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Em Nome da Lei
O direito e as nossas vidas em debate. Um programa da jornalista Marina Pimentel para ouvir sábado às 12h.
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Mudanças na lei facilitam o consumo, mas não o combate à droga

Em Nome da Lei

Mudanças na lei facilitam o consumo, mas não o combate à droga

22 jul, 2023 • Marina Pimentel


No programa Em Nome da Lei da Renascença, o coordenador nacional para os Problemas da Droga diz que a lei que descriminaliza o consumo, independentemente da quantidade da droga apreendida, vai tornar mais difícil a vida das polícias.

A maioria socialista aprovou esta semana alterações à lei que facilitam o consumo, mas dificultam o combate à droga. É essa a opinião dos especialistas.

No programa Em Nome da Lei da Renascença, o coordenador nacional para os Problemas da Droga diz que a lei que descriminaliza o consumo, independentemente da quantidade da droga apreendida, vai tornar mais difícil a vida das polícias.

João Goulão defende que, até agora, a situação era clara: dependendo da quantidade de droga apreendida, a posse era considerada crime ou mera contraordenação.

”Se tem menos, vai para o sistema contraordenacional. Se tem mais, vai para o sistema judiciário. E aí há que produzir uma evidência de que há uma atividade de tráfico. Claro que o contrário, é bem complicado, porque é evidente que nenhuma pessoa que se dedique à atividade de tráfico o vai assumir claramente, e vai dizer que aquela droga era para seu consumo pessoal. Portanto, há aqui uma zona de penumbra que fica criada por esta legislação e que, do meu ponto de vista, vem complicar o entendimento que tem sido feito.”

Deter droga para consumo, independentemente da quantidade, vai deixar de ser crime em Portugal. Até aqui, só era tipificada como uma mera contraordenação se a quantidade não ultrapassassem a dose média considerada como necessária para o consumo, por um período de 10 dias.

Se o consumidor de drogas fosse apanhado com uma quantidade superior, as autoridades judiciárias entendiam que se trata de um crime de consumo. Uma interpretação sufragada por um acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e também, pelo menos, por um acórdão do Tribunal Constitucional, mas que, na opinião do PS e dos partidos à esquerda, vem desvirtuar o espírito da lei aprovada há mais de 20 anos.

No processo de audições que antecedeu a aprovação da nova lei, a Polícia Judiciária fez um parecer em que se afirmava ”frontalmente contra” o conteúdo das alterações. O diretor-geral adjunto, João Melo, explica que “já existia incerteza jurídica na lei em vigor”, mas a partir de agora ”essa incerteza é maior“, porque falta aos órgãos de polícia criminal (OPC) o critério da quantidade de droga, que à partida era definidor do que poderia ser uma contraordenação ou um crime.

”O agente policial não tem as ferramentas ao seu dispor para poder contrariar a versão do indivíduo detetado que diz: 'isto é para meu consumo e o consumo não é punido. Agora prove que esta droga não é para o meu consumo'”, exemplifica o diretor-geral adjunto da Polícia Judiciária.

João Melo faz uma analogia com a legislação relativa à condução sob efeito do álcool: ”Na condução sob o efeito do álcool, nós também temos uma fronteira entre a contraordenação e o crime. Sabemos que a partir de 1,2g/l no sangue, temos um crime. Há um limite, há um valor quantitativo que determina uma segurança jurídica. Uma pessoa que não quer cair na previsão legal, sabe que não pode beber para lá de determinados limites”.

Pode violar a Constituição

Também o advogado penalista Carlos Melo Alves chumba a legislação aprovada esta semana pelo Parlamento. "As normas que aqui estão em causa são normas punitivas. A lei só tem de dizer: ‘quem fizer isto, comete este crime’. Não tem de dizer como é que se faz a prova desse crime. Mas isso é o que o legislador aqui está a fazer. E isso tecnicamente é incorreto; é um erro grave de técnica legislativa".

Em causa está o facto de a lei que descriminaliza o consumo, independentemente da quantidade de droga apreendida, prever que se for excedido o que se estipula como a quantidade média de consumo para um período de 10 dias, isso constitui indício de que o propósito pode não ser o consumo.

