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Entrevista

Quem vota no Chega? A Ventura falta um “tema fraturante” como o Vox tem a unidade nacional em Espanha

27 jan, 2022 - 16:14 • João Carlos Malta

A investigadora do Instituto de Ciências Sociais Lea Heyne dedicou-se a perceber as caraterísticas dos partidos populistas de extrema-direita em Portugal e Espanha para compreender o que os une e os separa de outros exemplos na Europa. No caso do Chega identificou os mais jovens, os que têm menor escolaridade, os que vivem no campo e os que se consideram religiosos as principais bases do recrutamento.

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Falta ao Chega uma grande bandeira "fraturante", como a Catalunha é para a extrema-direita espanhola do Vox, para ascender a outro nível de representação junto do eleitorado, defende a investigadora suíça Lea Heyne, em entrevista à Renascença.

Juntamente com o italiano Luca Manucci, publicou em novembro um estudo intitulado: “Um novo excecionalismo Ibérico? A comparação dos votantes da extrema-direita populista em Portugal e em Espanha”.

A ideia era a de perceber as caraterísticas que uniam Vox e Chega e, ao mesmo tempo, o que os separava.

Em entrevista à Renascença, Lea Heyne relembra uma das conclusões mais importantes na altura: faltava ao Chega um tema como a Catalunha para o Vox. Em Portugal é mais difícil de encontrar uma questão fraturante que agregue tanto o eleitorado. Ainda assim, o partido de André Ventura, segundo todas as sondagens, está a crescer. A investigadora acredita que haverá um limite.

"Não estou certa de que exista potencial para que, no longo prazo, haja um partido populista de extrema-direita com uma representação forte em Portugal", defende.

Em 2019, fez juntamente com o seu colega Luca Manucci um estudo sobre a extrema-direita na Península Ibérica para perceber quem são os apoiantes do Chega e do Vox. A que conclusões chegaram?

Estávamos à procura de perceber se os apoiantes do Chega e do Vox eram parecidos com as caraterísticas que já conhecíamos dos votantes dos partidos populistas de extrema-direita em outros países europeus.

Tanto em Portugal como em Espanha é um fenómeno relativamente novo, haver um partido com estas caraterísticas, e estávamos curiosos para perceber se os apoiantes seriam semelhantes.

E o que descobrimos é que sim, as pessoas que votam e apoiam o Chega e o Vox, parecem similares aos partidos que são semelhantes com estes noutros países.

As maiores proximidades que identificámos são as de que normalmente são homens, mais do que mulheres, a maior parte são jovens e não os velhos, e no caso do Chega, pessoas que vivem no campo.

Têm níveis de escolaridade mais baixos, e no caso do Chega são pessoas que se definem como religiosas. E há ainda outras caraterísticas que os unem, como o facto de estarem insatisfeitos com a situação política. Para eles a democracia não está a funcionar bem, estão descontentes com o Governo que está em funções e também acreditam que a economia não está a correr bem.

É uma descrição que corresponde a um descontentamento com o sistema político e com os partidos que já existem.

O que é que separa os dois partidos? E porque é que o Vox tem, até agora, uma implementação maior que a do Chega?

Sim, fomos à procura disso e o que concluímos é que o Vox usa os temas que dominam a sociedade espanhola. É um país em que o tema da unidade territorial e da sedição na Catalunha tem sido muito importante. E o Vox usou-o como bandeira. Ao mesmo tempo em Espanha há um conjunto de outros temas como a imigração e o feminismo, que são muito mais visíveis do que em Portugal. São temas que tradicionalmente os partidos de extrema-direita adotam e o Vox usa-os e tem ganho votos com base nestes temas.

As maiores proximidades que identificámos são as de que normalmente são homens, mais do que mulheres, a maior parte são jovens e não os velhos, e no caso do Chega, pessoas que vivem no campo.

Em Portugal, não existe um tema fraturante como a unidade nacional, e a agenda política é dominada por questões socioeconómicas. O Chega não tem sido capaz de usar o mesmo nível de retórica relacionada com a anti-imigração, o anti-feminismo, como o Vox conseguiu. Acreditamos que a inexistência de debate político sobre questões culturais é uma das razões pelas quais o Chega, até agora, não teve tanto sucesso como o Vox.

Como acabou de dizer, o Chega ainda não tem um tema fraturante e o que possa tornar a âncora do seu discurso político. A subsidiodependência e a comunidade cigana não são a tentativa de construir essa narrativa?

Sim, exatamente. É muito interessante, porque o Vox centra a sua narrativa sobretudo na imigração e nos muçulmanos, o que é muito comum neste tipo de partidos. E o Chega fá-lo com os ciganos.

