Do ponto de vista da investigação e fiscalização, as vulnerabilidades dos documentos dessa altura eram uma permanente dor de cabeça.
O inspetor coordenador Paulo Torres, no SEF desde 1991, descreve um cenário “medonho”, porque “os documentos eram emitidos em papel comum, com carimbos a óleo facilmente replicáveis em qualquer reprografia".
Essa quase ausência de elementos securitários “fazia com que andássemos tempos infindáveis a tentar encontrar um cidadão que tinha sete identidades, porque aquele documento era tão facilmente falsificável, que muito facilmente podia ser usado por vários cidadãos. Paulo Torres recorda que era ainda mais fácil “se tivessem uma fisionomia ou um aspeto parecido”.
A insegurança era total, “o visto era um carimbo a óleo posto numa página do passaporte e preenchido manualmente, com toda a falta de fiabilidade que isso representava. E a autorização de residência era um papel desdobrável, muito precário, facilmente falsificável, quem tivesse uma fotocopiadora offset conseguia replicar aqueles cartões, e produzir os que quisesse”.
Se os documentos eram assim, os meios para os controlar não eram muito melhor. Nessa altura, nos primeiros anos da carreira de investigação e fiscalização, Paulo Torres lembra-se que “os mecanismos, a tecnologia que tinha á minha disposição era um clip desdobrado para fazer marcações no verso do carimbo branco, para ver se ele batia com o que estava na fotografia. Era uma das técnicas. Um clip. Como nos passaportes, para vermos se havia alteração dos dados, no verso da capa onde estavam os dados identificativos fazíamos uma marca para ver se batia nos que estavam á frente, para ver se havia ali alguma rasura, alguma alteração dos dados”.
A grande mudança, tanto na conceção como nos mecanismos de controlo de documentos, começou quando Portugal se viu obrigado a respeitar regras comuns.
Primeiro com a assinatura da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen em 1991, depois quando as fronteiras terrestres foram efetivamente abolidas em 1995. “Até essa data cada um defendia o seu território, as suas fronteiras, mas a partir desse momento todos delegamos uns nos outros o controlo dos nossos territórios.
A partir daí, lembra Paulo Torres, “foi necessário criar e padronizar formatos de controlo de fronteira, toda a gente passou a ser controlada da mesma forma independentemente por onde entre, e a documentação passou a ter características homogéneas.
Mesmo que tudo tenha demorado ainda alguns anos, Paulo Torres diz que Portugal não só conseguiu apanhar esse comboio de desenvolvimento, como se viria mesmo a tornar num dos estados-membros “mais avançados, e ainda hoje temos o título de residência com as melhores características de securitização, e o mesmo se passa com o nosso passaporte, que está entre os cinco mais seguros do mundo”.
Neste campo em concreto, conclui, “passamos do 8 para o 80. De uma coisa que era totalmente falível, facilmente falsificável, que podia ser utilizado por várias pessoas que pretendiam esconder a sua identidade, para um cartão altamente sofisticado, padronizado, emitido centralizadamente pela Casa da Moeda.
Artur Jorge Girão volta a colocar o ponto de viragem na entrada da segunda década do século XXI. “Por volta de 2010, 2011, a coisa muda de figura. Entramos na informatização global de tudo isto, com cartões de carbono, cartões feitos e impressos na Imprensa Nacional Casa da Moeda".
As alterações de procedimentos são totais, porque “hoje em dia já não há documentos em papel no SEF, eles são digitalizados, entram por uma área documental, as fichas são inseridas pelo operador à frente do cidadão, e vão para um funcionário que confirma que o processo está instruído com os documentos necessários. E depois, com um clique aquilo vai eletronicamente para a Imprensa Nacional que emitirá o título, e o cidadão receberá calmamente o documento pelo correio em casa”.