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Basquetebol

Carlos Barroca e os 10 anos na NBA. "Se pode acontecer comigo, pode acontecer com qualquer um"

26 abr, 2024 - 10:35 • Carlos Calaveiras

O antigo comentador televisivo não tem dúvidas: "Foi um percurso absolutamente incrível com gente de toda a Ásia. Que isto sirva para motivar outros, sejam treinadores, sejam dirigentes, sejam atletas. ‘Amigos, querem? Vão à luta’". Barroca fala a Bola Branca de NBA, de Neemias Queta, da seleção, do seu futuro, do basquetebol português e até da condecoração que recebeu.

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Carlos Barroca está de regresso a Portugal depois de 10 anos a espalhar a magia da NBA na Ásia. Na semana em que começaram os "play-offs" da NBA, o ex-jogador, treinador e comentador falou à Renascença sobre o campeonato norte-americano de basquetebol, mas também sobre Neemias, o primeiro português a chegar ao melhor basket do mundo, e de Prey, o miúdo "lutador" que lhe pode seguir os passos. E, aos 65 anos, que projetos ainda tem Barroca em Portugal? Vem aí um livro para crianças, mas as portas estão abertas a liderar bons projetos, assim que conseguir regularizar os fusos horários.

Os “play-offs” da NBA estão aí. Há pelo menos uma grande surpresa com a eliminação dos Golden State Warriors.
Já houve, de facto, uma surpresa: os Golden State ficam de fora e os Lakers garantiram o apuramento num jogo muito difícil sobre New Orleans. Como todos os anos, é talvez a maior qualidade que o campeonato da NBA tem, é que – como diz a expressão - ‘venha o diabo e escolha’ porque entre as 16 equipas que vão estar no play-off, eu diria que quase todas podem aspirar a ser campeãs. Claro que quem terminou a época numa posição mais alta, tem a vantagem de mais um jogo em casa, mas, com a qualidade de jogadores que todas as equipas têm é uma vantagenzinha, não é uma grande vantagem.

E se lhe pedisse um prognóstico para a final...?
Todas podem sonhar, mas é evidente que as mais qualificadas da fase regular têm mais vantagem. Os Denver Nuggets são os campeões e têm de estar no rol dos candidatos ao título, mas Oklahoma surpreendeu tudo e todos, os Timberwolves fizeram uma temporada fantástica, isto do lado do Oeste. Do lado do Este, os Knicks inacreditavelmente acabaram no segundo lugar apesar de algumas baixas por lesão. Na frente, os Boston Celtics, possivelmente com um dos melhores plantéis da Liga. Os candidatos ao título são só os dois primeiros de cada lado? Nem pensar. Pode-se descer na lista até ao quinto/sexto lugar e quase dar a mesma percentagem de favoritismo.

Vão ser uns play-offs de encher as noites dos fãs com os melhores jogadores do mundo e os melhores treinadores em pavilhões cheios. Vai ser mais uma época memorável.

Em muitas situações da vida – nem sempre bem – diz-se “no meu tempo é que era bom”. Se tivermos como referência o Dream Team (1992) com o Magic, o Jordan, o Bird, por exemplo. Como é que essa equipa compara com um LeBron, um Durant, um Curry, os craques da atualidade?
É impossível comparar tempos diferentes. Os jogadores são diferentes, as técnicas são diferentes, as qualidades atléticas são diferentes, o próprio jogo é diferente. Em 1992, o Dream Team foi a primeira vez que se aceitou uma equipa profissional e dizia-se que o Pierre de Cobertein dava voltas no caixão por trazerem uma equipa profissional norte-americana para os Jogos Olímpicos. Há muito tempo que muitos países, nomeadamente os países de Leste, todos os atletas de todas as modalidades eram profissionais. Finalmente, lembraram-se de acabar com a mentira de que não eram profissionais os atletas que participavam nos JO e passaram a permitir que isso acontecesse.