É a tentativa deles de descobrir como as questões culturais podem ser relevantes em Portugal e criar um conflito, mas penso que não terá o mesmo alcance e penetração na sociedade como as preocupações em relação à imigração.

As pessoas que recebem subsídios e os ciganos representam uma percentagem pequena da população. Porque é que a estratégia passa por usar estas minorias e porque é que aparentemente é bem-sucedida?

Provavelmente é baseado na experiência de outros países e na ideia de que, com um programa como o que têm, isso consegue atrair votos. E a um determinado nível é verdade, porque podemos ver o Chega a ganhar votos e estar à frente do que estavam nas eleições anteriores.

O Vox usa os temas que dominam a sociedade espanhola. É um país em que o tema da unidade territorial e da sedição na Catalunha tem sido muito importante. E o Vox usou-o como bandeira. Ao mesmo tempo em Espanha há um conjunto de outros temas como a imigração e o feminismo, que são muito mais visíveis do que em Portugal

Quando olhamos para os nossos dados, vemos que há ainda potencial para o Chega fazer o discurso anti-imigração, porque os que nele votam têm uma atitude anti-imigração.

Mesmo que este assunto não seja muito politizado em Portugal, porque os outros partidos não falam dele, não está na agenda diária, eles estão a tentar ativar a potencial ameaça, na esperança de que possam obter com isso alguma coisa.

O estudo concluiu ainda que as pessoas que votam em partidos de extrema-direita estão dececionadas com a globalização e que rejeitam a modernidade. Essas justificações explicam todas as pessoas que votam no Chega?

Não. E mesmo quando dizemos que estão desiludidos com a globalização, é interessante vermos que os votantes do Chega e do Vox não são em média mais pobres do que a média.

Se, em algumas vezes, a desilusão se deve a terem perdido os empregos, ou os rendimentos, por causa da globalização, este não é o caso.

Esse dado surpreendeu-a?

Não particularmente. É uma hipótese comum colocada pelos cientistas e pelos media, mas não há muitos estudos que o comprovem. Não estamos por isso muito surpreendidos.

As pessoas que votam no Chega e em partidos semelhantes não gostam da globalização e acreditam que a economia não está a correr bem, e não gostam das consequências da abertura de fronteiras, e da modernização. E por isso, de alguma forma sentem-se como perdedores do processo de globalização.

Também escreveu que a maioria dos eleitores do Chega e do Vox são jovens e não pessoas nostálgicas dos regimes fascistas de Portugal e de Espanha. Como se explica essa atração dos mais novos?

Também nos questionamos sobre isso. Penso que, em parte, se deve ao facto de as gerações mais velhas em Portugal e Espanha estejam mais imunes a este tipo de retórica porque viveram em regimes autoritários. E os mais novos não têm essa memória, e por isso talvez estas mensagens sejam mais atraentes.

Ê interessante vermos que os votantes do Chega e do Vox não são em média mais pobres do que a média.

Outra interpretação é a de que a crise económica em Portugal, mas também em Espanha, após dez anos, pôs os mais jovens numa posição mais vulnerável e em que tendem a estar mais frustrados com a economia, mas também com a classe política, devido às decisões que tomaram, porque sentem que os seus interesses não estão representados. Estão por isso mais vulneráveis a este tipo de retórica.

O estudo tentou perceber as diferenças entre Santiago Abascal e André Ventura? Que importância eles têm nos partidos em que estão?

Não, não fizemos. Mas posso dizer que me parecem ser muito semelhantes em muitas coisas. Ambos vieram do centro-direita, do PP num caso e do PSD noutro, e são os dois partidos muito centrados na figura de cada um deles. Seria ainda interessante perceber como é que estes partidos funcionariam sem os seus líderes, especialmente o Chega.

O que justifica a rápida subida do Chega nestas eleições legislativas indicadas pelas sondagens?

Isso também nos faz pensar, porque a nossa conclusão era de que seria mais difícil para o Chega do que para o Vox criar uma implementação profunda na sociedade, sobretudo devido às questões que dominam o debate em Portugal. Mas penso que talvez possa estar em causa um voto de protesto, de pessoas que votam em quem ainda é novo no sistema, porque quem surge ainda não pode ser visto como corrupto como os outros partidos.

Também creio, apesar de ainda não termos estudado, que muitos dos que consideram votar no Chega são pessoas que de outra forma se absteriam. Em Portugal, é muito comum que as pessoas que estão descontentes com os políticos e que não gostam de nenhum dos partidos se abstenham, mas alguns deles podem agora votar no Chega porque sentem como uma alternativa.

Sinto que a maior parte destes votos é anti-sistema, e de pessoas que não veem outra forma de expressar protesto.

Como lê o facto de haver nestas eleições candidatos do Chega que eram anteriores de outros partidos “moderados”, como PSD, PS, ou mesmo do outro extremo, como BE?

