Imigração. Leis mais duras na Europa são vitória da extrema-direita ou a forma de a conter?

As novas leis de imigração na Europa, recentemente discutidas em França e Inglaterra, estão a reacender a discussão sobre a forma como os movimentos de direita radical e populista podem estar a ganhar a batalha ideológica em relação aos migrantes. O cordão sanitário à extrema-direita está a deslaçar-se.

03 jan, 2024 - 06:30 • João Carlos Malta (texto) , Rodrigo Machado (fotomontagem) , Diogo Camilo (gráficos)



Imagem: Rodrigo Machado
Imagem: Rodrigo Machado

Oiça a reportagem do jornalista João Carlos Malta

“Quanto mais os partidos conservadores baterem na tecla da imigração, mais a fronteira entre eles e os partidos de extrema-direita se vai esbater. A transferência de votos entre os dois campos ideológicos torna-se muito mais possível do que anteriormente e muito mais provável”. É assim que João Carvalho — investigador do ISCTE que se tem dedicado ao estudo dos movimentos da extrema-direita europeia e às políticas de imigração — olha para o recente endurecimento regras de acolhimento um pouco por toda a Europa.

O mesmo académico acredita mesmo que “existe a possibilidade de os partidos de extrema-direita ultrapassarem os partidos conservadores nas urnas”, isto porque estes últimos “estão sempre a enfatizar a imigração”. E isso, conclui, acaba por “diluir a fronteira ideológica entre os conservadores e a extrema-direita”.

O tema voltou a ganhar atualidade com a aprovação no final do ano de uma nova lei de imigração em França, que valeu muitas críticas ao Presidente Emmanuel Macron.


OuvirPausa
"Quanto mais os partidos conservadores baterem na tecla da imigração, mais a fronteira entre eles e os partidos de extrema-direita se vai esbater", João Carvalho, investigador do ISCTE.

A mais recente legislação francesa para esta área é muito mais dura do que o texto inicial do governo, restringindo severamente o acesso dos migrantes à cidadania, os direitos a benefícios sociais e os procedimentos de reagrupamento familiar.

Apesar de estar longe do que seria uma lei de imigração apresentada pela União Nacional de Marine Le Pen, não impediu a líder deste partido de extrema-direita de cantar vitória. “Uma vitória ideológica”, disse.

João Carvalho concorda com Le Pen. “Eu interpreto como uma vitória da extrema-direita porque é o seu tema preferido e está a ganhar destaque nos meios de comunicação social e na agenda legislativa dos governos. Portanto, o grande inimigo da extrema-direita é a imigração e os governos ocidentais estão, cada vez mais, a adotar esta narrativa”, defende o investigador.

Extrema-direita derrubou o muro ideológico

Ricardo Marchi, um italiano radicado em Portugal e professor no ISCTE, que se tem igualmente dedicado à investigação das direitas radicais, alinha na ideia de que esta é “uma vitória dos partidos da direita radical”.

Isto porque são estes que desde os anos 90, e nalguns casos até desde o final dos anos 70 e 80, introduziram o tema das migrações nas respetivas agendas políticas e nos debates públicos dos respetivos países.


“Por muitos anos, os partidos ‘mainstream’, geralmente os de centro-direita, tentaram manter fora do debate público este tema, porque era complicado de gerir. Principalmente, porque eram partidos com responsabilidade de governo e em muitos casos favoráveis aos fluxos migratórios”, recorda.

“A transferência de votos entre os dois campos ideológicos torna-se muito mais possível do que anteriormente e muito mais provável”.

Segundo Marchi, atualmente os estudos empíricos são já reveladores de que, nesta e noutras matérias, os partidos de extrema-direita estão a influenciar de forma efetiva os partidos conservadores e os partidos de centro-direita.

E, tal como João Carvalho, também Ricardo Marchi defende que a guinada dos partidos de centro-direita, nesta área, não lhes está a trazer grandes benefícios eleitorais.

Lembra que a mão pesada na imigração, com a introdução de regras europeias mais apertadas, já começou desde o início do século, e os últimos anos são a demonstração que “esta dinâmica de abraçar os temas da direita radical não trava o crescimento desses partidos”.


Migrantes tentam entrar em França na fronteira de Menton. Foto: Eric Gaillard/Reuters
Migrantes tentam entrar em França na fronteira de Menton. Foto: Eric Gaillard/Reuters

“Não impediu que nos últimos 20 anos estes partidos triplicassem a sua média de votos. Esta é a dinâmica geral na Europa, não em todos os países. Há países onde esses partidos cresceram rapidamente, mas depois desapareceram. Há outros onde estagnaram por longos anos, há outros onde, pelo contrário, têm uma dinâmica crescente, como é o caso de Portugal ou de França”, descreve Marchi.

