Entrevista Renascença

Salvador Sobral sem concessões. "A indústria da música está tão cheia de coisas tóxicas"

29 set, 2023 - 19:30 • Maria João Costa

O músico tem novo disco. “Timbre” é lançado esta sexta-feira. Em entrevista à Renascença, Salvador Sobral admite que a "indústria da música está cheia de coisas tóxicas e de perseguir os likes". Sem fazer concessões, aprendeu a jogar o jogo das redes sociais. Porque diz que precisa de se lembrar porque canta, o artista escreveu uma letra autobiográfica no novo álbum que apresenta dia 27 de outubro no CCB.

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Um almofariz, a mesa da sala ou mesmo as cadeiras, tudo serviu de percussão no novo disco de Salvador Sobral. “Timbre” é o álbum que chega ao mercado esta sexta-feira, 29 de setembro, onde o músico explora uma nova forma de trabalhar e onde interpreta uma música “autobiográfica” onde explica “Porque Canto”.

Em entrevista à Renascença, o músico, que tem concertos marcados para 27 de outubro, no CCB, e a 15 de novembro, na Casa da Música, admite que “a indústria da música está cheia de coisas tóxicas”. Salvador Sobral explica, contudo, que teve de “jogar o jogo” dos “likes” nas redes sociais e que agora se sente mais “em paz” com a máquina da indústria.

Sobre o disco “mais focado na voz”, em que canta em várias línguas, Salvador Sobral indica que nasceu da sua vontade de “experimentar uma abordagem mais pop”, explorar sonoridades improváveis na percussão e o seu timbre, aquilo que diz o “distingue de outros cantores”.

“Timbre”, o novo disco, em que difere dos álbuns anteriores e como foi o processo de construção do disco?

O processo de criação do disco foi completamente diferente dos outros. Estou sempre à procura e, acho que que a maioria dos artistas são assim, não é? Fazem um disco e depois, no disco seguinte, já querem fazer outro processo, outras canções, outra maneira de trabalhar, sempre na procura. Se um dia encontrarmos, é porque já não vale a pena continuar!

Quero estar sempre na procura, explorar ideias novas, maneiras novas de fazer música e de gravar música. Essa foi a proposta, já que o último disco e, todos os outros discos que eu fiz até hoje, foram gravados em estúdio, com toda a gente mesma sala, numa filosofia mais repentista do Jazz, da improvisação e da liberdade de tocarmos todos ao mesmo tempo e fazemos dois ou três takes e o que fica melhor, é o que vai para o disco, com tudo o que isso tem de bom. A improvisação traz coisas belíssimas, mas às vezes aconteceram erros e estão no disco!

Nesse sentido, este "Timbre" é diferente, é mais um algum de estúdio?

Queríamos fazer uma coisa diferente, com mais espaço e mais focado na voz e no timbre. Queríamos experimentar uma abordagem mais Pop. Gravar instrumento, por instrumento, em dias diferentes, sítios diferentes, para termos tempo. Eu tinha tanto tempo para gravar este disco que queria fazer as coisas com muita calma. Quis experimentar gravar primeiro a guitarra, experimentar matizes diferentes, timbres diferentes da guitarra. Experimentar percussões em casa.

Que tipo de percussões domésticas são essas?

Temos muitas percussões artesanais! Temos um almofariz, temos a mesa da minha sala, algumas cadeiras! Estávamos nessa procura do som, dos timbres distintos que a vida tem e só depois, no final de tudo, gravámos as vozes com calma. Eu nunca o tinha feito, porque gravava com toda a gente, e de repente, ter tempo para gravar vozes, fazer muitos testes, explorar notas difíceis que que às vezes eu poderia não fazer, porque aquilo estava sempre a contar, experimentar técnicas novas vocais, experimentar até abordagens de interpretação do ponto de vista dramático e da encenação diferentes. Foi muito bom ter este tempo para explorar sons, timbres e texturas.

Recordo-me numa entrevista que deu à Renascença quando lançou "bpm" dizer que era "um artesão do som". Mantei essa ideia? Em "Timbre" como explora isso?