Também isso é relativamente comum. Em muitos outros países europeus, onde os partidos radicais surgiram, fazem-no a partir de membros de outros partidos, especialmente os partidos de centro-direita, mas às vezes também de esquerda.

A crise económica em Portugal, mas também em Espanha, após dez anos, pôs os mais jovens numa posição mais vulnerável e em que tendem a estar mais frustrados com a economia, mas também com a classe política.

Isso mostra que nesta primeira fase são um albergue para os que estão insatisfeitos com outros partidos. São pessoas que esperam que um novo partido possa ser mais útil para os seus interesses.

Qual é o papel das redes sociais para o Chega – considerando que são já espaços onde o populismo domina?

São importantes. Não sei se o Chega consegue ainda fazê-lo ao nível do que outros partidos fizeram noutros países, como nos EUA, em que as redes sociais foram usadas de forma extremamente forte em campanhas eleitorais. Em Portugal, ainda não têm a mesma importância. Até porque é um país em que televisão ainda tem muita força.

Mas podemos ver dos dados que recolhemos que quem usa o Facebook e as redes socais, e frequenta fóruns de discussão política, é mais provável que vote neles.

É uma ferramenta para o Chega atrair votantes, sem dúvida.

Na sua opinião, o crescimento do Chega tem um limite, ou acha que podemos ter um partido que possa concorrer para disputar a vitória em eleições como a Frente Nacional, em França?

Acredito que se o sistema político permanecer como está, e se os temas de discussão política se mantiverem os mesmos, o Chega não terá capacidade de crescer tanto.

Penso que as sondagens até mostram que eles podem estar a perder fôlego, nas eleições presidenciais, André Ventura teve quase 12%, e agora poderá ficar nos 5% ou 6%. Penso que o ponto em que eles estavam a crescer já terminou, e eles estão a cair nesta altura.

Em Portugal, é muito comum que as pessoas que estão descontentes com os políticos e que não gostam de nenhum dos partidos se abstenham, mas alguns deles podem agora votar no Chega porque sentem como uma alternativa.

Não estou certa de que haja potencial para que haja, no longo prazo, um partido populista de extrema-direita com uma representação forte em Portugal.

Sobretudo, porque as questões culturais em que estes partidos assentam como a imigração, não são relevantes no debate político em Portugal.


Lea Heyne doutorou-se em Estudos sobre a Democracia pela Universidade de Zurique, em 2018. É Mestre em Relações Internacionais pela Sciences Po Paris e pela Universidade Livre de Berlim (2013). Trabalhou anteriormente como assistente de investigação no Centro de Ciências Sociais de Berlim, e desde 2019 é investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

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  • Pedro
    27 jan, 2022 Lisboa 23:47
    O apagão que fizeram na SIC\expresso, ou melhor queima arquivo, serviu também para apagar o que não interessava e que dizia o seguinte: "Maioria dos eleitores que quer votar no Chega tem entre os 25 e os 44 anos, e metade deles são mulheres. Um cada cinco dos eleitores actuais do Chega têm curso superior e mais de um terço completou o ensino secundário, o que está acima da instrução média dos portugueses adultos."
  • Joaquim
    27 jan, 2022 Paços 19:48
    O problema do Chega não é não ter uma ideia, é não ter ideias nenhumas!
  • Manuel Teixeira
    27 jan, 2022 Sintra 17:34
    Não sei qual foi o estudo em a senhora Lea Hayne se baseou. O eleitorado do Chega são pessoas mais jovens? Principalmente do campo? Sem escolaridade? A quando das manifestações do chega que se fizeram em Lisboa, existiam pessoas de todas as idades. Do campo?????????????? Sem escolaridade? Eu vi todo o tipo de pessoas, nestas manifestações! Eu estive presente enquanto esta senhora estava na Suíça a escrever estes disparates! Anti-imigração? Extrema direita? Anti ciganos? O Chega não é contra a imigração, o Chega é contra a imigração descontrolada e que em muitos casos os imigrantes não têm qualquer tipo de condições para viver! A comunicação social é que anda a encostar o Chega à extrema direita, porque de extrema direita o Chega tem Zero. O chega não é contra os ciganos, o Chega é contra os ciganos que não cumprem a lei, que retiram as meninas da escola muito cedo para não poderem se entrosar com outros rapazes de outras raças. É contra os casamentos de meninas de menor idade etc etc. Não tem nada de racismo, simplesmente têm de cumprir com as leis da nação, nada mais. O Chega vai ter entre 5% e 6% nestas eleições legislativas de 2022. Onde é que esta senhora se baseou? Nas sondagens? Que estão sempre a falhar nos cálculos, onde foi bem visível nas eleições autárquicas? Enfim, cada um diz o que quer para influenciar as pessoas como esta senhora.

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