No arranque da Conferência do Clima no Dubai, Ursula von der Leyen explicou as razões da aposta europeia sustentando que a energia mais barata é aquela que não é usada e que as renováveis são a fonte de energia mais barata do mundo. A presidente da Comissão Europeia justificou o estabelecimento de metas com a necessidade de enviar uma "mensagem clara" aos investidores e à indústria.

"Estamos a fornecer-lhes clareza, previsibilidade em relação ao futuro, ao rumo desta viagem, de forma que que saibam de que capacidade adicional precisamos até 2030. Isto vai ajudá-los a planear os seus investimentos", disse Von der Leyen.

A responsável europeia defendeu ainda a vantagem de as metas servirem de parâmetros para avaliar os progressos numa aposta que vai também criar emprego novo e sustentável. "As renováveis criam novos e bons empregos. Hoje há mais trabalhadores nas energias limpas que nos combustíveis fósseis. A transformação do nosso sistema de energia é boa não apenas para o planeta mas também para a economia e para os nossos trabalhadores", defendeu no Dubai.

Uma transição com impactos "não intencionais"

A estratégia europeia foi saudada pelo diretor executivo da Agência Internacional de Energia (AIE), presente num dos eventos do pavilhão da UE na COP28. Fatih Birol sublinhou que a proposta europeia está em linha com o roteiro global para a neutralidade carbónica apresentado recentemente pela AIE, mas alertou para impactos menos positivos desta reforma.

"Algumas das políticas de energia limpa introduzidas na Europa tiveram consequências não intencionais nos consumidores de baixos rendimentos, que forneceu terreno fértil para abusos e más interpretações dessas políticas", acentuou Birol que anunciou que, a este propósito, a AIE prepara um relatório sobre políticas inteligentes no domínio da energia e da finança.

Presente no Dubai, a comissária europeia da Energia Kadri Simpson respondeu que as metas estão em permanente revisão interna em Bruxelas. "Estamos a analisar o que é preciso para alcançar as nossas metas para 2040 e que abordam claramente também a questão dos combustíveis fósseis na Europa. Na Europa, por exemplo, temos em vigor uma plataforma de transição justa que permite aos Estados-Membros que ainda têm indústria mineira criar novos empregos na região", afirmou num evento do Pavilhão da União Europeia na COP28.

Apelo à adaptação também nos serviços financeiros

Num evento lateral da COP28, o vice-presidente da Comissão Europeia, Maros Sefcovic, sublinhou que mais de 30 mil milhões de euros de dinheiro público já transferido para este domínio, acrescido de mais de 12 mil milhões de iniciativa privada suportada por garantias. De acordo com este membro da União Europeia, a estratégia poderá significar o acesso a eletricidade a mais 800 milhões de pessoas se se estender por países em desenvolvimento.

A meta de 80% de eletricidade produzida na Europa com origem em fontes renováveis em 2030 implica vários desafios identificados pelo comissário Sefcovic.

“Temos que tratar das indústrias de grande intensidade energética. Um dos grandes desafios na Europa é atualizar as redes para além da aceleração dos processos de licenciamento e da atração de investimento para o sector”, defendeu este responsável da Comissão Europeia.

No Dubai, Sefcovic deixou o desafio do ajustamento de diversos produtos à economia do século XXI. "Por exemplo o 'leasing' dos carros a motor de combustão tem que ser diferente do dos veículos elétricos. Se queremos que estes carros sejam acolhidos de uma forma mais generalizada, temos que mudar o enquadramento financeiro. O mesmo serve para as bombas de calor ou para os produtos de seguros como riscos de cheia ou incêndios".

Apostas no hidrogénio e renováveis

Os exemplos da transição para a energia limpa foram trazidos ao Pavilhão da UE na COP28 por países como a Bélgica ou a Croácia. Neste último caso, o ministro da economia e desenvolvimento sustentável da Croácia, Davor Filipovic, revelou que está em curso a duplicação do terminal de LNG na ilha de Krk, no Adriático, de forma a servir também países vizinhos como a Eslovénia ou a Hungria, num projeto financiado pelo RepowerEU.

