um PIDE!”, recorda hoje a rir.

Cunhal considerou que “o golpe militar era uma aventura” não segura

Dos seus tempos de PCP recorda Álvaro Cunhal e a forma como o carismático líder duvidou do sucesso da operação que acabou por gerar o 25 de Abril de 1974.

"A primeira coisa que fiz foi uma coisa que era proibida a um clandestino, que foi tomar um café"

“Nessa mesma altura, o Álvaro Cunhal estava no exílio em Paris. Quando houve aquele pré-anúncio do 25 de Abril que foi a coluna das Caldas, em março, o Cunhal mandou indicações para o interior do país, dizendo que o golpe militar era uma aventura. Não era seguro.”

Mas de Cunhal que só veio a conhecer mais tarde, Zita Seabra tem também outras memórias. “Cunhal publicou uma obra notável que veio a influenciar muito o 25 de Abril. Aí se decide que os militantes comunistas não desertam. Vão infiltrar o exército colonial. Isto deu uma discussão enorme”, relata.

“Dentro do próprio PCP toda a gente aceitou e achou fantástico e muito revolucionário. É muito trotskista ir infiltrar o exército colonial! Onde deu problemas foi na nossa luta ideológica com os maoistas. Fomos acusados, e ainda tenho muitos papéis a dizer isso, de ser pró-colonialistas e não sermos suficientemente contra a guerra colonial para desertarmos. Mas essa posição foi fundamental para infiltrar o exército colonial.”

Pai de Medina recrutou Zita para o PCP

Nas memórias de Zita Seabra estão outros detalhes da vida em ditadura. Desde a sua luta estudantil, às férias que passava fora do país e onde via outro tipo de vivência.

Da inquietação que foi nascendo em si, motivada pelo desejo de liberdade, á entrada no PCP foi um passo rápido. No Porto, onde então vivia começou a frequentar o Café Piolho e o Cineclube.

“Passado pouco tempo estava recrutada para o PCP pelo pai do atual ministro das Finanças, Fernando Medina, o Edgar Correia”.

Dessa época ainda, Zita Seabra recorda ainda outros exemplos de como a vida era condicionada. “Os filmes eram cortados! Por exemplo, eu só vi aquele famoso beijo do ‘Casablanca’ depois do 25 de abril! A cena fundamental do filme que é o mais bonito beijo do cinema estava cortado! A seguir fomos todos ver o filme, para ver o filme completo”.
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  • Anastácio José Marti
    28 abr, 2023 Lisboa 14:41
    E nos bancos ainda não nos fartámos de por dinheiro? E nos partidos políticos, quarenta e nove anos a pôr lá dinheiro ainda é pouco tempo? São estas as formas de os partidos políticos e os seus dirigentes defenderem algum dia quem trabalha? Quando todos e cada um dos partidos políticos com assento parlamentar, e não só, têm conhecimento do homicídio profissional imposto a um funcionário público DEFICIENTE e LICENCIADO, e nada assumiram até hoje para repararem tamanha falta de vergonha, é para assim se comportarem que os partidos políticos e instituições existem? Para onde caminha um país no qual a sua população mais vulnerável, é assim desrespeitada com a cumplicidade de sindicatos, partidos políticos, Provedoria de Justiça Presidência da República etc, como qualificar todos e cada um que assim se comporta em nome de Portugal?

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