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Assembleia da República

PS votou mais vezes contra o Chega. Partido de Ventura absteve-se mais nas medidas socialistas

03 mai, 2024 - 18:01 • Salomé Esteves

PS e Chega foram acusados de "coligação negativa" depois de ter um voto idêntico em relação à eliminação das portagens nas ex-SCUT. Mas os votos na Assembleia mostram que a distância entre os partidos foi vincada na legislatura anterior, durante a maioria absoluta do PS.

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O Chega foi o partido que mais se absteve nas votações de medidas dos socialistas e o PS foi o partido que mais medidas do Chega rejeitou, durante o anterior Governo de António Costa. As conclusões foram tiradas a partir dos dados abertos do Parlamento, disponíveis na plataforma Hemicycle Party, de Frederico Muñoz.

O cenário político mudou. A coligação AD venceu as eleições legislativas de 10 de março e o social-democrata Luís Montenegro tomou posse como primeiro-ministro e tem acusado PS e Chega de formarem uma "coligação negativa" contra o novo executivo.

A votação pela eliminação das portagens nas antigas SCUT, desta quinta-feira, alinhou PS e Chega. Ou antes, alinhou os votos de todos os partidos com assento parlamentar à exceção da Iniciativa Liberal, que se absteve, e do PSD e CDS, que votaram contra. O ministro dos Assuntos Parlamentares acusou os dois maiores partidos da oposição de se unirem para “bloquear e minar a ação do Governo”.

Será que há um historial de voto que alinhe o PS e o Chega na Assembleia? Ou as SCUT são um caso isolado?

Desde que esta legislatura começou, especificamente entre 19 e 24 de abril deste ano - com dados atualizados semanalmente -, o Partido Socialista e o Chega votaram cinco vezes da mesma maneira, em propostas apresentadas na Assembleia da República. Também a Iniciativa Liberal votou cinco vezes ao lado do PS. Estes são os dois partidos com quem os socialistas têm menos votos em comum nas 18 votações que decorreram, até agora.

Mas, apesar de mudar a legislatura, a tendência não é significativamente diferente. Enquanto António Costa foi primeiro-ministro, o Chega votou da mesma maneira que o PS em 638 de 2.400 votações. O único partido que discordou mais da bancada socialista foi o PAN. Inês Sousa Real apenas votou de forma exatamente igual ao PS em 621 iniciativas.

A grande diferença entre os dois momentos é a posição do Partido Socialista na Assembleia e no Governo. Enquanto na antiga XV legislatura os socialistas detinham uma posição de grande vantagem - com um Governo de maioria absoluta -, neste novo ciclo político o PS tem a mesma função do Chega: a de oposição ao Governo liderado por Luís Montenegro. Esta alteração na relação entre os partidos pode influenciar a progressão das tendências de proximidade e de voto idêntico enquanto o executivo de Luís Montenegro governar, mas ainda é cedo para que os dados o mostrem.

Ao olhar para a aproximação do sentido de voto, é curioso que quem teve mais votos idênticos com ambos os partidos tenha sido a mesma bancada parlamentar: o PSD. Enquanto principal partido da oposição, os sociais-democratas fizeram 1.066 votos iguais aos dos socialistas e 1.281 aos do Chega, em 2.400 votações.

No panorama da Assembleia e do total de medidas votadas na generalidade, as diferenças continuam. Entre janeiro de 2022 e janeiro de 2024, as iniciativas apresentadas pelo Chega foram as mais rejeitadas entre os partidos com assento parlamentar. Afinal, 209 das 210 propostas do partido que foram votos na generalidade receberam um “não”. Já o PS - que na altura tinha maioria - teve resultados bastante diferentes, fazendo aprovar todas as 50 propostas que apresentou.

As duas bancadas tiveram atitudes mais semelhantes. O PS está entre os três partidos, ao lado do Livre e do PCP, que menos aprovou iniciativas apresentadas pelo Chega na Assembleia entre 2022 e 2024.

Os socialistas foram os únicos a não se abster em nenhuma altura. Ao passo que os outros partidos se abstiveram de votar em medidas do Chega entre 91 e 188 vezes, respetivamente, o PS votou favoravelmente em 37 propostas e contra em 265 ocasiões. Isto faz com que a bancada socialista seja a que mais medidas do Chega rejeitou na última legislatura, quando consideradas todas as iniciativas.

