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Rally de Portugal

Rui Madeira e o Rally de Portugal: "Vai ser muito competitivo. O tempo vai ajudar, vai ser excelente"

09 mai, 2024 - 09:35 • Carlos Calaveiras

Antigo vencedor do Rally de Portugal, em 1996, aposta em Kalle Rovanpera para a triunfo na prova este ano e revela, na Renascença, que ainda tentou participar uma última vez. "Não foi possível porque os custos são enormes".

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Começa esta quinta-feira o Rali de Portugal com um plantel de luxo nas estradas. São sete os antigos vencedores (Elfyn Evans, Thierry Neuville, Kalle Rovanpera, Ott Tanak, Sébastien Ogier, Kris Meeke e Armindo Araújo) e três campeões do mundo (Sébastien Ogier, Ott Tanak e Kalle Rovanpera). A Renascença falou com Rui Madeira, um histórico dos ralis que ainda tentou voltar à prova mítica este ano, mas a quem faltaram os apoios suficientes, ele que carimbou o seu nome na lista de vencedores (1996) e que deixa uma aposta para 2024: Kalle Rovanpera.

O Rali de Portugal 2024 apresenta sete antigos vencedores e três campeões do mundo. É um elenco de luxo.
Sem dúvida nenhuma. Há reforços de peso na lista de inscritos. À partida não seria previsível, em face da decisão do Kalle Rovanpera e do Sebastien Ogier não fazerem o campeonato completo, mas o que é certo é que a Toyota traz a armada toda e a Hyundai também, com o Dani Sordo. Vai ser um Rali muito competitivo. Em relação à luta pela vitória acho que vamos ter uma prova muito boa de acompanhar. Vai ser um Rali excelente e o tempo vai ajudar e, portanto, temos todos os condimentos para ter uma excelente prova.

São nove carros oficiais. A Toyota parece vir com as armas todas.
Exatamente. A Toyota vem com as armas todas. Também a Hyundai tem um carro melhor que no ano passado, o que terá obrigado a Toyota a chamar dois reforços de peso, com o Ogier e o Rovanpera, dois pesos pesados, para conseguir controlar o campeonato do mundo de construtores, que é o grande objetivo da Toyota. A Hyundai também tem um reforço de peso – o Dani Sordo.

Se tivesse de apostar num favorito, quem seria?
Vou apostar no Kalle Rovanpera. Foi o vencedor das últimas duas edições. Diz o ditado que não há duas sem três. Acho que poderá ser entre ele ou o Ogier. Mas vai depender muito da primeira etapa. No ano passado houve uma grande surpresa, o Rovanpera foi a abrir a estrada e chegou ao final de Arganil e à frente. Mesmo partindo de trás, numa situação de desvantagem, conseguiu ganhar. Ele gosta muito do Rali de Portugal, tem uma aptidão para a nossa prova e vai pensar em ganhar, como fez no Rali Safari, em que fez um rali à parte dos outros pilotos.

Há alguma classificativa que possa ser decisiva ou vai ser um rali equilibrado até ao fim?
Depende de muitos fatores e depende do primeiro dia, que vai ser um dia de lotaria, com mais uma classificativa. Vai haver dois rounds em Mortágua, Lousã, Góis e Arganil e a segunda passagem pode ser muito demolidora. Prevê-se muito calor e o fator pneus e o fator resistência dos carros e a forma como vão abordar essas oito classificativas na sexta-feira poderá fazer a diferença. De qualquer das formas, a classificativa maior do Rali será Amarante, uma classificativa muito extensa, com grande variedade de pisos, e na segunda passagem costuma dar volte face nas classificações, será a classificativa que poderá decidir.

Entre os portugueses, o Armindo Araújo é o que provavelmente terá as melhores condições. Tem um carro na segunda categoria [WRC2), que tem dezenas de inscritos. Ganhar a sua categoria e um top 10 final é realista?
Será muito difícil porque há pilotos no WRC2 muito bem apetrechados. No primeiro dia, as classificações contam para o campeonato nacional e o ano passado foi o Ricardo Teodósio o primeiro classificado, mas no global do Rali costuma ser ele o melhor português. Tem a vantagem de ter muita experiência, normalmente o Rali sai-lhe muito bem, tem uma excelente equipa, não basta só o piloto e o navegador, é preciso ter uma grande estrutura e a Hyundai parece-me que é o melhor carro do WRC2. Mas vêm muitos pilotos, há concorrência feroz que já conhecem o Rali de Portugal e vão andar da melhor forma possível.

Com tantos WRC [9 da categoria principal] será mais difícil um top10, mas um lugar nos 20 primeiros pode ser bem possível, mas depende muito do que vai acontecer em termos de desistências e vai depender também da forma como ele vai encarar a prova. Passando a primeira etapa não faz sentido defender só o melhor português na classificação, mas andar um bocadinho mais depressa e brindar os espetadores portugueses com um andamento mais forte, mas há outros pilotos que vão fazer o mesmo e vai ser preciso um bocadinho de sorte.