“Esta dinâmica de abraçar os temas da direita radical não trava o crescimento desses partidos”

Este não parece ser o entendimento do primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, que não tem olhado a esforços para aprovar uma lei que permite deportar para o Ruanda os imigrantes em situação ilegal, quando estes chegam através do Canal da Mancha. Quer fazê-lo através de voos diretos para aquele país africano.

Sunak argumentou que esta é a forma de evitar rebeliões dentro das fações de extrema-direita. Segundo a agência Reuters, o Reino Unido gasta atualmente mais de 3 mil milhões de libras (3,5 mil milhões de euros) por ano no processamento de pedidos de asilo, sendo que o custo do alojamento de migrantes que aguardam uma decisão, em hotéis e outros alojamentos, ascende a cerca de 8 milhões de libras (9,2 milhões de euros) por dia.


De acordo com dados do governo, em agosto, o número de pedidos de asilo pendentes à espera de uma decisão inicial atingiu um recorde de mais de 134 mil. Incluindo os dependentes dos requerentes, o número aumento para 175.457.

Como chegamos aqui

Henrique Burnay, professor da Universidade Católica e especialista em assuntos europeus, ao contrário dos outros dois especialistas não é taxativo a responder quem ganha com o endurecimento das políticas migratórias na Europa, mas defende que há duas formas de abordar o problema.

A primeira é olhar para “os problemas reais e com isso travar os argumentos à extrema-direita”. A outra, que segundo este investigador é nefasta, “é alimentar o discurso da extrema-direita e responder com soluções que não são verdadeiras soluções, que servem apenas para alimentar o ódio”.

Recorrendo ao exemplo de Itália, país em que se regista um grande número de chegadas à Europa, Burnay considera que a inexistência de regras só beneficia quem quer desregular os Estados.


Migrantes em Lampedusa. Foto: Ciro Fusco/EPA
Migrantes em Lampedusa. Foto: Ciro Fusco/EPA

Por isso, o professor da Católica diz não poder considerar “que impor o cumprimento das regras seja uma política de extrema-direita”. E só se o fizer, sustenta, a Europa poderá travar as ideias dos radicais de direita, porque mostrará que “o Estado está a cumprir o seu papel”.

Ainda assim, o especialista em assuntos europeus considera que existe o risco de a extrema-direita ganhar esta batalha ideológica. Isto no caso de se deixar “alimentar o tal discurso de ódio, fazer crer que existe um problema que não existe e depois, no fim, conseguir que algumas das medidas políticas adotadas sejam as que eles adotariam e que, por norma, nem sequer resolvem os problemas”.

Burnay considera que na Europa se tem vivido “o pior de dois mundos”. Há regras supostamente exigentes que depois não são aplicáveis.


“É uma situação terrível em que as pessoas que conseguem atravessar o mar, no caso dos que vêm do Sul, seja em que circunstâncias for, chegam ao lado de cá, acabam por poder entrar e ficar, mas com o risco da própria vida”, começa por definir o especialista.

Na prática, segundo o professor da Católica, serve como um incentivo a que os potenciais refugiados e imigrantes “corram o maior risco de todos, que é o risco de vida, porque se chegarem cá o prémio é ficarem”.

Em relação à regulamentação, João Carvalho diz que a mesma tem efeitos muito limitados para influenciar a procura dos que vivem fora do espaço europeu. “Existe uma dependência de mão-de-obra estrutural da Europa de imigrantes, e essa necessidade não irá desaparecer com as medidas repressivas introduzidas sobre a imigração”, alerta.

OuvirPausa
"O que temos hoje em dia na Europa é o pior de dois mundos. Regras exigentes que não são aplicáveis e os que conseguem atravessar com o risco da própria vida conseguem ficar", Henrique Burnay, professor da Universidade Católica."

Dá o exemplo de Portugal que, em 2002, criou uma lei extraordinária de regularização de imigrantes. João Carvalho afirma que, durante anos, essa lei não trouxe mais pessoas de outras nacionalidades para o país. Na crise de 2011, e nos anos seguinte, até diminuiu.

Só recentemente com a melhoria das condições gerais de vida no país é que o fluxo aumentou.

Esse facto leva este académico a concluir que é a economia, e não a legislação, a comandar as rotas dos migrantes. “Que eu saiba ninguém imigra para Cuba”, ironiza.

