06 fev, 2021 - 13:59 • Marina Pimentel
Desconsiderar a vida humana “abre a porta à pena de morte”, alerta o constitucionalista Tiago Duarte. A lei da eutanásia, recentemente aprovada no Parlamento, foi o tema em debate no programa Em Nome da Lei, da Renascença.
Para o professor da Universidade Católica, defender que a eutanásia não viola o princípio constitucional de que a vida humana é inviolável “pode abrir a porta a que, um dia, se venha a admitir, também, que a ideia do Chega de restabelecer a pena de morte também não viola a Constituição”.
O constitucionalista Tiago Duarte diz que “não podemos aceitar interpretações gelatinosas” sobre a lei fundamental.
Acusa também o legislador colocar uma “mentira” na lei, quando diz que àquele que pede para morrer será sempre garantido a via alternativa do recurso aos cuidados paliativos. O Estado não pode prometer aquilo que não tem. “Todos sabemos”, diz o constitucionalista, que “o SNS não assegura cuidados paliativos para todos os doentes que os queiram. Portanto, escreveu-se na lei uma coisa que se sabe ser mentira”.
O advogado e professor da Universidade Católica defende que, quando a Constituição diz que a vida humana é inviolável, isso significa que “a vida não pode ser violada, mesmo que seja a pedido do próprio”.
A Constituição, argumenta, “protege o bem jurídico vida, mesmo contra a vontade dos próprios”. Tiago Duarte entende, por isso, que quando receber, na próxima semana, a lei que despenaliza a morte medicamente assistida, o Presidente da República não poderá fazer outra coisa que não seja pedir a sua fiscalização preventiva. Porque é isso que defendem não só os críticos, mas também os apoiantes da despenalização do homicídio e do suicídio assistidos. Toda a gente espera que o Presidente recorra ao Tribunal Constitucional”.
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As vozes dos que estão contra este processo voltam(...)
Com uma posição oposta à de Tiago Duarte sobre a despenalização da eutanásia, Jorge Reis Novais defende também que o Presidente da República devia pedir a fiscalização preventiva do diploma para tirar a limpo eventuais inconstitucionalidades.
O constitucionalista da Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, embora defenda a clarificação pelos juízes do Palácio Ratton, alerta que, “se for coerente, Marcelo decide sozinho, porque foi isso que fez noutras vezes em que promulgou diplomas sobre os quais havia muitas dúvidas” de serem compatíveis com a Constituição.
Jorge Reis Novais diz que é difícil prever o que o Presidente da República irá fazer. Mas, “se for coerente, não reenvia porque foi essa a prática no seu primeiro mandato”.
Marcelo Rebelo de Sousa recorreu, até agora, uma única vez ao Tribunal Constitucional, no caso da lei da gestação de substituição, as chamadas barrigas de aluguer.
Reis Novais lembra que os antecessores de Marcelo Rebelo de Sousa, sempre que havia dúvidas, remetiam para o Constitucional. “Marcelo inovou”, diz Reis Novais, e “inovou mal”.
O professor de Direito Constitucional diz mesmo que, se o Presidente da República pedir a fiscalização preventiva do diploma que despenaliza a eutanásia, “haverá a desconfiança de que agiu em função das suas convicções pessoais, ao contrário do que sempre prometeu fazer”.
O professor da Direito Público da Faculdade de Direito de Lisboa defende que “quando é o próprio a pedir ajuda para morrer, por estar num sofrimento intolerável, não está a ser posto em causa o princípio da inviolabilidade da vida humana, como têm defendido os tribunais constitucionais da Alemanha, Itália e Áustria”.
E discorda, em absoluto, de que a lei da eutanásia “possa abrir a porta a que um dia se admita também que a pena de morte não viola a Constituição. Porque nesse caso trata-se de tirar a vida a quem não o pede”.
A lei que despenaliza a morte medicamente assistida recentemente aprovada pelo Parlamento e que deverá chegar a Belém na próxima semana. O Presidente poderá promulgar o diploma, exercer o veto político ou reenviar o diploma para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional.
O programa de informação da Renascença Em Nome da Lei, pode ser ouvido aos sábados, depois das 13h00 e novamente à meia-noite, ou a qualquer altura em rr.sapo.pt