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​Balanço de campanha. Pouca rua, muita estrada e um caso sério

29 set, 2019 - 17:31 • Eunice Lourenço , Susana Madureira Martins , Isabel Pacheco , Paula Caeiro Varela , Cristina Nascimento , João Cunha

A divulgação da acusação no caso Tancos marcou uma viragem na campanha eleitoral, que tem tido poucas ações de rua.

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Estava tudo a correr tão bem …… até que a divulgação da acusação no caso Tancos tomou conta da campanha eleitoral e não se sabe quando sairá, sequer se sairá e que efeitos terá.

A pré-campanha, com os vários debates e as muitas entrevistas, tinha permitido aos líderes dos principais partidos explicarem os seus programas, discutirem ideias e propostas.

Rui Rio surpreendia, dadas as baixas expetativas, as sondagens oscilavam entre a maioria absoluta do PS e umas amostras de crescimento do PSD.

O início do período oficial de campanha ficou marcado por um “arrufo” político entre António Costa e Catarina Martins, que ambos se preocuparam em encerrar publicamente. E tudo parecia encaminhado para uma campanha esclarecedora, sem grandes folclores.

Ou talvez não. Afinal, quem anda nisto há muitos anos sabe bem que cada campanha tem o seu caso e esta haveria de ter o seu, ainda para mais com o calendário processual do caso Tancos a bater com o meio do período oficial. Acabou por chegar um dia mais cedo do que o prazo para a acusação sair.

Logo no início do período oficial até já tinha havido mais um episódio do chamado “caso das golas”, que levou ainda por cima à demissão de mais um secretário de Estado (uma das marcas deste Governo foi a substituição avulsa de secretários de Estado por casos vários). Mas o caso não durou, até porque o líder do maior partido, Rui Rio, se escusou a falar da situação em concreto, devido ao seu princípio de não falar sobre casos em segredo de justiça.

A dúvida sobre Tancos e, em concreto, sobre a acusação ao ex-ministro Azeredo Lopes era se ia pegar fogo na campanha ou não. E pegou. A começar por Rui Rio, que teve resposta quase imediata de António Costa e continua a ter resposta diária de vários dirigentes socialistas, desde o presidente da Câmara de Caminha até ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, passando por Carlos César, líder parlamentar e presidente do partido.

O caso Tancos, portanto, chegou, pegou fogo e está aí para continuar, numa campanha que tem tido poucas ações de rua e muitas sessões para convencer convencidos.

PS. As dores do primeiro-ministro

António Costa, líder do PS e primeiro-ministro em funções, parte para a segunda semana de campanha oficial com duas dores. A do caso Tancos e a dor de costas que o tem afetado e à agenda da caravana socialista.

O líder do PS foge dos jornalistas a sete pés quando o tema é o processo que envolve o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes e agora até um deputado socialista que é candidato pelo Porto, Tiago Barbosa Ribeiro, apanhado no turbilhão da acusação por causa de mensagens trocadas com Azeredo Lopes.

Costa escuda-se no já clássico "à justiça o que é da justiça, à política o que é da política" para não falar do assunto. Mas põe homens da sua confiança pessoal a fazer a defesa. Foi o caso do autarca de Caminha, Miguel Alves, o presidente do PS, Carlos César ou o número dois do Governo, o ministro Augusto Santos Silva. "Ataque de carácter" ao primeiro-ministro, "calúnia e ofensa", são as expressões usadas para criticar PSD e CDS por trazerem Tancos à campanha.

Costa, aparentemente, mostra-se descontraído com o assunto, nas ruas a verdade é que as pessoas não lhe perguntam sobre isso nas arruadas. Pedem-lhe acesso mais cedo às reformas, melhor acesso à saúde, mas não se ouve ninguém a confrontá-lo com Tancos. E na direção nacional o entendimento é que as pessoas não querem saber do caso e que por isso não irá causar mossa.

Também é verdade que esses encontros têm sido reduzidos ao mínimo, até porque o secretário-geral socialista e primeiro-ministro tem apresentado fortes dores musculares nas costas e, por aconselhamento médico, tem diminuído o contacto com a população e os apertões das arruadas, anulando ações de campanha que se realizam, mas sem aquele que é apresentado nos comícios como aquele que vai "continuar a ser o primeiro-ministro de Portugal".

