Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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A solução dos dois Estados

18 dez, 2023 • Francisco Sarsfield Cabral • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Toda a gente fala da solução dos dois Estados para a principal crise no Médio Oriente. Mas importa lembrar que essa solução caiu muito nas intenções dos políticos de Israel e dos palestinianos. E é uma solução à qual Netanyahu se tem oposto desde há muito.

Quando, depois do bárbaro ataque do Hamas em Israel, se voltou a falar da solução dos dois Estados – Israel e um Estado palestiniano – não se deu grande atenção ao facto de essa alegada solução já ter tido melhores dias. Uma das pessoas que mais tem lutado contra a solução dos dois Estados foi e é Benjamin Netanyahu.

A embaixadora de Israel no Reino Unido veio, há dias, declarar inviável a solução dos dois estados, porque – afirma ela – os palestinianos não querem um estado contíguo a Israel. Mas a reação contra os acordos de Oslo, que previam os dois estados, foi estimulada em Israel por Netanyahu.

O ainda primeiro-ministro de Israel promoveu a instalação de dezenas de colonatos judaicos na Cisjordânia, retirando espaço a um futuro Estado palestiniano. Além disso, Netanyahu fez distribuir armas aos colonos israelitas, entre o quais o tiro ao palestiniano parece ser um “desporto” em voga.

Netanyahu precisa de ser primeiro ministro para se safar de um julgamento criminal que corre contra ele e para satisfazer as exigências dos seus aliados no governo, partidos religiosos extremistas. Um desses políticos de extrema-direita propôs há semanas o bombardeamento do Hamas com armas nucleares.

Talvez nem todos se lembrem das gigantescas e prolongadas manifestações contra as medidas pouco democráticas que o governo de Netanyahu tem vindo a tomar. Israel gabava-se, com razão, de ser uma democracia, algo raro por aquelas paragens. Mas a qualidade da democracia israelita está em queda; aquele regime começa a parecer-se com um “apartheid” religioso, onde os judeus gozam de cidadania plena, ao contrário dos muçulmanos e fiéis de outras confissões ou de nenhuma religião.

Por outro lado, depois do que se tem visto em Gaza, não será fácil a um governante israelita encontrar, do outro lado da barricada, um interlocutor válido para negociar acordos de paz. A Autoridade Palestiniana, que teoricamente governa a Cisjordânia, não tem hoje autoridade que lhe permita lançar-se em negociações de paz.

E a brutalidade com que os soldados israelitas fizeram milhares de vítimas civis em Gaza não proporciona um clima propício a entendimentos com o inimigo. Os chamados acordos de Abraão pareciam levar a Arábia Saudita a finalmente reconhecer o Estado de Israel, mas o que se passou e ainda se passa em Gaza terá liquidado as hipóteses de alguns países árabes restabelecerem relações diplomáticas com Israel nos próximos tempos.

A solução dos dois Estados estará assim liquidada? Talvez não, mas ainda muita água terá de correr até que tal seja de novo possível. O que, certamente, não acontecerá com Netanyahu à frente do governo de Telavive.

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