Respondendo à pergunta, o jogo nunca ficou pior ao longo dos anos. O Michael Jordan acabou de jogar e a Liga continuou a crescer, Larry Bird deixou de jogar e a Liga continuou a crescer, o Kobe Bryant morreu e já tinha deixado de jogar e a Liga não deixou de crescer por causa disso.

Na década de 80/90, quando havia um All Star Game, vários jogadores não eram conhecidos, não havia redes sociais, não havia propaganda à volta dos jogadores e vinham 24 jogadores ao All Star Game e metade não os conhecíamos. Hoje a pergunta é exatamente ao contrário. Há um All Star Game e há mil perguntas sobre a falta desde ou daquele jogador. Nunca houve tanto talento. A injeção de talento internacional na NBA, que hoje contribui com 125 atletas, fez com que os jogadores que estão no banco sejam cada vez mais qualificados, para não falar dos titulares e dos que estão na rotação. Hoje a Liga tem competências em termos de talento para jogar como nunca teve.

E esta seleção que vai aos JO podemos dizer que é o Dream Team 2024. Agora, que não se convençam – porque isso aconteceu recentemente no campeonato do mundo – não é ‘chegar, ver e vencer’. Esta hegemonia do basket norte-americano há muito que terminou. É preciso chegar lá com os melhores jogadores e jogar de maneira que dê para ganhar. Nas últimas décadas, o basquetebol mundial cresceu tremendamente. Jogadores bons há em qualquer país do mundo e o basquetebol está a crescer.

Para além de ser um campeonato de excelência, há agora mais uma razão para os portugueses verem os jogos da NBA. O português Neemias Queta está a fazer o seu caminho. E depois de duas épocas nos Sacramento Kings (na verdade, mais na equipa B), eis que está agora nos míticos Boston Celtics a conseguir jogar, a fazer pontos e ressaltos.
Sou um admirador do Neemias Queta e admirador do seu caráter, da sua personalidade, da sua forma de estar. É um miúdo espetacular, extremamente positivo e o facto de ter 2.13 metros e qualidades atléticas notáveis. O percurso dele é o percurso certo. Ele não é um All Star, mas tem as qualidades para encaixar onde for preciso. E este ano, a opção de ir para Boston é um paradigma porque ele está, possivelmente, a jogar na melhor equipa da NBA – uma das equipas que mais possibilidades tem de chegar ao título porque tem um plantel fantástico. E ele, sempre que solicitado – porque tem crescido como jogador – mais confiança, mais forte atleticamente – ele é super simpático e os colegas adoram-no – cada vez que é utilizado, ele traduz em pontos, ressaltos, desarmes de lançamento e outras coisas que não aparecem nas estatísticas públicas aparece sempre com números interessantes proporcionais aos minutos que joga. Nos últimos jogos, jogou mais minutos, estabeleceu recorde de pontos, recorde de desarmes de lançamento (6).

Ele está no sitio certo, na altura certa, com o corpo certo, com as qualidades certas e as pessoas gostam dele. O que é que isto dá? Acabou de assinar contrato com a equipa, a equipa tem opção de revalidar ou não revalidar para a próxima temporada, mas aconteça o que acontecer, o Neemias está entre aquelas centenas de jogadores que são jogadores da NBA, ele tem o caminho aberto e as qualidades certas para estar onde está e ter sucesso.

Vai ser na NBA?
Mesmo que ele não esteja na NBA, seguramente que haverá equipas no mundo inteiro que desejam ter um poste como o Neemias. Aquilo que é mais importante é que ele seja feliz, se possível esteja entre os melhores do mundo, que ganhe muito dinheiro, que ajude a sua família e tudo o que podemos desejar é que ele jogue mais minutos porque se ele jogar mais minutos, de certeza que vai continuar a provar que pertence à elite do basquetebol mundial.