O nível de desigualdade económica e social no mundo é tão grave, segundo João Carvalho, que as pessoas vão continuar à procura de algo que melhore a qualidade das suas condições de vida. “É o objetivo principal dos imigrantes e eles são pacientes. Esperam dez anos num processo de vulnerabilidade social para conseguir atingir aquilo que querem”, concretiza.

“Existe uma dependência de mão-de-obra estrutural da Europa de imigrantes, e essa necessidade não irá desaparecer com as medidas repressivas introduzidas sobre a imigração”

Segundo o mesmo investigador do ISCTE, as soluções defendidas pela extrema-direita que há 20 ou 30 anos seriam inaceitáveis, tornaram-se agora ‘mainstream’ devido a “uma grande normalização dessas ideias e uma falta de narrativa alternativa”.

Ricardo Marchi, que também já escreveu um livro sobre o Chega de André Ventura, tem um outro enquadramento.

Em primeiro lugar, o académico tem dúvidas de que os partidos de direita, tradicionalmente do arco da governação, estejam mesmo a fazer concessões à extrema-direita.


“Não estou convencido de que esses partidos moderados, do centro-direita, assumam estas políticas exclusivamente para responder e travar a ascensão dos partidos de direita radical. Penso que passaram a acreditar nelas como as que melhor servem [as populações]”, argumenta.

Marchi diz que por trás desta mudança está a alteração da dinâmica das migrações que “não é a mesma dos anos 80 e dos anos 90”.

Em primeiro lugar, à época, “não havia esta pressão migratória em cima da fronteira do sul da Europa”. Por outro lado, a Europa tinha fronteiras mais a Ocidente, antes do alargamento a Leste - fator que trouxe novos desafios.

“Há resistências, que não havia nos anos 80, ao tema das migrações. Os países de Leste, por exemplo, principalmente a Hungria e Polónia, esta última até a mudança de governo, eram muito críticas em relação à redistribuição dos migrantes”, concretiza.

“Não estou convencido de que esses partidos moderados, do centro-direita assumam estas políticas exclusivamente para responder e travar a ascensão dos partidos de direita radical. Penso que passaram a acreditar nelas como as que melhor servem [as populações]”

O especialista no estudo dos movimentos de extrema-direita defende que os políticos que governaram a Europa há 40 anos, alguns de centro-direita, não mediram “completamente as consequências do aumento dos fluxos migratórios e também da mudança para a sociedade multicultural”.

Este modelo multiculturalista era, na época, abraçado pelos partidos de centro e de centro-direita “como o futuro inevitável e positivo para a União Europeia”.

“Não se discutia muito o problema da criação de grupos étnicos impermeáveis à integração. Pensava-se que, naturalmente, o multiculturalismo criaria espaços onde diferentes culturas comunicariam entre si e de forma exclusivamente positiva”, argumenta.


Rishi Sunak quer levar imigrantes para o Ruanda. Foto: Neil Hall/EPA
Rishi Sunak quer levar imigrantes para o Ruanda. Foto: Neil Hall/EPA

João Carvalho discorda desta visão. Argumenta que “esses movimentos de auto segregação podem ser aplicados a grupos completamente nacionais.”

“Há pessoas segregadas pela sociedade e nunca vieram de fora, nasceram em Portugal e vivem em Portugal desde sempre, há séculos, e ainda recentemente as mandaram para o país delas. Portanto, esse movimento, esse processo de segregação, pode ser em relação aos estrangeiros ou aos nacionais”, resume.

E em Portugal, o que está a acontecer?

Em Portugal, o crescimento eleitoral do Chega, partido que as sondagens colocam com votações entre os 10% e os 15% nas legislativas de março, começa a colocar na agenda política e mediática muitos dos temas que são bandeira para André Ventura. A imigração é um deles.

A forma como a pressão do Chega, nesta matéria, pode influenciar o PSD é desdramatizada pelo eurodeputado e vice-presidente dos sociais-democratas, Paulo Rangel.


“Sinceramente [essa ideia] não tem sentido nenhum”, começa por dizer Rangel, que acrescenta que as posições do PSD ficaram bastante claras quando, no final do ano passado, o presidente do partido, Luís Montenegro, falou ao Congresso em Almada.

A política do PSD, sintetiza Rangel, “não é uma política de portas abertas, escancaradas, mas também não é uma política de portas fechadas”.

O eurodeputado considera que em relação aos refugiados não há dúvidas que “devem ser todos acolhidos”, “sem barreiras”, e salienta a necessidade que o país tem de receber “migrantes económicos” para crescer. Mas, “temos que regular esses fluxos”.


