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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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A nova relação transatlântica

31 mar, 2021 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A atual administração americana será dura com a China e a Rússia; e quer cooperar com a Europa comunitária na promoção da democracia. Mas a UE está dividida e tem no seu interior regimes ditos “democracias iliberais”.

O Presidente Joe Biden e o seu secretário de Estado (ministro dos Negócios Estrangeiros) regressaram ao apoio americano à UE e à NATO, cortando com a hostilidade de Trump a estas organizações internacionais, para as quais muito contribuíram os EUA depois do fim da II Guerra Mundial. Mas a relação transatlântica, daqui para a frente, não será exatamente a mesma que era antes de Trump.

Seria agradável, mas errado, os europeus esquecerem a hostilidade de Trump. É que existe sempre a possibilidade de o próprio Trump, ou alguém parecido, ganhar as eleições presidenciais de 2024. Daí que a Europa comunitária tenha de levar a sério o imperativo de não depender apenas dos EUA para a sua defesa e segurança. O que significa gastar mais nessa área, algo que os americanos reclamam há muito tempo.

Biden quer estabelecer com a UE um pacto para enfrentarem em conjunto os regimes autoritários que por aí proliferam. No topo desses regimes estão a China e a Rússia. O atual Presidente americano já mostrou uma grande firmeza perante esses dois países. Na primeira reunião de alto nível entre a nova administração americana e altos dirigentes chineses, os primeiros liderados pelo secretário de Estado A. Bliken, a atmosfera não foi calma nem pacífica. E Joe Biden disse na TV que considerava Putin “um assassino”, palavra que jamais seria pronunciada por Trump quanto ao ditador-mor da Rússia, seu grande amigo.

Do lado europeu, passou a haver mais cuidado com o investimento direto de empresas chinesas na UE (atenção ao porto de Sines...). O acordo comercial fechado entre a UE e a China, ainda antes de Biden ter ocupado a Casa Branca – muito por insistência da Alemanha de Merkel –, não foi propriamente apreciado em Washington, que esperava coordenar iniciativas destas com os europeus; mas é praticamente certo que o acordo não passará no Parlamento Europeu.

Já parece mais difícil levar a Alemanha a desistir do gasoduto que levará gás natural diretamente da Rússia para o Norte da Alemanha. O gasoduto (Nord Stream 2) está quase pronto. E para a sua construção contribuiu o antigo chanceler alemão, o social-democrata Gerhard Schroeder, que há muitos anos desempenha cargos de topo na Gazprom e outras grandes empresas russas do sector petrolífero. Se o gasoduto entrar em funcionamento a Alemanha e a UE ficarão muito mais dependentes da Rússia no campo crucial da energia.

A UE tem uma outra dificuldade em cooperar com os EUA contra regimes autocráticos. É que no interior da UE existem infelizmente regimes desses, contradizendo os valores democráticos que marcaram a integração europeia. O caso mais claro é o da Hungria, que aliás tem boas relações com a Rússia de Putin. Os chefes dos governos da Hungria e da Polónia, aos quais se junta Salvini (o eurocético italiano, que agora defende o euro certamente para ter alguma intervenção na distribuição do dinheiro da “bazuca”), projetam constituir um novo grupo no Parlamento Europeu para defender posições de extrema direita. E não é impossível que Marine Le Pen, agora mais moderada na hostilidade à UE, venha a ser presidente da República de França.

A Europa comunitária tem de pôr ordem na sua casa antes de cooperar com os EUA na promoção da democracia liberal no mundo.

Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus

Comentários
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  • Ivo Pestana
    02 abr, 2021 Funchal 16:33
    É preciso saber lidar com insensatos, que vivem do passado e não são exemplo.