09 jun, 2016 - 07:26 • Filipe d'Avillez
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Que balanço faz destes primeiros três meses da Presidência de Marcelo?
Estes primeiros três meses podem ser analisados sob o prisma de um Presidente que procura reconquistar a popularidade tipicamente associada a um Presidente da República no nosso sistema político e, a partir daí, relançar as bases de poder que permitem a um Presidente influenciar o sistema. A anterior Presidência acabou com registos de popularidade historicamente baixos e Marcelo consegue recolocá-la em territórios muito positivos de popularidade.
Isso explica-se pela personalidade de Marcelo?
Não necessariamente. Cavaco Silva também tinha registos de popularidade muito semelhantes a estes que Marcelo tem agora, ao longo do seu primeiro ano de mandato. Aliás, a média de popularidade de Cavaco em 2006 é muito semelhante àquela que Marcelo apresenta nestes primeiros três meses, mas a verdade é que Marcelo, ao reimprimir esta popularidade do Presidente, conquista um grau de influência posicional muito grande dentro do sistema político.
Aparentemente, ele ainda não tem usado esse grau de influência, mas a popularidade que a Presidência tem agora permite a Marcelo ponderar usar os seus poderes, seja o poder de marcar a agenda, seja o poder tribunício de introduzir temas novos nos seus discursos, seja o de usar poderes constitucionais como os poderes legislativos, que são os poderes de veto, ou os não legislativos, que passam por outro tipo de poder, por exemplo de nomeações, que o Presidente tem.
Parece haver muita gente que diz que não votou em Marcelo, mas que, se pudesse voltar atrás, o faria. É essa a tendência que nota?
Os dados das sondagens que temos confirmam isso, na medida em que os índices de popularidade de Marcelo ultrapassam largamente aquilo que foi a sua margem de votação nas últimas presidenciais.
Claramente, há aqui uma lógica estratégica. Marcelo foi apoiado por cerca de metade da população portuguesa, mas procurou reposicionar-se especificamente enquanto Presidente de todos os portugueses, suprapartidário. E, nesse sentido, conseguiu reposicionar-se na Presidência e reposicionar a própria Presidência, depois de um segundo mandato de Cavaco Silva que acabou por ficar associado, em larga medida, a um quadro e espaço político e a alguns partidos políticos em particular.
Marcelo tem falado muito em consensos, mas aproximam-se agora provas complicadas, como a legislação sobre as barrigas de aluguer e o debate da eutanásia. Acha que ele vai conseguir manter esta posição que ele tem tentado conquistar de homem de consensos ou vai ser forçado a tomar posições mais divisivas?
A lógica do Presidente granjear esta popularidade visa precisamente permitir ultrapassar esse tipo de questões mais divisivas, de forma relativamente pouco prejudicial para si.
Um Presidente, quando veta, está a gerar um potencial conflito com o Governo ou com a maioria parlamentar. Esse conflito é depois, em larga medida, dirimido pelo tribunal da opinião pública, porque ambos podem invocar essa legitimidade da eleição. É verdade que o Parlamento pode ultrapassar esses vetos, mas terá poucos incentivos para o fazer se a questão for depois impopular junto do eleitorado. Os Presidentes podem usar, e tipicamente têm usado, essa popularidade própria para sustentarem aquilo que é a sua posição num conflito contra uma maioria parlamentar ou contra um Governo. A expectativa de um Presidente é poder invocar essa popularidade e dizer ao tribunal de opinião pública que se confiam nele devem confiar também nessa decisão.
Se Marcelo tem procurado ter este grau de popularidade é porque ele está ciente de que o seu grau de legitimidade política, dentro do sistema político, precisamente para vetar, por exemplo, depende dessa popularidade.
Convém lembrar as palavras de Marcelo enquanto comentador, quando ele comentava o segundo mandato de Cavaco Silva, há dois anos. Dizia, precisamente, que os níveis baixos de popularidade de Cavaco Silva reduziam a sua legitimidade política.
Esta imagem de ser um homem de consensos é profunda ou é superficial?
Esse vai ser um dos desafios para Marcelo Presidente. A verdade é que a imagem pública que Marcelo criou ao longo do tempo e a sua carreira política é longa, e assenta fundamentalmente num mestre da táctica política, um estratega político, e não em alguém que procura necessariamente posições ideológicas muito fortes ou que procura interesses muito específicos e detalhados, em termos de opções de políticas públicas e política económica.
Isto também nos leva a interpretar determinados comportamentos à luz da imagem que ele foi construindo. É impossível avaliarmos se ele é realmente um homem de consensos ou se é algo mais táctico que ele está a fazer. A prova do tempo dirá e aqui a prova do tempo passa também por percebermos aquilo que Marcelo queria dizer quando falava de um novo ciclo político depois das eleições autárquicas.
Essa foi uma pista que Marcelo deixou, que provavelmente encaixaria melhor em Marcelo comentador do que em Marcelo Presidente, e essa pista poderá permitir-nos avaliar até que ponto esse discurso dos consensos é uma opção realmente de fundo da parte de Marcelo ou se é algo mais táctico.
O período de tempo que passou e a ausência de conflitos que obrigassem Marcelo a posicionar-se em termos dos consensos impedem-nos de poder fazer uma avaliação cabal.