OuvirPausa
"Nós estamos a responder a um problema real, mas que tem sido explorado de forma populista, preniciosa e altamente preversa pela extrema direita, mas é preciso dizer também pela extrema esquerda", Paulo Rangel, eurodeputado do PSD."

“Não é aceitar toda a gente para depois ter 30, 40, 50 pessoas do Bangladesh num quarto em Lisboa”, ilustra.

“Esta é a política que quer o Bloco de Esquerda, o PCP e o PS. Este governo do PS trouxe oito anos em que toda a gente sabe que vivem pessoas em cativeiro, no Alentejo, e ninguém faz nada. Fecham os olhos, só quando há um problema qualquer é que aparecem”, resume.

Rangel declara não alinhar com a retórica anti-imigração do Chega, mas volta a reforçar que o mesmo não se pode confundir com uma política de “portas escancaradas”.

“Isso fomenta, ao contrário do que se pensa, a hostilidade ao acolhimento de migrantes que nós tanto necessitamos”, avança o vice-presidente de Luís Montenegro.


“Queremos uma política equilibrada”, evidencia.

Rangel passa, logo de seguida, ao ataque à esquerda de quem diz não receber nenhuma lição de humanismo. Dirige-se ao PCP e ao BE que acusa de apoiarem “regimes que são os mais anti-humanitários que existem”.

Em relação à dinâmica PSD-Chega nesta matéria, o politólogo e professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa António Costa Pinto acredita que os sociais-democratas, como principal partido de centro-direita em Portugal, “ao mesmo tempo que se demarcam da direita radical, têm muitas vezes a tentação normal, igual à maior parte dos partidos de centro-direita na Europa, de pré-ocupar esse espaço político”.


André Ventura visita Bairro da Jamaica Foto: Rui Minderico/Lusa
André Ventura visita Bairro da Jamaica Foto: Rui Minderico/Lusa

“Muitas vezes, assumem esse tipo de discurso, no geral mais moderado, que apela a uma maior regulamentação, que apela inclusivamente a uma maior severidade na entrada, sobretudo no caso português, de imigração extra-União Europeia”, densifica Costa Pinto.

Ainda assim, ressalva que “evidentemente o PSD não tem esse tipo de discurso xenófobo que a direita radical tem”.

Olhando para a Europa e para a União Europeia, Paulo Rangel acusa os partidos socialistas no poder de serem os mais severos com os migrantes, dando o exemplo de um executivo ainda em funções, o dinamarquês, “que é de longe o mais discriminatório com os migrantes”.

“Ao mesmo tempo que se demarcam da direita radical, têm muitas vezes a tentação normal, igual à maior parte dos partidos de centro-direita na Europa, de pré-ocupar esse espaço político”

Rangel reconhece, todavia, que dentro do Partido Popular Europeu (PPE), em que o PSD está inserido no Parlamento Europeu, também há vários partidos com os quais não se identifica por irem contra a matriz judaico-cristã que norteia esta família política.

“Há alguns partidos que o integram que, sinceramente, têm atitudes ou visões que são, eu diria, pouco amigas desses valores cristãos”, reconhece.

Rangel revê-se globalmente no recém-assinado Pacto para as Migrações e Asilo da UE, enquanto diz não estar alinhado com as propostas de Macron e Sunak. Transversalmente, o eurodeputado critica as três políticas por não preverem a possibilidade de reagrupamento familiar dos imigrantes.

“Seria muito mais inteligente aceitarmos o reagrupamento familiar para que aqueles migrantes que chegam e que estão a trabalhar legalmente, possam ter um contexto familiar que facilitará a integração, do que esta ideia abstrata, dogmática, e pura e simplesmente acrítica”, delimita o eurodeputado.


Em resumo, Rangel acredita que os europeus não querem “nem uma política de portas abertas”, “nem uma política de portas fechadas”.

Portanto, regular o problema das migrações “não é uma questão de ceder a esta ou aquela agenda”. “É, antes de mais, resolver um problema que existe efetivamente”, pondera.

Só assim, acredita, se dá resposta “a um problema que tem sido explorado de forma populista e, em muitos casos, perniciosa e altamente perversa pela direita radical, mas também pela esquerda radical”.

Rangel ataca a ideia de que “toda a gente pode entrar e de podermos aceitar toda a gente”. “Também é uma ideia populista, não é?”, questiona.