PSD. Rio, Rio, Rio e, de repente, Tancos

Sem notáveis, sem comícios, sem pavilhões de encher o olho e o ecrã de televisão, o PSD de Rui Rio é, essencialmente, Rui Rio. Importa pouco se é porque não há mais, mas ou porque não quer mais, quando a mensagem política mais forte que este partido tem para passar centra-se na imagem de Rui Rio.

O carácter de Rui Rio, a honestidade de Rui Rio, a franqueza de Rui Rio, que diz e repete a cada quilómetro mais na campanha que a “política de manha e truques” não é com ele, que ele não sabe fazer essa política, que ele nem se importa de ter contra si “um batalhão de comentadores”, ele - Rui Rio - não é, nunca será do politicamente correto.

Até à quinta-feira passada, dia em que se conheceu a acusação do processo Tancos, a mensagem política da campanha era por vezes difícil de decifrar. Nessa manhã, por exemplo, Rui Rio visitou um arrozal e - apesar de avesso às campanhas tradicionais - não resistiu a alguns clichês: o do político à boleia de uma máquina debulhadora, ou a dançar “o cavalinho”, na lezíria ribatejana, com um rancho em trajes de antigamente, campinos a cavalo e toda a encenação. Não disse, porém, uma palavra sobre os problemas que lhe expuseram antes alguns agricultores. Repetiu que queria “diversificar a campanha”, não fazer apenas o tradicional.

Tancos - a partir dessa tarde - passou a ser o tema e o fôlego da campanha social-democrata. Há um antes e um depois daquela conferência de imprensa, formalmente convocada e que anulou uma visita prevista na agenda do candidato.

Rui Rio resolveu assumir as custas de pegar numa acusação do Ministério Público para atirar ao Governo: sabia ou não sabia o primeiro-ministro da encenação em torno do aparecimento das armas roubadas? Sabia ou não sabia? Sabia ou não? António Costa é o alvo. Rui Rio sabe bem que uma acusação não é uma sentença. Garante que não está a sentenciar, mas a tirar as devidas e obrigatórias ilações políticas. Mas o líder do PSD não é um cidadão comum.

Resta saber que ganhos eleitorais resultarão desta estratégia. Para já, mudou a dinâmica da campanha e até já levou Rio, em Vila Real (na terra de Passos Coelho), a garantir que “está tudo em aberto” e que está a disputar estas eleições “taco a taco”.

Bloco de Esquerda. Catarina com pouca rua e poupadinha nos ataques ao Governo

A líder do Bloco de Esquerda avisou que o partido se apresentava em campanha “para fazer” e “não destruir” pontes e parece fazer tudo para cumprir.

O período oficial de campanha até começou com um arrufo com PS, mas foi sol de pouca dura. O assunto incomodou os bloquistas, no entanto, Catarina Martins rapidamente pôs uma pedra sobre o assunto, ou não fosse o horizonte o de uma eventual reedição da “Geringonça”. Rapidamente foi eleito o principal adversário do Bloco nas legislativas: a maioria absoluta socialista.

Mesmo assim, não foi da boca da líder do BE que se ouviram críticas mais duras ao PS durante os primeiros dias de campanha eleitoral. Os ataques chegaram por outras vozes que assumiriam o que a coordenadora do partido não podia ou não devia dizer. Esse papel foi dividido entre Joana Mortágua e Pedro Filipe Soares sempre com o mesmo alvo: as “contas” de Mário Centeno.

A estratégia adotada foi clara: vincar as diferenças com o PS sem, com isso, fechar as portas a uma nova parceria. Um desafio que se tornou difícil com o caso de Tancos que obrigou o BE a lidar com pinças um assunto que, apesar de, notoriamente, não querer, teve, mesmo, de o deixar entrar em campanha eleitoral.

