DÚVIDAS PÚBLICAS

Portugueses pagam impostos a mais, diz bastonária dos Contabilistas

24 fev, 2024 - 08:00 • Sandra Afonso , Arsénio Reis

Entrevistada pela Renascença, Paula Franco pede ao próximo Governo um alívio fiscal, sobretudo para empresas, e mais apoios para os jovens. A bastonária da Ordem Contabilistas Certificados defende a recuperação dos Vistos Gold, mas não do imposto sobre heranças, e critica o peso excessivo da fiscalidade verde. Chumba ainda os serviços públicos e diz que o PRR continua sem chegar às empresas.

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Portugueses pagam impostos a mais, diz bastonária dos Contabilistas
Portugueses pagam impostos a mais, diz bastonária dos Contabilistas

"Em Portugal tributa-se demais", diz a bastonária da Ordem Contabilistas Certificados, Paula Franco, em entrevista ao programa Dúvidas Públicas, da Renascença.

A carga fiscal está em máximos históricos. Fechou 2022 nos 36,4% do PIB, espera-se que em 2023 fique nos 37,2% e este ano deverá ultrapassar os 38%, segundo o último Orçamento do Estado de Fernando Medina. Com o aumento da receita arrecadada, até estes valores podem já ter ficado para trás.

Parte desta subida é explicada pelo crescimento da economia, porque mais riqueza implica mais rendimentos para tributar. No entanto, Portugal é também um dos países com mais impostos e a bastonária dá como exemplo a habitação, sujeita a tributação permanente.

Há ainda setores que têm sido "esquecidos", em detrimento de outras prioridades. É o caso das empresas que, segundo Paula Franco, precisam de um sinal claro de descida fiscal por parte do próximo Governo. Nesse sentido, considera positivas as medidas apresentadas pelos maiores partidos, PS e AD, e até acredita que será possível chegar a 2028 com Portugal a crescer 3,4%, como aponta a coligação PSD/CDS/PPM. Mais difícil será fazer chegar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) às empresas, que continuam sem sentir a "bazuca".

Sem reservas, a bastonária é também a favor de um salário livre de impostos, sugerido pela AD, e lembra que é uma medida muito semelhante a outra já introduzida pelo PS este ano. Apoia o regresso dos Vistos gold, ainda que retirem habitação do mercado.

Defende ainda incentivos fiscais aos jovens, que no caso do PS podem ser alargados, mas avisa que, por si, não serão suficientes para reter o talento no país. Não alinha nas críticas ao financiamento a 100% do crédito à habitação para os jovens, nem vê aí risco para o Estado.

Sobre a atual tributação, Paula Franco critica o peso excessivo da fiscalidade verde, que em Portugal serve primeiro para arrecadar receita e só depois para mudar comportamentos. Não acredita que as legislativas estejam a atrasar a introdução do IVA nos sacos de plástico leves, lembra que não é uma medida fácil de implementar e avisa que, por isso mesmo, vai acabar por se transformar “num custo” para o consumidor.

A bastonária da Ordem Contabilistas Certificados deixa ainda críticas à Autoridade Tributária, com quem a OCC tem sucessivos diferendos. Lembra que deve ser irrepreensível e exige-se que cumpra a lei. Dá ainda nota negativa aos serviços públicos, onde persiste o pequeno poder instalado.

O programa Dúvidas Públicas é transmitido na Renascença aos sábados, depois do meio-dia, e está disponível nas plataformas de podcast.


Leia aqui a entrevista:

Com a carga fiscal em máximos históricos e os parceiros europeus em abrandamento, os partidos sabem como é crucial garantir o crescimento da economia na próxima legislatura. A AD aposta num choque fiscal e o PS em descidas específicas de impostos associados à industrialização, mas ainda não identificados. Com qual destas estratégias se identifica?

É bom por vezes haver campanhas eleitorais para trazer estes assuntos a discussão e trazer novas ideias. Eu acho que todos os partidos têm boas ideias em relação a este assunto. Mais importante é que quem ficar a governar o país as ponha em prática e que, de facto, faça a diferença em termos económicos.

Eu sou muito favorável ao choque fiscal, à descida substancial do IRC.

