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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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nem ateu nem fariseu

Maradona e a morte do indivíduo

27 nov, 2020 • Opinião de Henrique Raposo


Mas há uma coisa que não me parece subjectiva: o futebol do tempo do Maradona era mais lento, mais belo e mais livre do que este futebol do Ronaldo. Perdemos liberdade (e não só no relvado).

É impossível não relacionar Maradona com Ayrton Senna, dois dos grandes heróis da minha geração. Maradona e Senna carregam a mesma temperatura emocional, balizam uma época vai desde o México 86 de Maradona até ao desastre que matou Senna em 94. Se quiserem, é o tempo que vai do esplendor da infância até ao início da adolescência.

Maradona desenhava no relvado aquilo que Senna sulcava no asfalto: o impossível, o ilógico, a loucura criativa de um génio deixado à solta. Ora, fala-se muito desta genialidade de ambos, mas fala-se pouco de outra questão que me parece mais importante: eles tiveram liberdade para serem génios, tiveram licença para soltar a imprevisibilidade. Hoje em dia, os jogadores e os pilotos têm muito menos liberdade para serem loucos. Se na F1 a máquina computorizada tomou o lugar do piloto audaz à Ayrton Senna, no futebol a potência muscular tomou o lugar da génio livre à Maradona.

No futebol mecanizado desde século, Maradona teria sido o Maradona? Neste futebol ultra científico e objetivo marcado por treinados ditadores que impõem aos jogadores um padrão de jogo mecânico, Maradona, Garrincha, Hagi, Futre ou Chalana teriam atingido o estrelato? Quando me cruzo nos corredores da Renascença com as vozes familiares da Bola Branca, costumo fazer este desabafo: gosto cada vez menos de ver futebol, porque vejo cada vez menos o indivíduo, vejo cada vez menos o improviso e a liberdade. Ou seja, o nosso futebol, o soccer, está cada vez mais parecido com o futebol americano: padronizado, previsível; os jogadores não usam a sua liberdade numa sistemática adaptação criativa ao jogo; ao invés, repetem em campo um conjunto de jogadas que o treinador impõe. O jogo perdeu beleza, encanto, aquele bruaá do imprevisto. É um paradoxo: o futebol está mais rápido, mas também está mais bocejante.

Não sei se Ronaldo ou Messi são melhores do que Maradona. Nem quero entrar nesse debate, até porque não há debate possível. Para mim, Maradona será sempre o melhor jogador porque é a estrela da minha infância e do ‘meu’ Mundial, México 86. Mas há uma coisa que não me parece subjetiva: o futebol do tempo do Maradona era mais lento, mais belo e mais livre do que este futebol do Ronaldo. Perdemos liberdade (e não só no relvado).

Comentários
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  • João Lopes
    11 dez, 2020 Viseu 19:36
    Concordo com a opinião de Henrique Raposo
  • Miguel Martins
    28 nov, 2020 São Brás de Alportel 17:37
    Que texto tão incorreto.. Continua a haver os mesmos virtuosos no futebol que o tornam imprevisível. Num tempo de Maradona em que o futebol era tudo menos profissional e muita cacetada, quando alguém como ele surgia, com o seu imenso talento era o céu. Hoje em dia, com a evolução do futebol no treino, nos treinadores em toda a sua profissionalização, conseguiu-se um grau de nivelamento de qualidade muito maior nos jogadores, sendo cada vez mais difícil sobressair como antes. No entanto, continuam a aparecer jogadores de indescritível talento, que na minha opinião os tornam melhores e mais completos que Maradona. Figo, Zidane, Ronaldo, Rivaldo, CR7, Messi, Salah, Sané Mané, De Bruyne, Hazard, etc, etc. Maradona era um rebelde, talvez um dos seus melhores talentos que aliado ao seu tipo de futebol lhe dava um carisma ao alcance de todos. Mas isso não torna o futebol de hoje pior, muito pelo contrário. O futebol de hoje é mais rápido, muito mais intenso do que antes e é preciso estar à altura dele para lá entrar e conseguir vingar... Nostalgia faz mal à racionalidade... e é aí que o coração se sobrepõe à razão.
  • Ivo Pestana
    27 nov, 2020 Funchal 18:34
    Maradona era bom, mas fez batota contra a Inglaterra e nunca pediu desculpa. Marcar um golo com a mão é muito feio e ainda gabava-se disso.