Legislativas 2024

Do "imposto único" às "parcerias público-privadas" na habitação. O que propõem os partidos sem assento parlamentar?

02 mar, 2024 - 13:42 • Alexandre Abrantes Neves , Ana Fernandes Silva

Nestas legislativas, uma dezena de partidos tenta chegar pela primeira vez ao parlamento. Da esquerda à direita, garantem trazer soluções para a habitação, impostos, mobilidade, imigração - e até para uma reforma do sistema eleitoral.

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Há estreantes, outros que concorrem desde 1976 e alguns admitem já que não conseguirão eleger nenhum deputado. São dez os partidos sem assento parlamentar que vão a votos nestas legislativas. Vêm de todos os lados do espetro político e até já se enfrentaram num debate onde mediram forças para ganhar a confiança dos portugueses.

A Renascença conversou com todos e pediu-lhes três propostas para o país. A maior parte quer mais investimento público para aumentar a oferta na habitação e “garantir casa a toda a gente”. No cardápio, muitos propõem reduzir os impostos para as famílias – aí, há medidas para todos os gostos, desde a criação de um imposto único "altamente progressivo" até ao emagrecimento da “despesa dispensável” do Estado. Já no Serviço Nacional de Saúde, a crítica ao fim das parcerias público-privadas é quase unânime, mas nem todos querem aumentar os salários dos médicos.

Da mobilidade à imigração, passando ainda pelo sistema eleitoral e pelas regiões autónomas, aqui há ideias para “mudar o país” e “criar alternativas” no parlamento. Pelo meio, há ainda quem abra a porta a acordos à esquerda ou à direita – e outros que recusam entrar no “clientelismo” do PS e PSD. Eis um guia para compreender aqueles que não costumamos ver na televisão – mas que continuam a tentar ganhar um lugar no hemiciclo.

Reagir – Incluir – Reciclar (RIR)

Concorre em todos os círculos eleitorais

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Dizem ser a “alternativa centrista que Portugal precisa” e, se chegarem ao parlamento, não fecham a porta a acordos nem à esquerda nem à direita. O RIR candidata-se pela terceira vez a umas legislativas – as primeiras depois de Vitorino Silva abandonar a liderança do partido e ficar apenas como cabeça-de-lista pelo círculo do Porto.

Em entrevista à Renascença, a nova presidente do partido, Márcia Henriques, é rápida a apresentar soluções para resolver a crise no SNS: aumentar os salários dos médicos e recuperar as parcerias público-privadas, que “funcionavam e que não podem ser exterminadas por ideologia”.

Advogada de profissão, Márcia Henriques diz ser “urgente” tornar os tribunais mais céleres e eficazes. Por isso, defende um aumento dos recursos humanos nos tribunais e uma valorização salarial – principalmente para os funcionários judiciais, que “estão sempre em greve [ao trabalho suplementar], exatamente porque têm um vencimento muito baixo para a responsabilidade que têm e são praticamente o único cargo que não recebe horas extras”.

Na habitação, o RIR apresenta um conjunto vasto de propostas, desde a construção de mais residências universitárias à elaboração de regras mais apertadas para a habitação social.

“Tenho quase a certeza de que [o mercado começa a mexer] se, aos poucos, conseguirem resolver o problema das residências universitárias e da fiscalização da habitação social. Não podemos ter, por exemplo, um agregado familiar de uma pessoa num T3. Também há que rever a parte fiscal, porque pagamos muitos impostos. Um proprietário paga IMI, taxas de saneamento e, se arrendar, ainda paga imposto sobre as rendas que recebe”, remata.

Nova Direita

Concorre em todos os círculos eleitorais

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Chamou a atenção na pré-campanha quando disse que queria construir pontes à direita e que era capaz de “gerir as guerras de testosterona” entre Luís Montenegro e André Ventura. Ossanda Líber é presidente e cabeça-de-lista por Lisboa do Nova Direita – o único partido estreante nestas legislativas e que criou em 2022, depois de deixar a vice-presidência e se desfiliar do Aliança. Está certa de que vai chegar à Assembleia da República para “marcar a diferença e não ser nem como o PSD, que se esconde, nem como o Chega, que só tem protestos pouco concretos”.