Há algum jovem que esteja a despontar que possa ser o próximo “Rui Madeira”?
Há uma aposta cada vez maior dos pilotos mais jovens nos troféus, o troféu Peugeot, o troféu Toyota onde surgem pilotos novos, sobretudo em Espanha. Em Portugal, infelizmente, não tanto. Temos pilotos jovens como o Gonçalo Henriques – que é campeão em duas rodas motrizes -, um piloto com 26 anos – já começa a ser tarde – mas temos um outro que está a começar agora, que é o Rafael Rego, que tem 18 anos, mas já com uma longa experiência no rali-crosse. Tem de se começar por essas idades porque hoje em dia já se chega ao Campeonato do Mundo com 19 anos com muita experiência de provas. Nunca devemos perder a esperança que isso venha a surgir, mas realmente a cultura em Portugal em relação ao Motorsport não é a que deveria ser, deveria haver mais apoios, que não têm surgido e, assim, torna-se muito difícil surgirem novos valores, até porque este é um desporto caro e tem de haver um conjunto de fatores que apoiem jovens.

É de louvar que a Federação está a fazer há três anos o FPAK Júnior Team. O Gonçalo Henriques é um desses pilotos, temos também o Hugo Lopes, que estão a conseguir ganhar categorias e provas, mas o importante é começar pelas bases e começar os pilotos muito jovens para que daqui a uns anos possamos ter alguém num campeonato do mundo. Sabemos que é um bocadinho utópico neste momento, mas não quer dizer que no futuro não venha a surgir esse apoio aos bons valores, que depois precisam de meios para acompanhar. Não temos a cultura de Espanha ou da Finlândia, que apoiam fortemente este desporto, mas esperemos que isto mude.

Na Fórmula 1 há uma equipa (a Red Bull) que tem dominado. Entre as marcas principais dos Ralis (Toyota, Hyunday, Ford) há diferenças substanciais? Ou por exemplo há carros que se dão melhor em terra ou no asfalto por exemplo?
Neste momento é muito equilibrado. O ano passado havia algum desequilíbrio da Toyota em relação à Hyundai. Sobretudo nas provas de terra, a Toyota fazia diferença. Este ano tem-se notado uma grande evolução da Hyundai e o campeonato está mais equilibrado. Já houve vários pilotos a ganhar. Já ganhou o Ogier, o Rovenpera, o Neuville, o Lappi, vários pilotos da Toyota e Hyundai que têm ganho entre eles e nota-se que há uma grande igualdade de meios.

Evidentemente que o campeonato ainda vai muito no início e vão surgir provas novas no Campeonato do Mundo, que poderão fazer a sua diferença. Vamos ver o que nos espera, mas nos ralis continua a não haver nenhuma marca totalmente dominadora, tem sido muito repartido.

O público em Portugal é muito entusiasta, mas de quando em vez há notícia de acidentes com pilotos ou público. Nos últimos anos a segurança tem vindo a ser uma preocupação das organizações. Imagino que seja importante para os pilotos sentirem essas condições de segurança para poderem arriscar?
Sem dúvida nenhuma. É de louvar essa atitude de todos os organizadores, em consonância com a própria FIA. É feito um caderno de encargos para todas as provas que nada tem a ver com antigamente. As exigências são muito grandes. Aquelas loucas imagens dos anos 80, a ver as pessoas perto dos carros a fotografar, deixou de ser possível. Os fãs podem estar perto da emoção, mas longe do perigo. É esse o diapasão pelo qual se tem regido a FIA e em Portugal – e a nível mundial - os adeptos já se conseguem comportar de forma digna e só assim poderá haver espetáculo.

E mesmo para a transmissão televisiva, as “super-especiais”, em circuito fechado, facilitam. As pessoas estão em segurança na bancada, veem a corrida toda e não só aqueles dois segundos em que o carro passa.
Nesse aspeto tem havido uma grande melhoria e, para haver espetáculo, cada vez mais será o futuro as super-especiais. É necessário que haja televisão e que o público esteja perto, com boas classificativas. E sem dúvida nenhuma que um espetáculo como Lousada, que faz as delícias do público e dos pilotos, cada vez é mais importante para chamar mais patrocinadores e para divulgação da modalidade. E são etapas muito menos arriscadas para pilotos e espetadores verem um bom espetáculo.