Para quem nos acompanha, é uma descida de 21% para 15%, 2 pontos percentuais ao ano.

É a proposta da AD. Mas não quer dizer que seja os 15%, o que é importante é haver de facto uma redução de IRC para motivar as empresas, atrair mais investimento e outras situações.

Há uma certa mentalidade em que se temos impostos mais altos, há uma tendência a fugir ao pagamento dos impostos, encapotar custos, a arranjar mais custos. Acho que traria uma fiscalidade mais correta a todas as empresas, a descida dos impostos.

O PS propõe uma redução das tributações autónomas, que também é no fundo uma redução de IRC. Aliás, se calhar até se traduz numa redução mais realista do que a da taxa do IRC propriamente dita, porque as taxas de tributação autónoma têm um impacto muito grande no IRC final.

Destaca alguma das medidas?

Ambas as ideias, e depois as de outros partidos que também complementam estas ideias, são todas elas positivas. Acho que tem que sair, daquele que for o futuro governante, é uma mexida e um sinal às empresas, para as incentivar a continuarem os seus investimentos, a melhorarem a produtividade, a competitividade. Esses é que são os sinais importantes, que não têm existido nos últimos anos.

Toda a fiscalidade tem estado muito concentrada nas famílias, embora também os resultados não sejam muito grandes, e muito pouco nas empresas. As empresas têm de trazer riqueza aos países, a base tem de ser as empresas, para depois se traduzir nas famílias.

As medidas de habitação jovem, os 100% de financiamento, o crédito bonificado. Isso foi-se perdendo ao longo destes últimos 30 anos. É preciso recuperar.

Faz sentido esta ideia de canalizar ou condicionar os apoios públicos a setores chave ou a determinados setores da economia, em vez de os estender transversalmente?

Da experiência que temos nos últimos anos, os apoios públicos não têm tido os resultados nem o sucesso que se gostaria. Tem que se repensar, até essa questão de os direcionar para determinados setores. Existem setores que nunca poderão deixar de estar a ser ajudados, como a agricultura, que agora também tem sido muito falada e que é importantíssimo, é um setor que necessita sempre de ajuda.

Há ainda outros setores para onde as verbas e as ajudas são muito canalizadas, como a indústria e outros que são fundamentais para o desenvolvimento das economias. Esses devem ser sempre previligiados. Ainda assim, não nos podemos esquecer dos outros setores de atividade, que criam também muito emprego, e que as empresas de menor dimensão também precisam de apoios.

Está a lembrar-se do Turismo, por exemplo?

O Turismo também tem muitos apoios. Mas, por exemplo, o retalho, o comércio local, o incentivo à produção interna dentro do país, para exportação e para consumo interno. Tudo isto deve ser valorizado, não se pode dizer que existam actividades que se deixem de fora.

Admite alguma diferenciação positiva em determinados setores, mas não terminar com os apoios transversais que existem?

Exatamente.

Quando falamos de crescimento temos o PS, mais conservador, a apontar para os 2%, enquanto a AD admite atingirmos os 3,4% em 2028. Se fosse a Paula Franco a fazer as contas, onde situaria este nível de crescimento?

É uma pergunta difícil de responder. Eu acho que Portugal está no bom caminho, no sentido do crescimento. Eu situaria mais próximo daquilo que a AD pretende.

Acha possível atingir em quatro anos, grosso modo, estes níveis? Se tudo o resto ajudar, obviamente, e se, nomeadamente, as circunstâncias internacionais não forem traumatizantes, como foram nestes últimos dois anos?

Os desafios são sempre possíveis e acho que estabelecermos metas acima do que é normal e previsível é sempre positivo, porque nos vamos esforçar para as atingir. A conjuntura internacional e também interna permitem esse crescimento. É preciso é saber conduzir bem as políticas e favorecer um pouco toda a conjuntura económica para que esse crescimento se dê, inclusivamente a confiança dos próprios operadores e intervenientes na economia. Isso é um fator importantíssimo.

Aquilo que resultar destas eleições tem que trazer, acima de tudo, essa confiança. Confiança a todos os investidores, confiança às empresas portuguesas, confiança aos portugueses.