À Renascença, a líder do partido aponta a saúde como uma das prioridades para a próxima legislatura - mas não acredita que se tenha de aumentar os salários de médicos e enfermeiros. Ossanda Líber defende, antes, que os doentes possam optar pelo privado quando o Serviço Nacional de Saúde não consegue dar resposta, pagando apenas uma taxa moderadora de 20 euros – “um valor razoável, [uma vez que] já tivemos a 18 euros no público”.

Para resolver a crise na habitação, o Nova Direita diz que tem de haver mais soluções para além da habitação construída pelo Estado. Ossanda Líber pede licenciamentos mais rápidos para aumentar o número de casas no mercado – e uma lei do arrendamento “menos instável” e que proteja os pequenos proprietários, ao “permitir que os senhorios sejam ressarcidos rapidamente quando há incumprimento pelos inquilinos”.

As políticas de imigração são outra das bandeiras do Nova Direita. Ossanda Líber quer reformular o processo de concessão de vistos pelas embaixadas, para garantir que “as pessoas chegam, têm uma vida digna, têm os documentos e não estão ilegais”. Para tal, e apesar de não os explicar em detalhe, a presidente do partido propõe a criação de dois novos critérios: a “pertinência económica” e a “proximidade cultural”.

Ergue-te

Concorre em todos os círculos eleitorais

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Depois de perder mais de 12 mil votos entre 2019 e 2022, o Ergue-te volta a candidatar-se a umas Legislativas porque diz ser a “única alternativa” às forças do sistema. Entre as muitas propostas polémicas, constam a revogação da Constituição, o fim do direito à greve e até a abolição das comemorações do 25 de abril.

O presidente do partido, José Pinto Coelho, diz à Renascença que Portugal está recheado de “carências de intervenção”, mas é rápido a eleger “o principal problema do país”: a imigração. O partido quer conceder a nacionalidade apenas por “critério sanguíneo”, ou seja, unicamente aos filhos de cidadãos portugueses – e, assim, retirar esse direito a quem nasce em território português ou a quem é atribuída a nacionalidade administrativamente.

O Ergue-te também não ignora a crise na habitação. Neste campo, o programa eleitoral do partido apresenta uma série de propostas, que vão desde o fim do alojamento local nas grandes cidades até à proibição de vender casas a estrangeiros não-residentes.

Quanto à justiça, José Pinto Coelho diz que quer resolver a “situação caótica”, recuperando a independência dos tribunais e afastando-os dos partidos e da maçonaria.

“[Tem de haver] um combate feroz à atividade da maçonaria, que é uma mão obscura com interesses inconfessáveis que age por trás de todas as políticas fundamentais. E há que restituir Independência à justiça, resgatando-a da promiscuidade dos partidos políticos e de interesses financeiros e políticos", remata.

VOLT Portugal

Candidata-se em 21 dos 22 círculos eleitorais

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Afirmam-se como “progressistas”, não se reveem em ideologias de esquerda ou direita e querem combater a polarização da sociedade atual através do “bom senso”. O Volt tem “tudo pronto” para estas legislativas, mas assume que a queda do governo obrigou a uma “grande mudança de planos”. Como partido europeísta que são – defendem o federalismo e foram criados em 2017, em reação ao Brexit –, estavam já focados nas Europeias de junho e no “sonho de eleger um eurodeputado”.

Quanto a propostas, o Volt acredita que só é possível subir salários com uma economia mais dinâmica e robusta. Por isso, Inês Bravo Figueiredo, cabeça-de-lista por Lisboa, sublinha que o Estado tem de criar condições para incentivar a inovação juntos dos empresários.

“Temos de ter zonas onde as empresas possam crescer, encontrar investimento e aprender sobre técnicas inovadoras. Na Marinha Grande, já existe um polo sobre moldes de plástico. Nós queremos mais zonas destas e para outras áreas, como transição energética, exploração espacial, nova saúde digital…”, explica.

Inovação é também a palavra-chave do programa do Volt em matéria de ecologia. O partido propõe uma mobilidade mais verde nas cidades, com um reforço da rede de transportes públicos para que “os portugueses possam deixar o carro em casa e parar de passar tanto tempo no trânsito”. No que toca ao interior, Inês Bravo Figueiredo quer criar eletrificar e aumentar a linha ferroviária nacional, com a reativação, mas também construção, de estações e apeadeiros.