E dá, de seguida, a resposta. “É uma ideia, se quiser, ultraliberal. A esquerda social é ultraliberal nas migrações. Acha que toda a gente pode entrar, que o Estado não tem de fazer nada. Depois tem é que tratar essas pessoas e dar vários subsídios a todas”, resume, para depois concretizar: “Isso também não é uma forma aceitável para nós”.


Migrantes e refugiados afegãos protestam no antigo aeroporto de Atenas, Grécia. Foto: EPA/ORESTIS PANAGIOTOU
Migrantes e refugiados afegãos protestam no antigo aeroporto de Atenas, Grécia. Foto: EPA/ORESTIS PANAGIOTOU

O politólogo António Costa Pinto acredita que, para o Chega, o tema da imigração é instrumental e não ideológico.

Isto porque os populistas de direita “sabem que é um elemento mobilizador, fundamentalmente junto dos segmentos da sociedade que contactam mais com imigrantes e que se sentem ameaçados por eles”.

Por outro lado, usam-no ainda através de outra linha retórica em que exploram uma alegada redução dos direitos para os que vivem em Portugal, em detrimento dos que chegam, que se concretiza, por exemplo, no acesso à reforma ou ao SNS.

Quem contamina quem e o quê

Em relação à contaminação de ideias entre estes dois blocos políticos, Ricardo Marchi alerta para que, normalmente, apenas se fala da forma como os partidos de extrema-direita estão a influenciar os partidos de centro-direita. Mas nunca o contrário. E o movimento oposto também acontece.

“Este é um tema que deveria ser analisado em profundidade com mais atenção. Porquê? Porque atualmente os grandes partidos de direita radical não são pela imigração zero. Ou seja, é muito difícil encontrar um grande partido que recuse totalmente qualquer tipo de imigração. São, isso sim, totalmente contra a imigração ilegal e contra a regularização de imigrantes ilegais nos seus países”, avalia.

Em Portugal, argumenta, o Chega e André Ventura são um exemplo claro disso mesmo. “Não tem uma posição de imigração zero. Nem pensar, porque os próprios empresários que apoiam o Chega, principalmente no norte de Portugal, têm necessidade de mão de obra que não encontram em Portugal, nas condições que sabemos”, argumenta.

OuvirPausa
"O PSD ao mesmo tempo que se demarcam da direita radical, têm muitas vezes a tentação normal, igual à maior parte dos partidos de centro-direita na Europa, de pré-ocupar esse espaço político", António Costa Pinto, politólogo.

Noutra dimensão, Marchi defende que quem se opõe às ideias liberais e progressistas em matérias como a lei da nacionalidade, ou o modelo social para o acolhimento de estrangeiros, não pode ser considerado, por si só, como racista ou xenófobo.

“Esperava que dentro de uma democracia pluralista, não existisse um só modelo perante temas como o da imigração”, refere.

O mesmo académico sublinha ainda que levantar a questão da segurança devido ao aumento das comunidades islâmicas na Europa “não é um tema de discussão de discriminação religiosa ou um tema de racismo biológico”.


E dá o exemplo do líder da comunidade islâmica em Portugal, o Sheik Munir, que alertou para o facto de na zona de Lisboa estarem a crescer o número de mesquitas ilegais em que “há uma doutrinação de tipo radical”.

Pessoas e bens. O mesmo continente, duas realidades

Por fim, o investigador João Carvalho alerta para um paradoxo gritante na União Europeia. A UE, ao contrário do que acontece em blocos comerciais concorrentes, como a China e os Estados Unidos, não toma medidas protecionistas em relação à circulação de bens.

“Em relação ao livre comércio não tem havido grande debate, mas relativamente à imigração é uma questão comum na cena política europeia. Para mim é um erro maior, com mais repercussões”, evidencia Carvalho.


OuvirPausa
"(...) atualmente os grandes partidos de direita radical não são pela imigração zero", Ricardo Marchi, investigador do ISCTE.

A Frontex, segundo este especialista, é a agência europeias cujo orçamento mais subiu nos últimos anos. “Não é a Agência do Desenvolvimento do Espaço, a Agência de Desenvolvimento Técnico e Tecnológico. Tem sido a Frontex, um meio de repressão. Isto é realmente um símbolo, não é?”, questiona.

Para João Carvalho, investigador do ISCTE que tem de dedicado muito da sua atenção académica ao estudo dos movimentos da extrema-direita europeia e às políticas de imigração, a Europa tem seguido um caminho em que “há uma desregulamentação da vida económica”, que é acompanhada “por uma regulamentação cada vez maior da vida social”.


Artigos Relacionados