E alguma ambição, eventualmente.

E alguma ambição, mas a confiança é um fator fundamental. A gestão das expetativas, as expetativas que se podem criar às empresas e às famílias é fundamental, para também incentivar e despoletar esse crescimento.

Na tributação do trabalho temos a AD e o PS a prometerem baixar as taxas de IRS, sobretudo para a classe média, e alargar o IRS jovem. Isto é uma admissão da fiscalidade excessiva sobre o trabalho?

Não, é normal a fiscalidade interferir nestas questões. Por exemplo, claramente, a política que está a ser criada à volta dos jovens é necessária.

Portugal está com muita dificuldade em reter talento, em reter jovens, percebemos que em todos os partidos exista essa preocupação. Nos partidos que estão mais próximos de virem a governar, obviamente que este é um ponto essencial nas políticas que vão construir.

E estas medidas são suficientes?

Eu acho que ainda se pode ir mais além para os jovens.

Nos programas eleitorais, voltam a haver medidas para reduzir a tributação dos jovens e melhorar as suas condições. O que é extremamente positivo. A proposta do PS, deve ser alargado a todos os jovens porque, obviamente, que nós temos vontade de reter mais talentos e jovens qualificados, mas também temos que reter os outros jovens, também estamos a deixar de ter outro tipo de qualificações. Concordo com a medida que o PS propõe, mas também acho que ainda pode ir mais além, ser mais abrangente, com um imposto mais reduzido, tal como a AD propõe.

Aqui as medidas até são muito próximas, embora com fatores diferentes.

O alívio fiscal, por si, chega para reter o talento em Portugal?

Não. A diferença salarial de Portugal para outros países é tanta que não é pela diminuição do imposto que retêm um jovem, mas ajuda. É mais um incentivo. Claro que o jovem vai olhar para a proposta que é feita e vai olhar para o computo geral.

Agora, a realidade é que Portugal continua a ser um bom país para viver. Mas, há duas realidades para os jovens saírem de Portugal, que não é só o fator salarial, há também o fator mundo. Hoje em dia, quando se acaba o grau académico e se vai entrar na vida profissional, é naturalíssimo que os jovens queiram experimentar outras zonas geográficas. Tal como antigamente, dentro de cada país se vinha para as grandes cidades, agora vai-se para o mundo.

Obviamente que a diferença salarial tem alguma influência, até mais preocupante, porque é tão grande que impede o retorno. Essa é que é a preocupação que se deve ter para o futuro, que os jovens sintam o chamamento do retorno.

A AD propõem uma medida muito semelhante à que tinha sido apresentada pela CIP, um vencimento isento de impostos, na altura muito criticada por ser considerada uma borla fiscal, à custa da Segurança Social, por exemplo. Não se abre um precedente perigoso com esta medida?

Não. Aliás, entrou agora em vigor, em 2024, uma proposta semelhante de um salário, tem é um valor limite e restrições na aplicação, é uma proposta do PS. Pelo que se vê, a proposta da AD não terá essas limitações.

É uma medida muito interessante, pensando naquilo que é o incentivo quer ao trabalhador, quer à empresa, para atribuir algo mais em função dos lucros da própria empresa. No final do ano, verifica-se que houve um lucro que excedeu as expetativas e há a possibilidade de partilhar com os trabalhadores um pouco do retorno desse lucro.

Sem essa medida, esse benefício fiscal, essa partilha das empresas com os trabalhadores destes lucros, era praticamente "comido" pelos impostos e isso não deixava nenhum sinal positivo, nem para o trabalhador nem para a empresa. Nem era compensador o esforço de ambos os lados.

E como responde às críticas sobre a isenção fiscal e contributiva?

Discute-se que este prémio não vai entrar para a base contributiva, por exemplo. Não vai, porque é uma situação de exceção, em função do resultado da empresa e bem. Não tem de entrar. Mas é um incentivo para a produtividade das empresas, para o desempenho dos trabalhadores e isso tem de ser valorizado.

Outra questão que continua a dividir os partidos é a tributação dos lucros. Sabemos que, por princípio, é contra. Para o cidadão normal, não é difícil explicar que não sejam tributados esses lucros excessivos?