O Rui Madeira foi campeão do mundo na classe produção em 1995, ganhou o rali de Portugal em 1996, foi cinco vezes o melhor português, fora todas as outras provas. Curriculo impressionante… que destaca?
Sem dúvida que o título mundial FIA, que foi o primeiro em Portugal. Na altura difícil, diziam que era uma utopia tentar. O certo é que não se deve desistir dos nossos sonhos. Estávamos na equipa certa na hora certa – sem isso nada se consegue – mas sem dúvida nenhuma que o Rali de Portugal faz parte do nosso currículo e daquilo que nos orgulhamos. Jogávamos em casa, estávamos perto dos nossos adeptos e proporcionar espetáculo. Sem dúvida nenhuma que fica sempre na nossa memória os bons momentos do Rali de Portugal, no tempo áureo dos ralis, com McRae, Makkinen, Kankunen, Sainz, aqueles pilotos com quem lidámos. Não são melhores nem piores que os que hoje em dia disputam as vitórias no Mundial.

Mas há diferenças
Os meios não eram os mesmos, os carros são muito mais desenvolvidos, há muito mais eletrónica, muito mais ajudas tecnológicas aos pilotos. Contudo, fazendo um balanço é sempre um Rali que ficará entre as boas recordações. O Rali de Portugal acaba por ser uma festa, um evento não só a nível turístico, mas também de projeção do nosso país além fronteiras

Mais de 30 anos de carreira e ainda anda por aí nas corridas. A adrenalina não se esgotou. Está para durar o Rui Madeira piloto?
Não sei. Este ano já vamos na terceira participação e enquanto tiver ambição que posso ser competitivo e que terei gosto, lá estarei. A partir do momento que não sentir capacidades, é altura de abandonar. Este ano ainda tenho algumas provas para fazer, o futuro logo se verá, mas em termos competitivos a maioria será em provas ‘Legends’. Teremos de ver com os patrocinadores, que terão sempre a última palavra. Inclusivamente estive quase para participar no Rali de Portugal este ano – uma última participação – mas não foi possível porque os custos são enormes e porque eu acho que neste momento os pilotos portugueses não têm o retorno de outros tempos.

Há um caderno de encargos por parte da FIA em termos de comunicação em que 99% do tempo televisivo é destinado ao WRC e os pilotos portugueses há uma grande diferença de retorno mediático e quando se anda no 20.º lugar os 25.º, com as dificuldades que se tem para acompanhar os pilotos que disputam o Campeonato do Mundo, é muito difícil termos retorno ou darem-nos o valor por aquilo que estamos a fazer. Esse é um dos fatores que eu acho que não faz muito sentido, o Rali de Portugal fazer parte do campeonato nacional. É verdade que faz só uma etapa, mas a projeção podia ser como antigamente, que era: dar destaque aos nossos pilotos durante todo o Rali e haver um pouco mais de tempo de antena, que eles também merecem

Permita-me a brincadeira, o Rui Madeira ainda daria luta aos pilotos de topo de hoje?
É muito difícil. Estes novos carros do WRC que disputam vitórias requerem adaptação. São carros com muita tecnologia e seria difícil acompanhar. Eles fazem milhares de quilómetros, conhecem os carros e têm de conhecer para conseguir arriscar e seria impensável poder acompanhar um piloto desse nível. Não é que me chame velho, mas teria de ter uma atividade muito maior e 100% focado nessa atividade e neste momento não tenho essa possibilidade, mas requeriria muito trabalho. Neste momento seria utópico achar que algum português poderia chegar lá – mesmo com todo o mérito que possam ter – e acompanhar estes nove pilotos que estão no WRC.

Cresci com nomes como a Michelle Mouton, Mikkola Marko Allen ou Miki Biasion, Sainz, McRae. Seriam sempre pilotos de topo, mesmo hoje em dia?
Seriam, seriam, sem dúvida nenhuma. Os ralis antigamente faziam classificativas de 50/60 quilómetros, hoje em dia as classificativas maiores têm 38/40 máximo dos máximos e o Rali de Portugal chegou a ter 1000 quilómetros de classificativas, neste momento ter 330 quilómetros, é um mini-rali do Europeu. São situações completamente distintas. Os pilotos antigamente vinham treinar durante uma semana, às vezes 10 dias não chegava para passar as classificativas e neste momento têm um plano de treino que é muito rigoroso, com controlo de passagens e velocidade limitada. Chegam a Portugal, segunda-feira fazem o teste, terça e quarta estão a treinar as classificativas todas do Rali – apenas dois dias – e quinta-feira estão a fazer o shakedown e a preparar-se para o Rali. É tudo muito curto, o espetáculo é todo ele muito mais controlado. As classificativas também são todas arranjadas, coisa que no passado não era assim. Os pilotos hoje em dia arriscam, mas não tanto como no passado.

A 57.ª edição do Rali de Portugal decorre entre 9 e 12 de maio e abre a fase de terra europeia do campeonato. O percurso tem um total de 1.690,12 quilómetros de extensão e 337,04 quilómetros cronometrados, distribuídos por 22 classificativas. O ponto de partida é a Figueira da Foz e termina em Fafe.

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