No que toca à habitação, o Volt reforça a necessidade de haver 10% de parque público de habitação até ao final da próxima legislatura – e, também para aumentar a oferta, propõe um “forte agravamento” do IMI para obrigar os proprietários a recolocar os imóveis desabitados no mercado.

Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP)

Concorre em nove dos 22 círculos eleitorais

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Candidatam-se a todas as legislativas desde 1976, mas nunca conseguiram eleger nenhum deputado para a Assembleia da República. Os prognósticos para este ano também não são melhores: João Pinto, cabeça-de-lista do PCTP/MRPP por Lisboa, admitiu na última terça-feira, à entrada para o debate dos partidos sem assento parlamentar, que “não acreditava” na eleição de deputados nestas legislativas.

50 anos depois do 25 de abril, o PCTP/MRPP continua a defender a passagem para uma sociedade comunista – a secretária-geral do partido, Cidália Guerreiro, considera até que “a queda do governo mostra como o sistema capitalista falhou novamente”.

E para resolver o “estado insuportável” a que chegou a vida dos portugueses, o partido fundado pelo histórico Arnaldo Matos quer reorganizar a carga fiscal – acabar com todos os impostos, menos um e que seja “altamente progressivo”.

“Defendemos que toda essa legislação que está espalhada por diferentes impostos seja simplificada e que se caminhe para um imposto único, altamente progressivo e também relativamente a rendimentos e riquezas. Não é a nível do trabalho que os impostos devem incidir”, defende.

Quanto à habitação, Cidália Guerreira pede “mais investimento do Estado” e, num momento em que se está prestes a ir a votos, a secretária-geral do partido lamenta que não haja um maior escrutínio sobre as “verbas que estão a ir para o privado e que podiam ir para a construção de casas”.

Juntos pelo Povo (JPP)

Concorre em 8 dos 22 círculos eleitorais

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Na Madeira, conseguiram cinco deputados nas últimas eleições regionais e agora querem chegar à Assembleia da República para defender e dar mais atenção às regiões autónomas. O JPP também não se identifica com a divisão clássica entre esquerda e direita – dizem estar focados apenas “em arranjar soluções para os problemas das pessoas”.

O secretário-geral do partido, Élvio Sousa, propõe, por isso, um alívio “urgente” da carga fiscal das famílias – uma medida que não tem “necessariamente” de pôr em causa a qualidade dos serviços públicos. O raciocínio é “simples”: o Estado não precisa de cobrar tantos impostos se emagrecer certas despesas, como o número de assessores.

“Reduzir o número de institutos, redução de observatórios e limitação do número de assessores não significa automaticamente uma redução de serviços. É uma eficiência de serviço e que depois permite dar um alívio às famílias, no IRS”, explica.

Na habitação e na saúde, o Juntos pelo Povo quer colocar o Estado em estreito diálogo com os privados. Élvio Sousa propõe recuperar as PPP nos hospitais públicos e rever as carreiras e remunerações dos médicos. Já para aumentar o número de casas no mercado, o também autarca de Santa Cruz defende que o Estado deve utilizar os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência, seja para construir habitação pública ou para injetar em cooperativas que também tenham a presença de privados - uma "espécie de parceria público-privada".

Nós Cidadãos

Concorre em cinco dos 22 círculos eleitorais

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Em 2015, o Nós Cidadãos era estreante em Legislativas e é desse ano que data o seu melhor resultado – mais de 21 mil votos e o segundo lugar no círculo de fora da Europa. Nove anos depois, o partido continua a lutar pelos interesses de quem está emigrado.

O presidente da Comissão Nacional, Joaquim Rocha Afonso, quer tornar o sistema eleitoral mais representativo e aumentar o número de deputados a eleger nos círculos de emigração – atualmente dois para a Europa e dois para o resto do mundo.

“Infelizmente, os nossos emigrantes são cerca de um milhão e meio e apenas elegem 4 deputados, enquanto, por exemplo, o Porto tem o mesmo número de eleitores e elege 40. Isto até é inconstitucional, porque viola o princípio da igualdade. Tem de ser proporcional para todos os portugueses”, detalha.

Seja na defesa ou na administração pública, Joaquim Rocha Afonso critica a gestão dos últimos anos dos governos do PS e do PSD/CDS. Este responsável partidário afirma que a valorização das forças armadas passa não só por uma subida nos salários, mas também por um reforço do sistema de incentivos, em que o “governo assuma apoios às famílias dos militares enquanto estão no teatro de operações”.