Há algum miúdo perto deste potencial? Fala-se muito do Rúben Prey, por exemplo
Fala-se muito do Rúben Prey, e justamente. É um jogador extremamente interessante. Do ponto de vista de anatomia é um gigante, tem uma raça tremenda, é um lutador. tem ainda coisinhas para moldar do ponto de vista técnico, qualidade de tiro, mas ele consegue superar todas as coisas menos que tem no seu jogo com uma disponibilidade de luta que não se compra. O Rúben é apontado por muita gente como um potencial jogador para o draft já em 2025. É alguém que é observado e joga ao mais alto nível da ACB no basquetebol espanhol

Há este ano um “caso” universitário nos Estados Unidos a dar muito que falar. Caitlin Clark, 22 anos, 32 pontos de média, 9,1 assistências e 7,3 ressaltos e com audiências televisivas astronómicas nos seus jogos (mais de 12 milhões de espectadores). Que fenómeno é este?
Aproveito para viajar aos anos 80 e recordar que, a determinada altura, a NBA era uma empresa falida. A entrada do Larry Bird e do Magic Johnson para a Liga - vindos do campeonato universitário, onde eram adversários - para duas equipas históricas e as mais vencedoras da história (os Boston Celtics e os Lakers) criou um movimento financeiro, de visibilidade, de audiências que fez com que a Liga deixasse de estar falida para uma Liga que hoje é, inequivocamente, a maior Liga do Mundo.

Diria que a Clark, neste momento, é o Larry Bird e o Magic Johnson dos anos 80 ou o Michael Jordan dos anos 90. Ela sozinha já tem mais audiência que a WNBA toda junta, o que significa - trazendo todo esse talento, essa visibilidade, a social media toda atrás dela para a WNBA - que ela vai alavancar a WNBA para níveis que nunca existiram.

Ela é um fenómeno. Há, pelo menos, duas equipas da WNBA que já reagiram à sua entrada: uma que, quando forem os jogos em casa contra a equipa dela [Indiana Fever], vão jogar noutro pavilhão para aumentar a capacidade de ter público e a outra em que os bilhetes passaram de 18 para 32 dólares. Há coisas destas que vão acontecer e provocar uma reação em cadeia fantástica de que o basquetebol feminino só vai beneficiar.

Voltando ao Neemias, mas ligando à seleção. Tem jogado pouco, por falta de datas, imagino. Não deveria haver um mecanismo, como há no futebol, por exemplo, que obrigasse o jogador a ser libertado para a seleção em jogos oficiais?
Percebo a pergunta. A NBA não compete com nenhum outro desporto, compete no espaço do entertainment, compete no espaço da Disney, da Amazon, da Netflix. Aquilo que é o conceito de desporto associativo em que na Europa os campeonatos param para jogar a seleção não existe na NBA. A equipa americana que anda a disputar o acesso ao campeonato do mundo não tem nenhum jogador da NBA, o problema é igual para eles, acontece no mundo inteiro.

O que acontece com o Neemias Queta acontece com os outros jogadores todos. Eles não participam em nenhuma fase de apuramento e, quando muito, participam nas fases finais, que são no verão. Nos apuramentos ninguém participa. Está bem feito? Não está bem feito? Levantem-se as vozes que criticam, mas é assim, o sucesso de fazer dinheiro e remunerar os jogadores permite garantir cláusulas de restrição de utilização em fases de apuramento. Percebo, do ponto de vista nacional, dava-nos um jeitão ter o Neemias Queta nos jogos todos, como é óbvio. Agora, é igual para Portugal e para os outros países.

Não sei se é erro de perceção, mas a seleção não tem conseguido evoluir ao nível dos resultados. Estou errado?
Estou há 10 anos fora de Portugal e acho que só vi um jogo nestes 10 anos porque o desfasamento horário não me permitia estar a ver jogos, mas fui a Odivelas e gostei do que vi, gostei da entrega total. Fui jogador internacional e quando se veste a camisola de Portugal percebe-se que aquilo não é só vestir uma camisola, é uma das maiores glórias da minha vida de jogador internacional, ter sido treinador de uma seleção de Sub-20 e representar o meu país.