É muito fácil de explicar. As empresas existem para dar lucro. Se não derem lucro e não tiverem retorno dos seus investimentos, ninguém vai querer investir em determinadas atividades e empresas, não é?

A tributação dos lucros excessivos é redutora em relação a esse mesmo incentivo! Se trabalharam bem, se tiveram lucros, se tiveram o retorno daquilo que foi o investimento e o trabalho e as decisões que foram tomadas para obter esse rendimento excessivo, então vão ser tributadas.

Com todos estes pontos que enumerou, "compro" a sua teoria. Mas podem colocar-se outros. Se o mercado teve condições anormais que permitiram às empresas, sem nenhum esforço, nem nenhuma alteração, obter lucros de tal forma excessivos que para o cidadão e para o consumidor normal são difíceis de entender? Mantem a sua posição?

Mantenho a minha posição, embora perceba que existam situações muito particulares, como a energia. Tem a ver com bolsas de mercado, em que a própria energia foi comprada de acordo com preços, de onde derivou esses lucros excessivos. Aí, obviamente que não é o resultado do esforço da empresa e das suas decisões que resultam nesses lucros. Aí já posso equacionar uma exceção, porque não resultou do seu próprio esforço. No retalho já não é tanto assim.

Em relação à sua questão, então o contrário também é válido! Quando a conjuntura é negativa e essas empresas apresentam resultados negativos, o Estado tem de participar e eu também não concordo.

Embora isso também tenha acontecido, nomeadamente na banca, como sabemos.

Mas não é nos mesmos setores.

Mas acontece, quando o Estado intervém com apoios, linhas de crédito, etc.

Mas não deve. As empresas devem estar por elas. Não quer dizer que não possam existir incentivos e políticas fiscais que lhes permitam crescer e que permitam ter os seus desenvolvimentos, o seu investimento, a atração do mercado de forma livre. Agora, as empresas têm que crescer por elas, sem ajudas, e se têm ajudas têm que ser muito específicas, para setores que demonstram necessidades, ou transversais.

Os supermercados e as empresas de energia já pagaram as contribuições, em Setembro, mas as finanças ainda não divulgaram estes valores. É normal?

Sim. É uma forma de cálculo e deve estar a ser ainda verificado se o que foi tributado como lucros excessivos está ou não em concordância com aquilo que está a ser apurado.

Em Portugal tributa-se demais. Em relação ao património, quando temos rendimentos somos tributados, geramos poupanças, investimos e quando há uma venda desse património somos tributados, quando mantemos esse património, somos tributados e quando se morre somos tributados.

Na área da habitação, uma das medidas emblemáticas são os apoios ao financiamento com garantias estatais, para créditos até 100%. O risco não passa a ficar do lado do Estado?

Com 100% do empréstimo significa que, pelo menos, o imóvel vale aquilo. Não creio que exista um risco nesta medida. Eu acho que é uma medida muito positiva. Se olharmos para 20 ou 30 anos atrás, como é que os jovens dessa altura e as famílias adquiriram habitações? Porque o financiamento era a 100%?

Há há uma razão para ter acabado.

O risco. Porque houve uma bolha imobiliária em que a valorização dos imóveis estava a ser feita acima do seu valor real.

E uma acumulação de malparado.

E uma acumulação de malparado. Se calhar, não tanto nestes que foram avaliados da forma correta. Se calhar o malparado foi em circunstâncias que não são tão claras e transparentes.

As famílias portuguesas não têm assim tantas poupanças para poder ajudar os filhos a ter 20%, 30% ou 40%, como agora estava a ser exigido, para a entrada na compra de uma habitação, aos preços a que estão hoje em todo o país.

O financiamento a 100% é sem dúvida uma das medidas que pode ajudar os jovens a ficar em Portugal, por exemplo, porque têm a capacidade de poder ter uma habitação e, com isso, ter condições que lhes permita manterem-se em Portugal.

Desde que o risco também seja bem calculado?

Sim, calculado sobre o imóvel e sobre o valor do imóvel. Não é expectável que os imóveis baixem os valores nos próximos anos. Podem não subir como subiram ou podem ter ali uma descida ligeira, mas não é expectável que desçam, a não ser que exista outra vez uma bolha imobiliária.

