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Entrevista a Ricardo Fonseca Mota

"Viver no Interior já não é o que era e tem vantagens inumeráveis em relação à cidade"

03 mar, 2020 - 17:41 • Maria João Costa

O vencedor do Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís acaba de editar o seu segundo livro, "As Aves Não Têm Céu". À Renascença, levanta o véu sobre a nova obra e revela que muita gente "ainda engelha o nariz" quando lhes diz onde vive.

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Ricardo Fonseca Mota venceu em 2015 o Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís com o primeiro romance, “Fredo”, que foi também finalista do Prémio Oceanos de Literatura em Língua Portuguesa. O autor, psicólogo clínico de profissão e um apaixonado pela arte da escrita, acaba de lançar o seu segundo livro, pela Porto Editora, intitulado “As Aves Não têm Céu”.

Em entrevista à Renascença, o escritor começa por contar a história de Leto, o protagonista do seu novo livro. “É um portageiro de autoestrada. Tem uma filha pequena. O divórcio levou-lhe para longe a filha, porque a mulher refez a vida e vai para o estrangeiro. Finalmente a filha vem passar férias com o pai e ele prepara uma semana muito intensa, com muitas experiências, e tem um presente para ela. Mas logo na primeira noite, ela não conseguia adormecer e ele lembra-se que quando ela era pequena adormecia facilmente no carro. Então, mete-a no carro e vai dar uma volta ao quarteirão. Nessa viagem acontece um acidente e ela morre.”

A história trágica, o período de luto que se inicia na vida de Leto é o que faz o corpo deste livro que fala de personagens que vivem no limite. “Este homem vai atravessar o luto dele à sua maneira. Ele tem um passado. O próprio casamento também tem contornos que justificam o seu desamparo”, diz Ricardo Fonseca Mota. Em “As Aves Não Têm Céu” é abordada a vulnerabilidade da personagem principal e de outras que vai conhecendo pelo caminho.

Sobre o livro, que já chegou às livrarias, questionamos Ricardo Fonseca Mota se tem algum ponto de contacto com a sua vida profissional. Psicólogo clínico em exercício, o escritor explica que há um lado da profissão que o ajuda, “mas que já é inerente” à sua pessoa. Ser um “observador ajuda a ser psicólogo, escritor e a ser pai", ser psicólogo clínico "é um exercício de humildade diária" que o obriga a "ver o mundo na perspetiva" dos seus doentes para os poder ajudar.

“Esse aspeto ajuda muito ao processo criativo da construção de personagens”, adianta Ricardo Fonseca Mota. E no seu caso, o ter começado no teatro ajuda também a ser escritor.

Ricardo Fonseca Mota quer, contudo, clarificar um ponto. “Não me inspiro nas histórias de ninguém. Eticamente isso seria criminoso.” Há, como na história de “As Aves Não Têm Céu”, um “lado B”, indica o autor.

“Por vezes dou por mim a cortar ideias porque fico com medo que fulano tal se reconheça naquela passagem em que eu sei que não tive essa intenção. Mas está lá um gesto que a pessoa pode reconhecer e eu não quero quebrar essa relação com as pessoas que confiaram em mim.”

Ser escritor e viver fora das grandes cidades

“Fredo” e “As Aves Não Têm céu” são obras de um autor que vive no Interior do país, em Tábua, no distrito de Coimbra, na Beira Alta. Questionado sobre se isso lhe torna a vida mais complicada para a presença na vida literária ou se, por outro, esse distanciamento ajuda à escrita, Ricardo Fonseca Mota dá um testemunho positivo da experiência de viver fora das cidades de maior dimensão.

“Viver longe dos grandes centros é apenas uma condição e um desafio que tem solução e vou gerindo diariamente. Eu vivo lá por opção. E tem alturas que é uma bênção. Acho muita graça quando digo onde vivo e as pessoas engelham o nariz: «coitado!», como se eu estivesse lá por castigo. Não, eu estou lá muito bem! Por alguma razão quando as pessoas da cidade tiram férias vão a correr para lá.”

Sobre o acesso aos grandes centros, Ricardo Fonseca Mota critica a rede de transportes, diz que não é “brilhante, mas ainda serve para ir às grandes cidades de vez em quando”.

Na entrevista, feita no Festival Correntes d’Escritas, onde esteve pela primeira vez este ano, o autor conclui que “viver no Interior já não é aquilo que era antes. As pessoas ainda alimentam uma visão muito desfasada da realidade do que é viver no interior. É só viver longe de algumas coisas, mas hoje em dia mais perto de outras tão fundamentais. Tem vantagens em relação à cidade que são inumeráveis.”

Poderá ouvir a entrevista a Ricardo Fonseca Mota esta sexta-feira depois das 23h no programa "Ensaio Geral" da Renascença.

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