Então, qual é o problema? Como se resolve?
O problema não é a representatividade da seleção. Se calhar o problema é que os jogadores portugueses jogam pouco. Há regras de mercado, com a quantidade de jogadores estrangeiros que jogam na Liga, e, das duas uma, ou o campeonato português tem uma qualidade fantástica, os jogadores que jogam cá são tão bons, os pavilhões estão cheios, os jogos são muito bons e os jogadores portugueses não jogam porque não têm qualidade para lá jogar. Ou se isso não é verdade e o campeonato não é tão espetacular assim, há que encontrar medidas para criar mais espaço ao jogador português.

É uma conversa sempre muito difícil porque a qualidade tem que emergir competindo com qualidade. Os melhores jogadores do mundo, na NBA, são melhores porque todos os dias jogam contra os melhores e jogando contra os melhores os jogadores evoluem. Tem que haver uma forma de estimular o aparecimento e o crescimento do jogador português para que não se diluam no tempo os talentos-promessa que existem, que não podem ser eternamente talentos-promessa, têm que jogar. Há excelentes jogadores portugueses a jogar, mas, para que a seleção seja cada vez mais forte, é importante que esses que já jogam e outros que comecem a jogar mais, porque a qualificação não vem apenas do treino, vem da maturidade competitiva que só o jogo pode dar.

É uma questão que dura há décadas: como “jogar” nas regras da naturalização, o espaço Bosman, as leis que permitem ter mais jogadores estrangeiros e jogar com isso e com a inclusão em tempo de qualidade de jogo dos jogadores portugueses. Isso é que vai melhorar a seleção. A qualidade competitiva do campeonato e os minutos que os portugueses jogam nos campeonatos é que vai determinar que a seleção possa ter uns furos acima de capacidade de competir. Cada vez mais há jogadores portugueses a jogar fora de Portugal, alguns que mostram competências para jogar ao mais alto nível. Diz-se que é preciso trabalhar muito para ter sorte. Seguramente, a seleção portuguesa trabalha bem, tem bons treinadores, tem o suporte financeiro da federação. É uma questão de ter sorte e mais Neemias a aparecerem para que a qualidade do nosso basquetebol se mostre mais em termos internacionais.

É um equilíbrio complicado este de fazer evoluir o campeonato e, ao mesmo tempo, dar espaço aos jovens portugueses
Não é fácil, mas a única coisa complicada é quando morremos. Aqui é experimentar, testar, equacionar as coisas. Muitas federações - e não estou a falar da de basquetebol - perdem-se no tempo em que a única coisa que fazem é gerir competições e poucas vezes há um espaço mental de pensar: ‘gerir competições para quê? Ou o que é que há a fazer na gestão de competições ou na abertura de novas competições ou novas fórmulas de competir, que é utilizar a inteligência para criar modelos que permitam desenvolver os atletas. Há que pensar nas coisas e não repetir. Às vezes é preciso ter inovação.

O Carlos Barroca está ligado ao basquetebol há décadas. Comecemos pela situação mais recente. Foi até há poucos meses vice-presidente de operações da NBA na Ásia. Uma posição importante que deve ter dado muito gozo pela ajuda que deu no desenvolvimento no desporto por lá.
Uma coisa que sempre me orgulhou foi ver o meu nome ligado à NBA, a desempenhar um cargo num continente - o mais populoso do mundo - em países onde o basquetebol tem um impacto enorme, em países onde não tem impacto nenhum, mas fazer por transformá-lo para ter impacto, chegar às crianças, aos professores, aos treinadores, ajudar federações, organizar jogos, trazer talento, ajudar talento a crescer e a chegar ao mais alto nível. Foram 10 anos de barriga cheia, de desafios enormes, de recordes do mundo. Entre a Índia e a Ásia trabalhei com cerca de 130 mil professores/treinadores, afetámos com o trabalho desenvolvido mais de 50 milhões de miúdos a experimentar o basquetebol, de integrar o basquetebol nos curriculum de educação física de seis países.

É difícil explicar, qualificar e com o gozo de muitas vezes as pessoas perguntarem: ‘Mas és de Portugal? Como é que uma pessoa de Portugal chegou aqui? E essa é a minha mensagem, talvez a mais importante desta conversa, é que se pode acontecer comigo, pode acontecer com qualquer um, e esta era a resposta que eu dava.