Quanto ao aparelho do Estado, o partido quer acabar com a “descaracterização levada a cabo pelos sucessivos governos” e que promove o “clientelismo do PS e PSD” – querem, por exemplo, eliminar as Comissões de Coordenação Regional (CCR) da Agricultura e reconstituir as Direções Regionais.

Alternativa Democrática Nacional (ADN)

Concorre em todos os círculos eleitorais

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Os políticos que não cumprirem o que prometem devem ser demitidos. É com esta ideia que o líder da Alternativa Democrática Nacional começa por elencar as propostas do partido sem representação parlamentar. Em entrevista à Renascença, Bruno Fialho admite que a primeira medida que aplicaria caso chegasse à liderança do país, passava por "dar dignidade, outra vez, à política e aos deputados", considerando que "os partidos e os deputados que não cumprirem aquilo que afirmam no programa eleitoral" devem ser "atacados onde mais lhes dói, nas subvenções e, o deputado tem de ser demitido".

O líder da ADN considera, por isso, que "tem de haver um escrutínio dos deputados e dos partidos, que após serem eleitos, estão nas tintas para o povo".

Numa segunda fase, Bruno Fialho sublinha que colocaria em prática "uma grande descida global dos impostos, centrada especialmente nas famílias".

"Se reduzirmos as gorduras, conseguimos aumentar os salários, conseguimos dar mais poder de compra às pessoas, conseguimos reduzir os impostos pagos pelas empresas e dinamizar a economia", defende. O líder refere ainda a importância de "melhorar o Código do Trabalho para que profissões como médicos, enfermeiros, professores, polícias, forças de segurança sejam elevadas para padrões acima da média europeia".

Bruno Fialho finaliza com um alerta. É preciso "deixarmos de ser poucachinhos e passarmos a ser ambiciosos".

Partido Trabalhista Português (PTP)

Concorre em 2 dos 22 círculos eleitorais

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Aumentar as reformas, subir o salário mínimo e combater a pobreza, são as três principais propostas do Partido Trabalhista Português (PTP), liderado por José Manuel Coelho, cabeça de lista por Lisboa.

Em entrevista à Renascença, o dirigente do PTP na Madeira fala das condições "de miséria" em que vivem "milhares de reformados". Uma realidade que "deve ser alterada" através do aumento das pensões.

Logo de seguida, com o foco na economia do país, José Manuel Coelho considera que outra das prioridades do próximo Governo deve ser "o aumento do ordenado mínimo". Acredita que "a economia portuguesa está a ficar atrofiada por causa dos baixos salários" e "até as pessoas que trabalham empobrecem, estão limitadas".

E a fechar o topo das três principais prioridades do PTP, José Manuel Coelho menciona o "combate à pobreza", recordando que há um grupo de "cidadãos que vivem à margem da sociedade, que não os aceita, não lhes dá trabalho".

Alternativa 21

Concorre em 18 dos 22 círculos eleitorais

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"A morte não pode ser solução para a pobreza, para o abandono e não pode ser a solução que a sociedade oferece aos que estão mais debilitados." Por isso, a "reversão da atual lei da eutanásia", é a prioridade número um da Alternativa 21, segundo diz, em entrevista à Renascença, o líder do Partido Aliança, em representação da coligação que junta o seu partido ao Partido da Terra. Jorge Nuno de Sá considera que esta "é uma questão de princípio".

Do programa eleitoral da Alternativa 21, o líder destaca "uma questão de emergência": a proposta de "valorização das carreiras" para os "polícias, guardas, enfermeiros, professores, oficiais de justiça". Assim, sublinha que "todas estas classes profissionais têm vindo a ver degradadas as suas condições de trabalho e essa tendência tem de ser invertida".

Caso seja eleito deputado, Jorge Nuno de Sá garante que a terceira proposta passará por "introduzir no debate político racionalidade, urbanidade e educação". E critica a "excessiva polarização político-partidária que existe, em que a extrema-esquerda se alimenta do crescimento da extrema-direita sem ganhos de causa". Por isso defende, os políticos deixam que "o debate entre no nível do berro e não se consegue dialogar".

"Podemos divergir nas soluções, mas temos de acreditar que todos queremos construir um país melhor", conclui.

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