Ainda na habitação, o que é que se poderia fazer mais, onde pode ou deve o próximo governo mexer?

Claramente, há um défice de habitações, há necessidade de haver mais construção para haver mais oferta.

Por outro lado, perderam-se ao longo destes últimos anos medidas de habitação jovem. Volto a dizer, e olho muito para a altura em que era uma jovem e o que contribuiu para que pudéssemos construir uma família, ficar em Portugal, foram precisamente as medidas de habitação jovem, os 100% de financiamento, o crédito bonificado. Isso foi-se perdendo ao longo destes últimos 30 anos. É preciso recuperar.

A AD diz no programa eleitoral que vai reverter as decisões do anterior governo sobre o alojamento local. Já sobre os vistos gold e os residentes não habituais, assume uma posição crítica, mas sem concretizar medidas. Isto não é confuso para os investidores?

Acho que era mais favorável ter no programa medidas claras.

Estamos a falar da AD e do PS, os dois partidos que, à partida, reúnem as melhores condições para vir a governar. Claro que estas medidas são as mais olhadas por todos os investidores, mas só depois da concretização das medidas é que os investidores confiam, porque promessas eleitorais não quer dizer que sejam concretizáveis.

Concordo e sou favorável aos vistos gold. Sou favorável aos residentes não habituais, porque não acho que seja isso que retire as habitações, retira se calhar as de luxo, sim. É para um nicho de mercado, mas não é por isso que os jovens não têm acesso à habitação. Acho pior os fundos imobiliários, que terão muito mais habitações e que vão a todo o tipo de habitações, do que o visto gold ou os residentes não habituais, que originaram que a habitação acabasse por ficar mais escassa.

Sabemos que outros países da Europa ficaram extremamente contentes com o facto do modelo dos residentes não habituais deixar de existir em Portugal. Eles vêm para Portugal porque esta é a forma de serem atraídos e contribuem com alguma coisa, caso contrário não viriam para Portugal.

À esquerda há quem defenda um imposto sobre heranças e doações. O líder do PS ainda não se comprometeu com uma posição. Este é um novo imposto ou uma alteração?

Já existiu imposto sucessório durante muitos anos em Portugal. Quando foi alterado e foi feita toda a reforma do património, esta tributação passou a ficar no âmbito da incidência do imposto de selo e passou a haver uma isenção total deste imposto em heranças. É o que vigora atualmente. Creio que já acabou há mais de 20 anos o imposto sucessório em Portugal.

Porque é que este imposto sucessório terminou? Porque havia algumas injustiças na tributação, por exemplo, entre cônjuges. Um casal vive numa casa, entretanto um deles morre, o outro tem de pagar um imposto para continuar a habitar na sua própria casa. Se não tiver esse dinheiro, pode ter que vender a habitação onde está para pagar o imposto.

É preciso ter cuidado a mexer nestas regras. Enquanto algumas são extremamente favoráveis, outras são injustas. Mesmo se tiver uma segunda habitação, uma terceira habitação, coisas que herdaram de pais, terras, o que quer que seja, vão ser tributadas quando já são dos próprios.

Poderá ser diferente para filhos, outro tipo de herança ou o beneficiário ser outro.

Mas, por princípio, é favorável à existência deste tipo de impostos, apesar de recomendar bom senso?

Em Portugal tributa-se demais. Não quer dizer que nos outros países da Europa não se faça. Mas, em relação ao património, quando temos rendimentos somos tributados, geramos poupanças, investimos e quando há uma venda desse património somos tributados, quando mantemos esse património, somos tributados e quando se morre somos tributados.

Como se costuma dizer em tom de brincadeira, somos tributados porque sim e porque não.

Pronto.

Acho que tal como está o imposto agora, o sucessório, que é imposto de selo, está mais correto, porque senão origina uma coisa que as pessoas não se podem esquecer quando enveredarem por esse caminho, que é, por exemplo, a habitação acabar por ter que ser vendida. Para filhos que herdem uma habitação, a probabilidade de terem que vender porque têm de pagar o imposto é muito maior. Leva a que os imóveis vão parar às mãos de fundos estrangeiros e deixem de estar na mão de portugueses.