Aos 55 anos saí de Portugal, quando aos 55 anos a maior parte de nós pensa em reforma, eu larguei os meus filhos, os meus amigos e entrei numa aventura que foi sair do meu país pela melhor liga do mundo e tentar mostrar que em Portugal há competências. Mas naquilo que é o objetivo da NBA, que é utilizar o jogo para ‘connect people everywhere with the power of the game’, acho que utilizei bem o jogo para fazer aquilo que me pediram, estabelecer contactos, fazer pontes. Conheci reis, rainhas, príncipes, princesas, presidentes, ministros, diretores de escolas, professores, treinadores, selecionadores, federações. Foi um percurso absolutamente incrível com gente de toda a Ásia. Que isto sirva para motivar outros, sejam treinadores, sejam dirigentes, sejam atletas. Amigos, querem? Vão à luta’".

Há seguramente planos para um futuro imediato. Não sei se nos quer dar uma ‘cacha’ em primeira mão?
[sorrisos] Para responder a essa pergunta teria que saber eu primeiro o que quero fazer, ainda não sei. Primeiro preciso de regularizar os sonos, que tem sido a parte mais difícil desde que cheguei. Mas há um propósito da minha parte neste regresso a Portugal: devolver ao meu país aquilo que é o meu amor ao basquetebol nas quatro componentes que são a minha vida: o desporto/basquetebol, a educação, a comunicação e liderar projetos. Todas as experiências só me servem se servirem para alguma coisa. O que é que eu não quero fazer? Não quero chegar a Portugal, ser cliente de televisão e não querer saber de mais nada. Não, quero devolver, quero ensinar, quero comunicar, quero liderar projetos - se houver projetos que me queiram para liderar -, não sou eu que vou impor rigorosamente nada. Enfim, participar em coisas que mudem positivamente a vida das pessoas.

Estou a ouvi-lo e a pensar que encaixaria bem na Federação Portuguesa de Basquetebol ou no Comité Olímpico de Portugal…
Tudo é possível. É uma questão de projeto e de ideias. Uma coisa que não vou fazer de certeza é andar a bater às portas a perguntar se querem os meus serviços ou não.

Trabalhar na NBA significa qualquer coisa de diferente e, de facto, aquilo que eu aprendi nestes 10 anos só faz sentido para Portugal se eu puder utilizar toda essa experiência para promover algo que enriqueça o meu espaço físico de ser português, mas não sou eu que me vou impor a ninguém, nem sou eu que vou dizer ‘é preciso fazer assim ou fazer assado’. Ninguém trabalha sozinho.

E novidades?
Estou a fazer pequenas coisas. O que lhe posso contar em primeira mão: estou a escrever um livro para crianças que, se tudo correr bem, vai ser publicado em várias línguas, estou a colaborar com duas entidades de ensino reputadíssimas em Portugal: o ISCTE e a Universidade Europeia em cursos de gestão do desporto, e tenho muitas coisas na cabeça, mas nada ainda mais do que isso. Estou entretido, estou feliz, estou ao pé das pessoas que eu gosto, falta acertar os fusos horários para uma felicidade mais completa

Várias gerações conheceram o Carlos Barroca pelos seus comentários televisivos, ajudou-nos a ver o melhor basket do mundo. Era uma “missão” de que gostava?
Estava em Nova Iorque, era treinador adjunto da universidade de Pace e comecei a apreciar a televisão dos Estados Unidos por falar do desporto de uma forma divertida e leve e pensei que quando voltasse a Portugal gostaria de experimentar televisão. Quando cheguei, dois ou três dias depois, o professor João Coutinho convidou-me para me juntar a ele na RTP e comentar jogos e sempre utilizei o meu trabalho mais para cativar audiências do que propriamente fazer disto uma coisa para especialistas. Isto é um espetáculo para a família, para todos.

