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"A construção não se resolve com um tsunami de leis ou diplomas”, diz Gonçalo Byrne

Entrevista a Gonçalo Byrne

Arquitetos alertam que Portugal arrisca desperdiçar fundos do PRR Habitação

22 fev, 2023 • Pedro Mesquita


“A construção não se resolve com um tsunami de leis ou diplomas”, afirma o presidente da Ordem dos Arquitetos. Gonçalo Byrne considera alta a probabilidade de Portugal chegar a 2026 sem ter concluído uma parte significativa da obra prevista, e perdendo assim uma fatia dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência destinados à habitação.

“A construção não se resolve com um tsunami de leis ou diplomas”, afirma o presidente da Ordem dos Arquitetos, Gonçalo Byrne, em entrevista à Renascença.

O arquiteto considera alta a probabilidade de Portugal chegar a 2026 sem ter concluído uma parte significativa da obra prevista, e perdendo assim uma fatia dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) destinados à habitação.

Gonçalo Byrne lembra, em entrevista à Renascença, que a “corrida contra o tempo é tremenda” porque 2026 “é já amanhã” (…) e é obra acabada. Se não está, não há financiamento”.

O presidente da Ordem dos Arquitetos recorda que também pode não existir capacidade de resposta, em tempo útil, das empresas de construção: “Se isso acontece de facto, é um drama”.

Está preocupado com a lentidão a que está a avançar a aplicação dos milhões do PRR destinados à habitação, em Portugal? Já só faltam três anos.

O problema é mesmo esse, é que os processos de obra são lentos. Quer dizer - entre fazer projeto, aprovar projeto, licenciar, fazer concurso da obra, adjudicar e construir - eu diria que leva no mínimo três anos, mas é se tudo correr muito bem. O problema é que há litigâncias muito fortes, porque há híper-legislação por trás. A grande litigância tem a ver, precisamente, com os concursos de obras. Os empreiteiros vão adjudicar à oferta de custo mais baixa, numa altura que têm o estudo prévio na mão, que tem riscos muito grandes. Conhecemos alguns casos em que os concursos ficam desertos, porque os empreiteiros não querem assumir esses riscos. E este é um risco grande que, de facto, era previsível que ia acontecer.

Estamos em 2023, faltam três anos. Já me disse que todo esse processo, toda essa máquina, leva no mínimo três anos. Vamos chegar a 2026 e uma grande percentagem dos dinheiros do PRR que se destinavam à habitação serão devolvidos?

É uma probabilidade que é alta, porque é uma corrida contra o tempo tremenda. Mesmo estas novas medidas, este mapa de habitação ou como foi chamado (Mais Habitação) e que, pelos vistos, ainda nem sequer está em forma de diploma, claro que vem abrir mais campos. Mas, por exemplo, abrir a possibilidade de novos terrenos do Estado para se poder construir... onde é que estão esses terrenos? Estão nas periferias da cidade. Há algum plano para ocupar esse terreno? Há um estudo urbanístico? Tudo indica que esses terrenos, provavelmente, podem ser uma boa oportunidade, mas, se calhar, o processo ainda é mais longo porque, se calhar, é preciso fazer uma avaliação, é preciso verificar se eles têm boas condições urbanísticas para fazer habitação.

Outra questão é a da reabilitação das casas devolutas: Tudo bem, mas ainda há todo um processo legislativo muito complexo a negociar antes de entrar a componente obra. É claro que poderão negociar, eventualmente, alguns que possam não estar a precisar de obra. Mas a grande maioria, se calhar está.

O que está a dizer, no fundo, é que um governo no seu melhor, ou seja, simplificando, desburocratizando e agindo muito rapidamente, já dificilmente cumpria os prazos, aplicaria os dinheiros do PRR, na área da habitação, conforme planeava quando tudo isto começou?

De facto, aqui o grande problema é o tempo necessário para projetar, lançar e construir. Quer dizer, a construção não é uma coisa que se resolve com um tsunami de leis ou diplomas. Isso é parcialmente importante, mas elas têm de ser atempadamente lançadas e, portanto, quanto mais nos aproximamos de 2026, menos viável isso se torna.

A verdade é que 2026 é amanhã, é daqui a três anos, não é? E é obra acabada. Se não está, não há financiamento. Não digo que o Estado não possa financiar, continuar a trabalhar, mas perde os fundos. E é uma pena, porque estamos a falar, sobretudo, de duas coisas: De habitação acessível e, substancialmente, de arrendamento acessível. Como sabe, porque os rendimentos familiares são maus, porque os materiais de construção estão mais caros, tudo está a convergir para ser economicamente mais complexo, e o número de casas que estima que são necessárias para as camadas sociais mais débeis está a aumentar enormemente.

De facto, é uma situação crítica que deveria ter envolvido um planeamento, que acho que o governo tem de continuar a fazer. Para além de criar planos de emergência para agilizar as obras, e nós temos tido muitos contactos com a secretária de Estado da Habitação, que agora é a senhora ministra. Sabemos que é uma pessoa bastante bem-intencionada e quer fazer coisas. O problema é o tempo...é o “countdown” até 2026.

Além dessa aparente boa vontade do Governo, de dizer “agora que é”, tem os meios, tem a mão-de-obra, tem tudo isso garantido por forma a, também por essa via, cumprir prazos?

Repare uma coisa, a obra depende das empresas construtoras. E as empresas construtoras, também já se sabe há muito tempo, estão a atravessar um momento complicado, um momento complexo. Primeiro porque, com a com história longa do “subprime”, houve uma data de empresas que faliram e agora há uma procura muito grande, e muitas delas estão cheias de trabalho de empreitadas privadas. Pode acontecer que não exista capacidade de resposta, em tempo útil, também das empresas de construção. E se isso acontece de facto, é um drama.

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