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​António Cachola. O coleccionador de arte tem um "dever de partilha"

24 fev, 2016 - 00:50 • Maria João Costa

Em entrevista à Renascença, o coleccionador António Cachola propõe uma parceria com o Estado para promover a arte portuguesa além fronteiras.

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Ainda se lembra da primeira obra de arte que comprou. O coleccionador António Cachola, que esta terça-feira recebeu o Prémio "A", da Fundação ARCO em Madrid, lamenta as políticas culturais que não têm contribuído para a visibilidade internacional dos artistas portugueses.

Com um museu em Elvas, onde mostra as 614 obras de 115 artistas portugueses, António Cachola defende uma parceria com o Estado para promover a arte nacional além fronteiras.

O que é ser um coleccionador?

Isso é uma questão complicada. Ser coleccionador é, acima de tudo, ser uma pessoa que tem de fazer escolhas. Escolhas essas que resultam de múltiplas influências, sendo que no final a escolha é sempre uma coisa muito subjectiva. É nesta dialéctica entre critérios que são muito subjectivos e outros aspectos muito objectivos que vamos fazendo as nossas escolhas.

Há sempre um lado de paixão?

Sempre! Eu comecei esta colecção precisamente com uma grande paixão, deu-me imenso prazer começar a fazer a colecção e ao mesmo tempo pensei de imediato que gostaria muito de transformar a colecção no espólio de um museu e, portanto, isso tem acontecido e estou muito contente por esse facto.

Quando escolhe, para além da questão estética, há também uma preocupação de constituir uma colecção que tem uma narrativa?

Exactamente. Acima de tudo quando uma colecção privada se transforma numa colecção que se pode dizer quase pública porque está residente no Museu de Arte Contemporânea de Elvas, então as escolhas, não diria que transcendem o coleccionador, mas têm de ter em linha de conta não só o gosto particular do coleccionador, mas também os públicos que a visitam.

As escolhas vão sendo feitas em função dos artistas que devem integrar a colecção, mas depois de olhar para esses artistas preciso verificar quais são os núcleos de trabalho que considero que devem estar presentes na colecção. A minha lógica de actuação enquanto coleccionador é sempre no sentido de fazer essa escolha do artista, mas tentar com muito critério seleccionar as obras para que haja uma leitura daquilo que é a produção de arte contemporânea no momento em que a colecção se está a fazer.

Tenho perfeita consciência de que existem muitos coleccionadores que gostam de coleccionar e que o fazem muito bem, mas que gostam de esconder aquilo que coleccionam. Eu não. Pensei sempre ao contrário desde o princípio.

Porquê?

Porque gostei sempre de fazer as minhas opções e de confrontar as minhas opções com os críticos, com os curadores, os artistas e todos os agentes do meio da arte para ir validando também as minhas opções e riscos. Quem integra a colecção são artistas que assumem também muitos riscos por aquilo que produzem. Eu acho que o coleccionador aprende muito com os artistas. Esse é um dos ensinamentos que eu tenho tido pela relação de muita proximidade com os artistas que integram a colecção.

Mas há obras que guarda só para si?

Não. Pelo contrário. A minha satisfação plena é quando as obras são mostradas. Aliás, tenho a consciência muito clara que uma obra só afirma a sua plenitude quando é confrontada com o público. Uma obra não serve para a podermos guardar e estar esquecida em qualquer armazém. Isso não é bom para a obra ou o artista que a criou. Nós devemos ter o dever de a mostrar.

É um dever de partilha?

É um dever de partilha, exactamente. E de poder devolver à comunidade e ao mundo aquilo que foram as nossas opções. Fico muito satisfeito de poder mostrar a colecção como mostro. Além de estar em Elvas no Museu, tem havido uma programação muito forte de itinerância da colecção.

É importante ir ao encontro do público?

É muito importante ir ao encontro do público e ir a várias geografias. A colecção deve ser mostrada com o trabalho de curadores diferentes para ter várias visões sobre a colecção. Até o coleccionador é surpreendido. Quando nós que temos uma relação emocional com as peças, de repente somos confrontados com escolhas dos curadores despertam em nós outras situações.

O que representa o prémio "A" de coleccionismo que lhe foi atribuído pela Fundação ARCO?

É uma honra. Faz de mim um homem e sobretudo um coleccionador muito feliz. Estou muito contente, porque acima de tudo tratando-se de uma colecção de arte contemporânea portuguesa ou como eu gosto de dizer, de arte contemporânea feita por artistas portugueses independentemente de viverem em Portugal ou no estrangeiro, significa que muita gente, sobretudo directores de museus, curadores internacionais vão ficar curiosos para saber que colecção é esta que ganhou o prémio.

Assim vão ter oportunidade de encontrar trabalhos de artistas portugueses que são extraordinários. Eu considero que nós temos em Portugal artistas de elevada qualidade que competem muito bem internacionalmente e que é uma pena não terem a visibilidade que deveriam ter. Mas essas coisas, como sabemos, resultam de políticas culturais que às vezes não são as melhores e é uma pena, porque os artistas portugueses são muito bons. Se calhar este prémio vai permitir com a curiosidade das pessoas para saberem que colecção é esta, encontrarem e descobrirem artistas fantásticos.

Para essa internacionalização precisa do apoio do Estado?

Terei de sensibilizar o poder político para perceber que têm aqui um instrumento importante e criar uma "parceria público-privada" , daquelas que não são problemáticas, e que deviam efectivamente acontecer.

Ainda se lembra da primeira obra que comprou?

Acho que sim. Eu comprei há muito tempo uma obra que por acaso não integra o espólio da colecção. Foi uma obra do Fernando Calhau. Tenho uma relação emocionalmente muito forte com ela. Não me esqueço porque tive também uma relação muito directa com o artista. Fiquei muito contente de a ter adquirido e de estar na minha posse. Só lamento que ele hoje já não nos possa acompanhar, porque foi muito importante para a arte contemporânea portuguesa.

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