Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Vacinas e desorientação, em Portugal e na UE

03 fev, 2021 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


As vacinas contra o covid-19 surgiram em tempo “record”. A luz ao fundo do túnel enfraqueceu. Em Abril e Maio sabia-se que viria aí uma segunda vaga da pandemia. Ela de facto veio, com uma enorme força destruidora. Mas porque não se aproveitou o período de verão, mais calmo em matéria de coronavírus, para planear melhor o combate à pandemia, incluindo a vacinação, uma complexa operação logística?

Quando, há meses, se soube terem sido descobertas vacinas contra a covid-19 a reação geral foi a de que tinha aparecido uma luz no fundo do túnel. Foi um processo muito rápido, pois a produção e posterior certificação de uma nova vacina em regra demoram anos. Muitas pessoas respiraram de alívio. Um alívio porventura exagerado, que terá levado a um menor empenho nas medidas de defesa contra a infeção, da parte dos portugueses em geral e dos seus governantes em particular.

Hoje, porém, a luz no túnel parece brilhar menos. Não é fácil viver com a pandemia sabendo que Portugal tem o pior número mundial quanto a infeções por um milhão de habitantes. Uma notícia que não ajudará a recuperação do turismo. Não sabemos quanto tempo irá durar o atual confinamento e até que ponto ele afectará a séria crise económica e social. Não admira que o ambiente entre nós seja de frustração e desânimo.

Em Abril e Maio sabia-se que viria aí uma segunda vaga da pandemia. Ela de facto veio, com uma enorme força destruidora. Mas porque não se aproveitou o período de verão, mais calmo em matéria de coronavírus, para planear melhor o combate à pandemia, incluindo a vacinação, uma complexa operação logística?

Entretanto, a Comissão Europeia (CE) acordou com os 27 Estados membros da UE a compra conjunta de vacinas e a sua distribuição pelos países comunitários. Uma boa ideia, que infelizmente foi mal interpretada por alguns produtores de vacinas, como a AstraZeneca, que prometeram entregar grandes doses de vacinas em determinadas datas e depois verificaram que tinham sido demasiado optimistas, porventura na ânsia de obterem as encomendas da CE. É certo que a UE está mais atrasada na vacinação do que os EUA e o Reino Unido. A CE demorou a encomendar vacinas porque teve que acertar muita coisa com os 27 Estados membros. E ameaçar as produtoras de vacinas com processos em tribunal não tem sentido prático: um processo demoraria anos a ser concluído, quando precisamos das vacinas dentro de semanas e meses.

Resta à UE ajudar as produtoras de vacinas, para que elas cumpram o calendário das entregas – apesar de, como disse a oito jornais europeus a presidente Ursula von der Leyen, “a CE ter já investido 2,7 mil milhões de euros em contratos de compra antecipada, que foram um pré-financiamento às empresas para aumentarem as suas capacidades”. E a CE está preocupada em apoiar a investigação sobre as mutações e as variantes do vírus, o que é de aplaudir. Estas dificuldades abalaram a confiança na presidente da CE. Abalo que levou Ursula von der Leyen a um breve momento de desnorte, tomando e anulando quase imediatamente medidas insensatas.

O desnorte tem sido a regra em Portugal e não apenas um caso pontual. Porque será que só agora se falou em incluir dirigentes políticos nas prioridades da vacinação? A apressada resposta veio com uma interminável e inaceitável lista de políticos. E parece ter sido por pressão de Bruxelas que Portugal incluiu os maiores de 80 anos na lista dos prioritários (declaração de interesses: encontro-me nesse grupo de risco). Entretanto, multiplicam-se os casos de vacinações indevidas; agora pede-se uma lista de excedentários, para vacinar caso sobrem vacinas e não as desperdiçar – porque não foi previsto antes? Por outro lado, foi por informações vindas da Alemanha e não pelo governo de A. Costa que os portugueses primeiro souberam do apreciável auxílio alemão ao Serviço Nacional de Saúde. É estranho.

No último programa da Renascença “Em nome da lei”, dirigido pela jornalista Marina Pimentel, o ex-diretor-geral da Saúde Constantino Sakellarides considerou que o plano nacional de vacinação contra a covid-19 está cada vez mais obscuro: “Acrescentaram-se novas prioridades às prioridades, sem definir o que é de facto prioritário. A um grupo que já era volumoso, acrescentaram-se mais patologias, um grupo alargado de políticos e as pessoas com mais de 80 anos, sem explicar quem, de entre todos esses, são os mais prioritários. (...) Em vez de se clarificar, obscureceu-se”. E o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, afirmou que “quando se acrescentam prioridades às prioridades, nada é prioritário”, sublinhando que “falta um fio condutor ao plano de vacinação”.

De facto, antecipar, prevenir e planear a tempo não é connosco.

Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus

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  • Ivo Pestana
    04 fev, 2021 RAM 12:31
    Acho que nesta conjuntura, as vacinas de fora da UE, têm de ser consideradas. Desde a vacina russa e chinesa. O importante é saber a qualidade e vacinar as pessoas, mesmo com os fura filas pelo meio. Não há tempo para politiquices e a procura pelas vacinas é desenfreada.