E a má prática legislativa “pode até ser inconstitucional", defende também o advogado penalista. “Aquilo que o legislador aqui está a fazer é arranjar uma presunção de que quem estiver na posse dessa tal quantidade é traficante. O que do ponto de vista constitucional levanta logo graves problemas. Designadamente em relação ao princípio da presunção de inocência”, argumenta.

Também o PSD tem dúvidas sobre a constitucionalidade das alterações feitas ao regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefaciente e substâncias psicotrópicas.

A bancada social democrata "espera para ver o que fará o Presidente da República”, para decidir se avança ou não um pedido de fiscalização sucessiva, explica a Sara Madruga da Costa.

A deputada justifica que, embora estando contra o conteúdo da alteração aprovada pela esquerda, o partido se absteve porque outra parte do diploma corresponde grosso modo a uma iniciativa legislativa apresentada pelo PSD, em março. Em causa, a inclusão na lista dos estupefacientes e substâncias psicotrópicas cujo consumo foi descriminalizado das drogas sintéticas, as chamadas novas substâncias psicoativas (NSP).

O que acontecia é que havia uma discriminação entre os consumidores das drogas clássicas e os das drogas sintéticas, cujo consumo não estava descriminalizado pela lei de 2000. Os consumidores das NSP não estavam protegidos. E agora estão.

Também o diretor da Unidade de Comportamentos Aditivos e Dependências da Madeira critica a nova legislação. Nelson Carvalho defendia a inclusão das drogas sintéticas na lista das substâncias de consumo descriminalizado, tal como foi proposto pelo PSD. Mas está contra a solução aprovada pela esquerda de acabar com limites ao consumo.

Sintéticas mais aditivas e psicóticas

O consumo deste tipo de drogas é especialmente grave nas regiões autónomas, por razões que estão por explicar.

O diretor da Unidade de Comportamentos Aditivos e Dependências da Madeira explica que “são mais baratas, provocam mais dependência e desencadeiam muitas vezes comportamentos psicóticos”.

Nelson Carvalho revela que a maior parte dos consumidores têm mais de 25 e estão desempregados. Muitos deles têm doenças psiquiátricas associadas que obrigam na maior parte dos casos a internamento compulsivo.

”Desde 2012, e até meados de junho deste ano, tivemos 1.890 internamentos, dos quais 1.158,correspondendo a 61,3%, foram internamentos compulsivos. Estamos a falar de indivíduos que ficaram com comportamentos psicóticos, com alucinações ,delírios, alguns com comportamentos violentos. E ao abrigo da Lei de Saúde Mental terão de ser internados à força.”

Cada vez mais internamentos, diz Nelson Carvalho, e cada vez mais longos. ”Em 2021, a média de internamentos era de 14 dias. Em 2022, subiu para 20 dias. Temos vindo a assistir à necessidade destes doentes ficarem cada vez mais tempo internados, devido à resistência ao tratamento, porque eles vão ficando cada vez mais adictos, com mais sequelas no sistema nervoso central, e tem sido cada vez mais difícil tratar estes doentes.”

O médico João Goulão explica que é muito mais difícil tratar alguém que está com um surto psicótico provocado por uma droga sintética do que um dependente das chamadas drogas tradicionais.

”Até pelo desconhecimento de qual a substância ou quais as substâncias que a pessoa efetivamente tomou, quais os efeitos, como contrariar esses efeitos. Nós em relação às heroínas, cocaínas, e por aí fora, sabemos como atuar numa crise aguda. Com estas não sabemos .Nós médicos lidamos sintomaticamente com as coisas, tentar controlar o tal surto psicótico, tentar arrefecer, digamos assim, aquela crise ,mas não há muito mais a fazer na situação aguda.”

Excertos do programa Em Nome da Lei, para o qual foi convidada também a bancada do Partido Socialista. O convite foi declinado com o argumento de a gravação coincidir com o debate parlamentar do Estado da Nação.

O programa Em Nome da Lei, emitido aos sábados, ao meio dia, na Renascença, e disponível nas principais plataformas de podcast, entra agora de férias, regressando a 23 de setembro.

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  • Antonio Fernandes
    22 jul, 2023 ALVERCA DO RIBATEJO 13:02
    Mais um bom tema no programa de excelência da jornalista Marina Pimentel,