O objetivo dos impostos verdes é mudar comportamentos. Mas, o objectivo final em Portugal se calhar é mais arrecadar o imposto do que, propriamente, ter este benefício.

Outra medida polémica, e o líder do PS, Pedro Nuno Santos, também ainda não esclareceu qual é a sua posição, é o englobamento de todos os rendimentos no IRS. O último governo socialista tinha incluído a alteração no programa eleitoral e contava com o apoio do BE e do PCP. Quem é que beneficiaria com esta mudança tão drástica?

O Estado beneficiaria, porque ia cobrar mais impostos!

As taxas liberatória, as especiais, existem por alguma razão. Por exemplo, em relação a investimentos, as taxas especiais de 25%, 28%, tem a ver com uma equivalência a investimentos ocasionais, isto é, dividendos, acções. Tudo isso tem a ver com dinheiro gerado, já tributado, que vai ser reinvestido. Tem uma tributação como teria numa empresa, numa atividade que gerava esse investimento.

As taxas do IRS gerais, e quando há englobamento, podem chegar a valores muito elevados, a 50%. Se todos os rendimentos forem englobados, o que vai acontecer é que vai inibir determinados investimentos.

É contra?

Sou contra. Aliás, acho que a categoria B devia ter uma taxa especial também e não ser englobado.

Ausente dos programas eleitorais continua também a tão reclamada reforma dos benefícios fiscais. É uma oportunidade perdida ou não era realmente urgente?

É urgente. Há benefícios fiscais importantes e que não se podem deixar cair. É preciso revê-los, alguns já têm alguns anos, muitos caducam de cinco em cinco anos e é necessário fazer uma revisão profunda.

Sou favorável a benefícios fiscais, é uma medida mais à esquerda, mas concordo porque faz a distinção entre as empresas. Se as empresas capitalizam ou fazem investimentos com capitais próprios, devem ter algum benefício fiscal em retorno desse esforço. Diferencia as empresas nas suas opções.

Essa é uma das explicações de Pedro Nuno Santos para não defender uma descida tão grande de IRC, porque diz que em determinadas circunstâncias as empresas já têm benefícios fiscais, o que quer dizer que a taxa que depois realmente pagam é abaixo do que está previsto na lei.

Exacto.

Mas era absolutamente necessário fazer esta reforma?

É necessário fazer uma reforma, olhar para todos os benefícios fiscais, ver a que atividades é que se aplicam, quem é que fica abrangido e fazer uma seleção, se calhar até melhorá-los e não ter tantos benefícios fiscais.

Claro que isto é muito bom para os contabilistas certificados, que são os únicos que acabam por dominar esta matéria. Os benefícios fiscais não são muito perceptíveis e deviam ser simplificados, para que fossem mais fáceis de apreender por um empresário que queira tomar ou fazer determinadas opções, para que não sejam tão técnicos.

Também seria necessária uma reforma fiscal mais alargada, nomeadamente, para acabar com a multiplicação de taxas e taxinhas?

Nós temos uma fiscalidade muito complexa. É muito bom para os contabilistas certificados, para os consultores fiscais e para os advogados.

Um dos códigos mais difíceis é o do IRS, que é o que deveria ser mais fácil de apreender por todos. Em Portugal nunca somos muito simplificadores nestas matérias, os nossos códigos são extremamente confusos e eu fico sempre muito assustada quando se quer simplificar, porque normalmente não se simplifica, complica-se.

Temos ainda uma quantidade de obrigações, burocracia, que não tendo directamente a ver com tributação, também está muitas vezes vertida em códigos fiscais e na legislação fiscal, e que traz muitas complexidades para as decisões que as empresas têm que tomar.

Esses sacos mais pequenos, da fruta e do pão, já são mais difíceis de substituir. Passa a ser quase um custo (o IVA), porque não se consegue ter medidas ou que o consumidor tenha medidas alternativas.

Em 2022, a fiscalidade verde rendeu mais de 12 milhões de euros por dia ao país, segundo o INE. Apesar de ter descido o ISP, Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos. Portugal é um dos que mais cobra nesta área. Há aqui margem para alívios, nomeadamente no automóvel e no combustível?