O que aconteceu no disco anterior é que havia efetivamente esta procura tímbrica e de cores distintas, mas acho que talvez tenhamos pecado por fazer demasiado, e por querer fazer muita coisa. Sinto que o disco ficou talvez muito denso. Isso é típico! Quando uma pessoa fala do ex-namorado, ex-namorada e diz não, porque estas coisas não estavam bem na relação, mas quando está na relação, estava a sentir que era a melhor relação do mundo, não é?!

Eu tenho isso com os discos! Quando eu fiz o "bpm" sentia que era um bom disco. Depois quando saiu o disco comecei a não gostar dele, e a sentir que era muito denso, muita informação, toda a gente a tocar ao mesmo tempo, pouco espaço. São coisas que eu só me apercebi depois. Nesse sentido, neste disco há outra procura. Tem um bocadinho mais de espaço de respiração.

Mais liberdade criativa?

Sim! Sinto que há mais espaço para mim, para a voz, por isso também o timbre que eu acho que é o que me distingue de outros cantores. É o meu timbre, não é?! Então queria que o meu timbre fosse o protagonista neste disco. E não tanto que fossemos todos músicos a tocar ao mesmo tempo e a dar ideias constantemente. Queria que fosse uma coisa mais focada na voz.

Em "Timbre" navega entre várias línguas. Tem canções em espanhol, francês e português. É diferente o resultado quando canta em diferentes línguas?

Para mim, é indiferente cantar em qualquer língua. Eu adoro cantar em lituano, em polaco, em alemão, em sueco, adoro cantar em todas as línguas por onde vou passando. Mas acho que não é igual para as pessoas. O público diz-me sempre, no estrangeiro, que gosta mais de me ouvir em português. Mas para mim é indiferente. Gosto de cantar e de escrever em qualquer idioma, e os idiomas dão diferentes oportunidades também de explorar veias de compositor.

Eu em francês, não tenho a mesma personalidade, nem a falar, nem a escrever do que em português. Sinto que assumimos todos uma personalidade diferente em cada língua. Eu adoro isso! Na hora de escrever letras, isso é importantíssimo. Escrever letra em espanhol para mim é como se fosse outra personalidade minha.

Há um tema em “Timbre” intitulado "Porque Canto" em que escreve versos como "canto para não falar", "tenho no canto a vida", "canto por vocação" ou "canto sem qualquer razão". É uma música sobre si?

A música é totalmente autobiográfica! São todas as razões pelas quais eu canto. Acho que é também para me lembrar, às vezes, porque é que eu canto. Porque a indústria da música está tão cheia de coisas tóxicas e de perseguir os "likes", as vendas dos discos e as visualizações no YouTube, e, às vezes, ficamos perdidos nessas coisas. Então sinto que para mim foi: "Porque é que tu cantas?"

Então, foi um bocadinho, em jeito de recordação para mim mesmo, a essência! Eu canto por todas estas razões. Nenhuma tem a ver com a indústria e com as vendas.

Mas sente que a indústria da música é uma espécie de máquina trituradora?

Depois da Eurovisão, estava num processo meio de negação de todas essas coisas e de quase rebeldia do artista, que só faz o que lhe apetece, e não quer jogar o jogo da indústria da música. Com os anos fui percebendo que não! Que sou também jogador.

Tenho que fazer este tipo de coisas, as redes sociais. Há um tempo eu não ligava, não tinha, depois tinha uma pessoa que fazia por mim. Hoje em dia, sei que temos de ser nós próprios a fazer as redes. Temos que estar presentes neste tipo de coisas. Temos de tentar vender bilhetes. Acho que já estou um pouco mais em paz com isso, de ter de jogar este jogo, se quero continuar a cantar e a poder viver disso, porque infelizmente isso faz parte. Desde que eu tomei rédea das minhas redes sociais, a coisa mudou muito.

É impressionante! Tu fazes um post e percebe-se logo a aceitação das pessoas e que as pessoas estão lá e veem, e dizem "ele foi aqui. Então, talvez possamos chamá-lo para festival X". Os programadores vão ver quantos "likes" tens. É horrível, mas temos de jogar também o jogo um bocadinho, mas sem nunca fazer qualquer tipo de concessão. Acho que até hoje não fiz nenhum tipo de cedência musical em prol da indústria ou da venda da minha música!