Apesar de a maioria absoluta assegurar a aprovação de todas as medidas que o Partido Socialista apresentou na última legislatura sem necessidade do “sim” dos outros partidos, a sua taxa de aprovação perante o plenário é significativamente mais alta do que a do Chega. Apenas o PCP rejeitou mais medidas dos socialistas do que o partido liderado por André Ventura. Os comunistas rejeitaram 39 propostas do PS e o Chega, 31. Por outro lado, o Chega foi o que mais se absteve de votar em iniciativas dos socialistas.

Em duas ocasiões, o Chega foi o único a votar a favor do PS e ambas em votações sobre a mesma medida. A proposta que “regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível, e altera o Código Penal”, a chamada “lei da eutanásia” foi rejeitada por duas vezes, mas com votos favoráveis do Chega. Nestes casos, tratava-se de uma votação do recurso da decisão do Presidente da Assembleia da República, que decorre a meio do processo. Mais tarde, na confirmação do decreto – o último estágio de votação -, a 9 de junho de 2023, o Chega rejeitou a proposta, como tinha feito inicialmente, na votação na generalidade, um ano antes.

Em todas as ocasiões em que o PS votou favoravelmente em iniciativas do Chega, estas foram aprovadas no Parlamento.

Uma dessas medidas é o projeto que “altera o Regimento da Assembleia da República tornando-o mais democrático e assegurando a liberdade de expressão e discussão de propostas apresentadas por parte dos Deputados”.

Um dos aspetos que este projeto visava alterar era a eleição de vice-presidentes para a Assembleia da República, em que o Chega propunha que não apenas o PS e o PSD, mas “os quatro maiores grupos parlamentares”, pudessem indicar um deputado para ser votado para integrar a mesa da Assembleia. Na última ronda de votos da medida, apenas o Bloco de Esquerda esteve contra, mas o próprio Chega absteve-se, à semelhança do PCP, do Livre e da IL.

Esta medida acabou por resultar na eleição de Diogo Pacheco de Amorim como vice-presidente da Assembleia da República, depois de o Chega não ter alinhado na instituição de Aguiar-Branco como presidente. Também a Iniciativa Liberal se fez representar na Mesa da Assembleia, com Rodrigo Saraiva, devido a esta alteração na lei.

Uma outra medida do Chega que mereceu voto favorável do PS foi a proposta que “reduz a taxa do IVA nos espetáculos tauromáquicos para 6% harmonizando-a com os restantes espetáculos culturais”. Também o PSD e o PCP se alinharam com o Chega nesta temática, na única fase de votação nesta proposta, em abril de 2022.

Os votos em análise referem-se exclusivamente a iniciativas parlamentares, que são propostas e que, eventualmente, dão origem a processos legislativos. Este tipo de iniciativas não inclui as atividades parlamentares, como votos de pesar ou de protesto.

A inclusão destas últimas está prevista para um futuro próximo, assegura Frederico Muñoz à Renascença, uma vez que é através de votos desta natureza que “os partidos se posicionam relativamente a questões de política externa”.

O autor acrescenta que os dados das votações pelos partidos, e principalmente os que são relativos à proximidade entre eles, não revelam surpresas e que o resultado é previsível. Ou seja, os partidos portugueses comportam-se de acordo com a sua posição política.

"Havendo dados, porque não utilizá-los?”

A página Hemicycle Party agrega todos os dados abertos da Assembleia da República. A instituição é obrigada a ter informação pública sobre os deputados e a atividade parlamentar dos partidos.

Frederico Munoz começou a desenvolver o projeto em 2020 e, até hoje, garante que o propósito não é fazer uma análise política dos dados para os utilizadores que chegam à sua página, mas apresentar os dados de maneira mais compreensível para o público.

Segundo o fundador do projeto, a exposição visual dos dados, sem nenhum tipo de análise, remove a subjetividade no tratamento dos dados, permitindo a cada utilizador tirar as suas próprias conclusões. Ainda assim, Muñoz acredita que, quando se trata de visualização de dados políticos, “é muito difícil ser-se completamente neutro”.

Além disso, o autor da plataforma acrescenta que “sendo fonte de discurso político”, este género de dados “acabam por ser uma reflexão sobre a política, mas também eles passam a ser parte ativa da discussão”.

Os dados da plataforma, que já vai na sua terceira geração, são atualizados semanalmente.

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