O objectivo dos impostos verdes é mudar comportamentos, para trazer melhorias ambientais. Mas, na prática não é bem assim. O objectivo final em Portugal se calhar é mais arrecadar o imposto do que, propriamente, ter este benefício.

A tributação e os impostos verdes devem ser aplicados, precisamente, para mudar comportamentos, mas só para isso. Porque quando falamos que estes impostos atingiram determinados montantes, é em dois ou três impostos, não é na quantidade de impostos verdes que existem. Estão tipificados e é sobretudo em ISP.

Há que ter aqui um equilíbrio, porque isso é claramente um imposto e não é um imposto para mudar comportamentos.

Uma medida que tem andado em sucessivos avanços e recuos é o IVA sobre os sacos plásticos leves, aqueles da fruta e do pão. Acabou adiada e ninguém fala dela, é por não ser popular e estarmos agora em eleições?

Não acho que seja impopular, acho é que é difícil de implementar. Nós, que fazemos compras, percebemos que o custo de um saco teve efeito. Hoje em dia, a maior parte dos portugueses já leva sacos quando vai às compras e já evita comprar. É uma medida que todos conseguimos avaliar que teve impacto.

Esses sacos mais pequenos, da fruta e do pão, já são mais difíceis de substituir ou de quem vai às compras levar na sua mala algo alternativo para trazer esses bens. Isso talvez justifique estes adiamentos, porque é difícil de contornar essa aplicação e passa a ser quase um custo, porque não se consegue ter medidas ou que o consumidor tenha medidas alternativas. É mais difícil.

Mas acredita que deve ser para avançar?

Acho que é para avançar. Todos temos a experência dos sacos de maior dimensão e reconhecemos o resultado.

O Estado anda a devolver, finalmente, o Imposto de Circulação, IUC, cobrado a mais nos carros importados em segunda mão. Ainda assim, não são conhecidos todos os dados das correções, desde 2020. Não devia haver mais transparência também na máquina fiscal?

É um dos grandes problemas de Portugal. Eu sou muito crítica em relação à Autoridade Tributária nesse aspeto. O Estado é uma pessoa de bem, o Estado deve dar o exemplo e tem de ser irrepreensível.

Por vezes há dúvidas e há interpretações diferentes mas, quando as situações estão perfeitamente clarificadas, quando o Tribunal da União Europeia já se pronunciou sobre isso, quando as situações já estão enquadradas da forma correta, a Autoridade Tributária não as respeitar é não cumprir a lei. Uma entidade com "Autoridade" no nome, não pode fazer isso!

Se um de nós não cumprir a lei em função daquilo que é exigido pela Autoridade Tributária, percebe clara e rapidamente o que lhe pode acontecer, no caso contrário, nem sempre isso acontece.

É verdade e isso leva a uma desconfiança enorme na relação entre os contribuintes e o Estado. e a um sentimento de injustiça enorme.

Ao longo destes seis anos que estou à frente da Ordem temos conseguido aprovar muita legislação que salvaguarda muito essas injustiças. Mas, não teriam sido necessárias se a Autoridade Tributária tivesse um papel justo e correto.

Muitas vezes, o contribuinte diz que prefere fugir aos impostos porque este país não lhe dá confiança. Não é o país, se calhar é o sistema e a própria Autoridade Tributária. Melhorou muito, mas ainda está longe de ser perfeito. A Ordem dos Contabilistas Certificados tem sempre diferendos com a AT.

Por exemplo?

Há uma norma na Lei Geral Tributária, que obriga a disponibilização do formulário para entrega do IRS com 120 dias de antecedência, a AT não cumpre o que está na legislação. Isso é para mim inaceitável. Uma Autoridade a não cumprir a lei não pode depois transmitir aos contribuintes a obrigação do cumrimento dessa mesma lei.

Veja-se, por exemplo, a tributação das mais valias para os não residentes. Já havia jurisprudência no tribunal, já havia instruções internas, inclusivamente, e a Autoridade Tributária continuava a não aplicar a tributação com a isenção dos 50%.