Tem concertos marcados para dia 27 de outubro no CCB e a 15 de novembro na Casa da Música. Mas dia 29 tem um "show case" no Chiado, é um pequeno rebuçado que oferece do disco?

Este concerto no Chiado é um "show case". O concerto de lançamento é no CCB dia 27 de outubro. O show case é um "lá mi ré" do que vai ser o disco. É giro, porque este disco é de certa forma também celebratório. É um pouco mais feliz. Tem assim mais cor, é mais alegre e acho giro fazer um show case no Chiado para toda a gente que esteja por ali poder desfrutar. Mas o concento de apresentação em Lisboa é a 27 de outubro no CCB.

Porque escolhe atuar no CCB? Já fez vários concertos lá, e espetáculos que juntam também teatro. Tem uma ligação especial com aquele palco?

Eu fiz concertos deste disco, o BPN e no anterior no CCB. O primeiro também foi no CCB e ali no meio, a popularidade era grande e eu experimentei fazer o Coliseu. E sofri imenso para fazer o Coliseu de nervos e para vender bilhetes. Ter de andar a correr atrás de alguma coisa quando nem gosto da acústica do Coliseu e afinal não valeu a pena estar a sofrer aquilo tudo, quando o CCB que está aqui 20 metros de minha casa é lindo e eu já vi os concertos mais especiais da minha vida também lá. Além dos concertos próprios que fiz também foram muito especiais. É uma casa tão especial que eu gosto de estar ali!

Acho que foi megalómano pensar que devia fazer o Coliseu. Estou muito mais confortável no CCB. Ainda por cima, hoje em dia, parece que toda a gente faz o Coliseu! Hoje estava na estrada e a cada 100 metros está um cartaz de uma pessoa nova, um artista novo que eu nunca ouvi falar que vai fazer o Coliseu. Já se banalizou um pouco, eu acho.

Quem o irá acompanhar neste concerto?

A banda do disco veio ainda um pouco do "bpm", exceto o Max Agnas que era pianista que tocava na tournée do "bpm", mas que não gravou o disco. O baterista com quem eu tocava antes, o Bruno Pedroso, é um baterista mais de Jazz e com essa tradição. Como este disco é um pouco mais folclórico, eu queria um híbrido de percussão e bateria e chamei o Joel Silva, um amigo de longa data e que produziu também um dos meus discos.

O André Santos, tocou guitarras e cordofones da Madeira. O André Rosinha tocou contrabaixo. Depois tenho vários convidados, como a Magalí Sare e a Sílvia Pérez Cruz que gravaram coros. Temos trompetes e flautas gravadas pelo Diogo Duque, e agora a banda ao vivo será com a Lucia Fomero, uma pianista de Barcelona que admiro imensamente e vai-me também cantar uns coros, porque o disco tem muitos coros.

Eu queria que houvesse muita gente a cantar na banda, e a Lúcia vai tocar piano e cantar. A Magali Sare, também de Barcelona vai tocar flautas e cantar. O Joel vai tocar percussão e o André Rosinha no Contrabaixo e o André Santos na guitarra. É uma banda catalã e portuguesa.

O Salvador Sobral foi um dos músicos que defendeu a causa ucraniana. Já passou mais de um ano de guerra. Como olha para o conflito e a situação do povo ucraniano?

Vejo com bastante tristeza, porque eu fiquei muito ligado àquele povo ucraniano, porque ganhei lá a Eurovisão e depois voltamos lá ainda duas vezes. Fiz uma tournée mesmo antes da guerra, por vários sítios, Odessa, Kharkiv, Lviv, fui a todos estes sítios que hoje em dia estão super destruídos e eu conheci um povo muito orgulhoso de ser ucraniano, muito sensível, muito alegre.

Quando falo com pessoas que conheço lá, enfim, uma pessoa às vezes diz, “compreendo o que vives”, mas não posso compreender. Uma amiga que me diz que tem sempre medo que lhe caia uma bomba na rua dela, eu não posso dizer que compreendo. Está muito longe da minha realidade.

E então, obviamente que olho com bastante tristeza e solidariedade com o povo ucraniano, mas com alguma esperança que possa acabar este conflito em breve.

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