Depois de um concurso internacional, a Croácia planeia agora 5 grandes unidades de exploração geotérmica, num investimento total de 400 milhões de euros, que vai fornecer energia limpa a 200 mil casas na Croácia. No campo do hidrogénio, a Croácia está apostada num projeto transnacional com a Eslovénia e a região italiana de Friuli Veneza Giulia intitulado "Vale de Hidrogénio do Adriático Norte".

Já a ministra da Energia da Bélgica, deu o exemplo da aposta belga na quadruplicação da capacidade eólica "offshore" nomeadamente no concurso do projeto " Princess Elizabeth Zone" na jurisdição belga do Mar do Norte cujo leilão ocorre em 2024. Tinne Van Der Straeten projetou a Presidência belga da União Europeia a partir de Janeiro e focou as suas prioridades na tentativa de canalizar as fontes alternativas de energia para as casas europeias.

"A maior parte de nós gerará eletricidade, outros farão hidrogénio. Temos que aproveitar esta energia e trazê-la para a União Europeia, para as famílias, para as indústrias, para as empresas. E podemos fazê-lo através da infraestrutura de rede", sublinhou a governante para quem um dos desafios das redes é a sua capacidade "híbrida e multifuncional" que considera essencial para que esta energia renovável chegue aos cidadãos e empresas.

Mais do que um cheque para ajudar os vizinhos?

Na estratégia europeia cabe a relação da aposta em energias limpas com os continentes vizinhos. A Bélgica defenderá a importância das ligações de rede para África e ao Médio Oriente, sustentou a ministra belga da energia. Mas a própria produção de energia limpa em continentes menos desenvolvidos terá custos de capital difíceis de suportar. Ursula Von Der Leyen deu o exemplo da informação que recolheu na cimeira climática africana de Nairobi sobre os "custos proibitivos" desse investimento para alguns países.

"Precisamos de desbloquear o apoio financeiro necessário para os países fazerem essa aposta. Por isso, nos próximos dois anos, a União Europeia vai investir 2,3 mil milhões de euros do orçamento europeu para apoiar a transição energética na nossa vizinhança e em todo o mundo", anunciou a presidente da Comissão Europeia.

Noutra sessão, a Comissária para a Energia deu exemplo do que observou recentemente em Moçambique onde metade da população não tem ainda acesso a eletricidade. "Podemos oferecer soluções mas, claro também podemos investir em energia solar e eólica de Moçambique", explicou Kadri Simpson.

Tirar o carvão das cozinhas africanas é salvar vidas

O diretor executivo da Agência Internacional da Energia tinha deixado um desafio no Pavilhão da UE na COP28 em torno do impacto do uso de energia não limpa em África onde deteta um triplo problema de energia, clima e de género.

"Hoje 80% da população africana prepara as suas refeições com equipamentos primitivos a carvão. E são sobretudo as mulheres que estão expostas a doenças respiratórias causadas por essa queima. Meio milhão de mulheres morre prematuramente na África Subsariana devido à falta de uma forma limpa de cozinhar. É muito fácil de resolver. Calculamos que precisamos de apenas 4 mil milhões de dólares por ano para resolver isto", acentuou Fatih Birol, que incita a Europa a olhar para este problema, anunciando que na próxima primavera irá organizar uma conferência internacional para abordar esta questão.

"Normalmente quando o nosso vizinho está em apuros, nós ajudamo-lo e vice-versa. Não há ninguém mais próximo de África do que a Europa", alertou Birol, recolhendo a concordância dos europeus presentes na sessão sobre energia limpa no pavilhão da UE.

Tinne Van Der Straeten, ministra belga da Energia, reconhece que falta atenção a África e assume a necessidade de agir em relação a esse continente.

"É muito importante que construamos uma relação inclusiva, mas também equilibrada, com África e que anunciemos, numa perspetiva europeia, todos os nossos objetivos de hidrogénio verde. E quando falamos de África e do enorme potencial de energia eólica e solar, deveríamos colocar África não apenas como primeiro parceiro, mas também como primeiro beneficiário destas políticas".