Como jogador – confesso – não tenho memória, mas lembro-me de si, como treinador, por exemplo, do projeto Portugal Telecom. Tinha mais jeito para jogar ou treinar?
É uma pergunta que nunca me foi feita. Obrigado pela originalidade. O atleta é muito egoísta, o atleta joga e quer jogar. O atleta qualifica o seu rendimento pelos minutos que joga, pelos pontos que faz ou assistências ou ressaltos. A mentalidade enquanto jogador é: ‘acabas o treino e o jogo e vais embora e acabou’. O trabalho do treinador é muito mais elaborado. Fui treinador muito cedo porque parti o cotovelo duas vezes com 20, 21 anos e tive de parar de jogar e, por isso, a minha carreira de jogador foi limitada no tempo, mas intensa e ainda ganhei campeonatos.

A carreira de treinador começou muito cedo para mim em termos de maturidade pessoal. Olho para trás, treinei grandes equipas portuguesas: a PT, que foi um projeto fantástico, mas também o Belenenses, o Imortal, o FC Porto, a formação do Benfica, o Barreirense, o Queluz. Treinei excelentes equipas, mas se calhar, treinei muito mais como um Carlos Barroca imaturo e emotivo do que propriamente um Carlos Barroca maduro e inteligente. A inteligência emotiva tem de se aprender ao longo dos anos. Acho que muito precocemente fui treinador, poderia ter ido mais longe, mas apanhei uma fase em que não havia segurança em termos financeiros.

Eu diverti-me enquanto jogador, mas ficou muito por fazer porque parti o cotovelo muito cedo. De treinador acho que fui muito imaturo no tempo porque era muito jovem para as responsabilidades que tive, tive muitas experiências, mas era muito imaturo em termos de pessoa, ainda - se é que já cresci, agora que tenho 65 anos, mas acho que ainda não cresci tudo - e seguramente se tivesse sido mais adulto, se calhar, teria conseguido melhores resultados e ter influenciado melhor as equipas e jogadores que treinei

Permita-me a brincadeira: o Barroca jogador tinha lugar nas equipas do Carlos Barroca treinador?
Acho que sim, porque era criativo. E sempre gostei de não limitar os atletas – e esse é talvez o maior cumprimento que hoje tenho passadas décadas. Alguns dos jogadores muito jovens que eu treinei na altura (treinei o Sérgio Ramos, o João Santos, o Rui Santos, o Raúl Santos, o Carlos Seixas, o Carlos Andrade e mais alguns de que me estou a esquecer), essa geração acabei por influenciar para eles serem grandes em qualquer dimensão, não só a jogar em Portugal, é a jogar em qualquer lado e a maior parte dos que falei tiveram carreiras internacionais e alguns deles tiveram a gentileza de me agradecer por ter posto sempre na cabeça deles que podiam ser bons em qualquer sítio. Essa é a maior contribuição que um treinador pode dar aos seus atletas: não é limitá-los, é fazer deles maiores ainda e fazê-los ter visão e sonhar.

Há cerca de dois anos foi condecorado pelo Presidente Marcelo. Imagino que tenha apreciado este sinal de reconhecimento por décadas de dedicação ao desporto e ao basquetebol em particular
De forma muito humilde, digo-lhe que há pessoas que são abençoadas pela sorte, pelas ligações, pelas amizades e isso tem tudo a ver com uma atitude grata. Só posso estar grato ao senhor Presidente da República, o professor Marcelo Rebelo de Sousa, porque foi uma surpresa do tamanho do mundo. Tive três dias a tentar perceber o que significava. É uma coisa impactante um reconhecimento desta natureza, Espero que nalgum momento da minha vida essa condecoração sirva também para o propósito de motivar coisas como ‘fazer bem’, ‘representar bem’ e ‘fazer um melhor mundo para as pessoas que estão à nossa volta’. Tive uma vida profissional única, extraordinária e ter, pelos vistos, impactado ao ponto de o senhor Presidente da República me dar essa honra – e da Fundação do Desporto me ter eleito como ‘personalidade do ano’. Sou um profissional feliz, sou uma pessoa feliz com aquilo que tenho.

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