Apesar dos percalços, o BE não mudou de estratégia e manteve a rota do programa praticamente sem colocar os pés na rua. A exceção foi a viagem de comboio de Faro a Lisboa que quis chamar atenção para aquela que é uma das bandeiras bloquistas para as legislativas: um novo plano nacional ferroviário.

CDU. Simpatia de Jerónimo contra a maioria absoluta do PS

A primeira semana de campanha da CDU já levou o secretário-geral do PCP de norte a sul do país, mas as ações de campanha têm sido de pouco contacto com a população geral.

Jerónimo de Sousa tem feito um percurso para demonstrar a importância de algumas medidas pelas quais os comunistas batalharam ou que ainda reivindicam - como por exemplo a redução do IVA dos instrumentos musicais ou a reintegração da EMEF na CP -, mas tem faltado o "banho de rua".

Nem mesmo em Almada, onde se realizou um desfile pelas ruas. Jerónimo de Sousa resguardou-se, tendo-se juntado à iniciativa à porta da Sociedade Filarmónica onde depois se realizou um comício.

O discurso de Jerónimo de Sousa (e de todos os que fazem intervenções políticas nos momentos de campanha) centra-se na necessidade de combater uma maioria absoluta do PS e os dirigentes comunistas vão buscar à experiência da "gerigonça" os argumentos de que votar na CDU é contribuir, na prática, para as questões da governação.

De resto, a CDU faz uma campanha de acordo com o que é seu hábito. Anda por distritos e localidades que lhes são favoráveis, contando com a disponibilidade e empenho daqueles que já são seus apoiantes. Jerónimo de Sousa continua também a contar com a sua simpatia e a simpatia daqueles com quem se cruza, sendo habitualmente bem-recebido, mesmo por aqueles que não se identificam com as suas cores partidárias.

Olhando para o calendário da segunda semana de campanha, é previsível que o contacto de rua que não foi tão visível na primeira semana, venha a ser mais frequente.

CDS. Sem “fofós nem gaitinhas”, mas a aproveitar Tancos

Sem “fófós nem gaitinhas”. Cristas aposta em campanha centrada mais na sobriedade da mensagem do que no habitual “circo” das campanhas eleitorais. A questão é se chegará aos eleitores.

Uma campanha sóbria e que se centra na mensagem que o partido pretende transmitir. Nesta primeira semana, foram poucas as bandeiras do partido que apareceram apenas em dois jantares e em algumas ações de rua. Sem bombos a acompanhar e sem os habituais hinos do partido. Mas com os clássicos saltos no país que um partido sem estrutura muitas vezes se vê obrigado a fazer (de Arouca a Faro para depois ir para Coimbra, por exemplo).

A opção não foi tanto estar ao lado dos cabeças de lista nas ruas, no contacto com a população - em que de resto, Assunção Cristas parece estar perfeitamente à vontade: sorri, explica, replica, beija e abraça, e sempre que pode, lembra no que este Governo, esteve mal, em quatro anos.

A opção foi, antes, realizar ações chamadas de “Encontros de Gerações”, em que sem grande esforço, Cristas explica o que o CDS-PP quer para o país. E aqui, é exímia: sabe do que fala, domina as propostas do partido e sabe contornar os jornalistas, que por vezes lhe perguntavam sobre “alhos” e tinham como resposta “bugalhos”.

Até que o caso de Tancos entrou na campanha. E as oportunidades na política não se perdem. Ainda para mais, a líder do CDS tem a legitimidade de o seu partido sempre ter liderado politicamente este assunto.

Com o discurso até agora mais duro contra o PS Cristas disse sábado à noite, em Albergaria a Velha, que está a “receber recados para se calar”, sem, contudo, dizer de quem. E avisou que não tem medo do PS. Porque no CDS não se tem medo de dizer a verdade.

Em dia de quadragésimo quinto, assinalado no dia 28, Assunção Cristas recebeu uma mensagem vídeo de Paulo Portas, que desejou “tudo de bom a Cristas”, dizendo esperar que leve “as cores do CDS a um bom resultado no dia 6 de outubro”. Acrescentou o antigo líder centrista que será “um resultado melhor que o que todos esperam”. Dia 6 logo veremos.

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