Podcast Avenida da Liberdade

Domingos Abrantes: “A política portuguesa é hoje marcada por grande desonestidade e falta de ética”

27 abr, 2023 - 08:25 • Maria João Costa

O antigo conselheiro de Estado considera que há razões para os portugueses estarem “apreensivos” com o futuro. O militante comunista diz que falta ética à política. No podcast Avenida da Liberdade Domingos Abrantes alerta para a necessidade de recuperar os valores de Abril. Nas memórias recorda os detalhes da célebre fuga da prisão de Caxias, no carro blindado que Hitler ofereceu a Salazar.

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Domingos Abrantes no Avenida da Liberdade

Foi até há um ano conselheiro de Estado. Aos 87 anos, Domingos Abrantes olha para os 49 anos do 25 de Abril com desencanto face à atual situação política nacional. Em entrevista ao podcast Avenida da Liberdade, mostra-se “apreensivo” com a atual situação política e preocupado “em relação às novas gerações”.

Na opinião do antigo deputado comunista, “a vida política portuguesa é hoje marcada por uma grande desonestidade e falta de ética”. Domingos Abrantes dá como exemplo o caso da TAP. “Há uns meses a TAP era uma linha vermelha. As mesmas pessoas que diziam ‘só por cima do meu cadáver’, agora falam na maior das calmas na privatização. Onde é que está a ética?” interroga-se o comunista.

Domingos Abrantes considera que há uma “promiscuidade” entre poderes que “leva as pessoas à antipolítica”. O antigo dirigente do PCP alerta que “a antipolítica foi sempre a arma do fascismo. O Hitler e o Salazar vieram para por isto em ordem, e depois sabemos o que aconteceu”, conclui o comunista que diz hoje não distinguir as políticas do PS das do PSD.

Questionado sobre os valores da Revolução de Abril, Domingos Abrantes considera que “já não é um problema de cumprir. Começa-se a pôr o problema de recuperar, porque não andámos para a frente, andámos para trás!”

A fuga de Caxias durou 60 segundos, mas pareceu uma “eternidade”

Nas memórias dos dias da ditadura está gravada a célebre fuga da prisão de Caxias, em que Domingos Abrantes e outros 7 “camaradas”, arrombaram o portão da cadeia com o carro, um Chrysler, blindado que Hitler tinha oferecido a Salazar.

“A polícia tinha tomado medidas para tornar quase impossível qualquer fuga”, lembra Domingos Abrantes. Mas em 1961, na tarde de 4 de dezembro, à vista de todos, ele e outros detidos conseguiram escapar.

A fuga demorou 60 segundos, mas para quem vai a fugir, os 60 segundos são uma eternidade. E há uma parte final que foi sobre fogo cerrado. O carro foi atingido com 19 tiros”, recorda Domingos Abrantes que entrou para o banco de trás do carro.

O carro em causa tinha sido reparado durante meses pelo seu companheiro de partido, António Tereso que tinha trabalhado na Carris e tinha alguns conhecimentos de mecânica.

“A fuga levou 19 meses a preparar”, conta Domingos Abrantes ao Avenida da Liberdade que recorda que a polícia “assistiu a tudo desde o primeiro ao último segundo completamente paralisados”.

É que António Tereso que preparou o carro para a fuga, tinha também deixado sem combustível os outros carros da polícia, impedindo assim uma perseguição. “Nós só víamos o carro ao longe, e ao longe parecia maior do que era e parecia que tinha mais uma porta do que tinha”, recorda a rir Domingos Abrantes.

“Acabamos por ter de ir 6 no banco de trás!” conta o dirigente comunista que diz hoje a rir que foram como “sardinhas em lata”. “O carro ia na máxima velocidade, e a malta dizia “Tereso carrega no acelerador!” E ele dizia, “mas isto já não dá mais!”, “-Carrega!”. Tal era a pressa de deixar de ver a cadeia!” relata o então foragido.

Preso por diversas vezes, Domingues Abrantes não esquece os interrogatórios da PIDE na sede da Rua António Maria Cardoso. “Ele perguntou-me quem eu era, e eu “Moita Carrasco!” Zero! Eu nunca disse à polícia, nem o nome, nem bom dia, zero, zero!” explica Domingos Abrantes.

Do tempo passado em que foi preso por mais de uma vez na rua, o antigo conselheiro de Estado recorda os momentos da “tortura do sono” a que foi sujeito pela PIDE e o dia em que se casou no Forte de Peniche, onde estava então detido.

Já sobre o 25 de Abril de 1974, lembra que partilhou com Álvaro Cunhal o voo de regresso a Portugal. “Nós saímos à frente, apareceu-nos o Jaime Neves e vimos um coronel a bater continência a comunistas. Parecia inimaginável. A multidão era enorme e estivemos quase a ser esmagados, partiu-se um vidro tal era a euforia das pessoas para nos abraçar. Chegamos cá fora, vimos muitas bandeiras vermelhas. Uma manifestação gigantesca. Nunca tínhamos visto tantas bandeiras a esvoaçar na rua! É indiscritível”, recorda Domingos Abrantes.

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  • Anastácio José Marti
    28 abr, 2023 Lisboa 14:20
    Só hoje? há quantos anos essa desonestidade intelectual e falta de ética profissional reina na política portuguesa? Onde está a honestidade intelectual de políticos e partidos políticos que tendo conhecimento de situações de bowling profissional e de homicídio profissional, optaram até hoje, pelo compadrio e cumplicidade dos mesmos sem nada assumir, para que não fossem, como sempre o foram, são e serão corresponsáveis com as consequências destas vergonhas para as vítimas das mesmas? Simultaneamente, vejam há quantos anos a TROIKA se foi embora, e ainda hoje, 28/4/2023, o Governo continua imoralmente e desonestamente a descontar nos Subsídios de Férias e de Natal, aos funcionários públicos, descontos para a CGA, IRS, ADSE, sem que estes descontos se vejam refletidos na carreira contributiva dos funcionários públicos. è isto HONESTIDADE INTELECTUAL? onde?

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