Tem a ver com a necessidade de apresentarem resultados na arrecadação de receita?

Tem a ver com não haver a preocupação com os contribuintes e com os serviços prestados.

Tendo em conta que os contabilistas enfrentam a vários níveis a máquina do Estado, que avaliação faz da qualidade do serviço público que temos em Portugal?

Acho que o serviço público está muito aquém das necessidades dos contribuintes e isso cria um problema enorme com aquele desconforto que nós ouvimos todos os dias, numa conversa de café: não quero ter problemas com a Segurança Social ou não quero ter problemas com a Autoridade Tributária.

Não existe o verdadeiro serviço público. Estou a generalizar, obviamente que existe muita gente a trabalhar na Autoridade Tributária que é exemplar, tal como na Segurança Social. Mas, também existe ainda muito a ideia daqueles lugares que têm muito aquele pequeno poder instalado, em que não se preocupam com a justiça e com a aplicação das leis, mas sim com perturbar ou exigir e quase condicionar os contribuintes em determinadas matérias. E isso é que não pode acontecer.

Quando as situações estão perfeitamente clarificadas, quando o Tribunal da União Europeia já se pronunciou e as situações já estão enquadradas da forma correta, a Autoridade Tributária não as respeitar é não cumprir a lei. Uma entidade com "Autoridade" no nome, não pode fazer isso!

O Expresso avança esta semana que só duas empresas reportaram operações com criptomoedas ao fisco. Em causa está o pagamento do imposto de selo. Foram declarados cerca de 200 milhões em transações, quando a expetativa era que ultrapassassem os 30 mil milhões. O Estado não está a conseguir tributar esta receita?

É uma tributação recente, não ficou muito clara toda a forma de tributação e nem tudo é tributado. Se calhar em Portugal há criptomoedas que passam mas que não são efetivamente realizadas cá e não estão no âmbito da tributação. É preciso uma boa investigação.

Aí sim, nessas situações perfeitamente identificadas, deve-se actuar. Não é aplicar normas transversais a todos, que apanham vários contribuintes desprevenidos e não se vai buscar receita nenhuma.

A entrega do IRS só começa a 1 de abril, mas já sabemos que este ano há novidades. Por exemplo, há mais contribuintes abrangidos pela declaração automática. O que é que muda, afinal?

Houve aqui um alargamento para a categoria B, para aqueles que passam recibos verdes, e só mesmo para esses. Não estavam abrangidos pela declaração automática e, estando no regime simplificado, têm rendimentos da categoria B.

Claro que o IRS automático pressupõe uma série de tarefas prévias, como temos agora a validação das faturas, cujo prazo termina agora dia 26, segunda-feira.

Os recibos verdes já lá estavam. O alargamento do IRS automático aos recibos verdes e aos rendimentos da categoria B é uma boa medida.

Os contabilistas lidam muito de perto com os empresários nacionais. Já sentiu em algum momento o impacto da chamada bazuca, do PRR?

Não, não se tem sentido minimamente.

Como é que isso se explica? Não era suposto estar a começar a sentir-se?

Todos tínhamos consciência que o PRR tinha uma forte componente pública. Ainda assim,depois da contratação dos serviços às empresas portuguesas e serviços portugueses, haveria ou devia sentir-se esse valor, mas não se sentiu até hoje a bazuca.

O que quer dizer que alguma coisa não está a funcionar bem?

Alguma coisa não está a funcionar bem. Aliás, as percentagens da execução continuam muito baixas.


Comentários
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  • António dos Santos
    24 fev, 2024 Coimbra 14:27
    Deve estar a referir-se ao comum dos portugueses. Pois as empresas com a vossa conivência (IRC) fazem engenharia financeira escondem os lucros. Isto acontece por responsabilidade e cumplicidade das finanças.
  • Antonio Fernandes
    24 fev, 2024 Alverca 14:25
    Já critiquei o programa pela entrevista/campanha eleitoral ao ministro das finanças. Porém, os últimos convidados têm sido muito interessantes. Bem hajam pela escolha!
  • Luiz
    24 fev, 2024 Lx 09:30
    Isso são os Portugueses, a Bestanaria sabe como fugir aos impostos!

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