28 nov, 2015 - 13:01 • Marina Pimentel
O Presidente da República só pode demitir o Governo de António Costa em caso de alguma atitude ilegítima, nomeadamente de incumprimento das obrigações internacionais do Estado português, defende o constitucionalista Jorge Pereira da Silva.
Em declarações ao programa “Em Nome da Lei” da Renascença, Jorge Pereira da Silva explica que os motivos que podem levar um chefe de Estado a demitir o Governo.
“O Presidente tem o direito a ser informado sobre todos os assuntos de política interna e externa. Se este dever for incumprido – já foi no passado algumas vezes – o Presidente pode demitir. Imagine-se que as Forças Armadas são instrumentalizadas para fins políticos, por exemplo se recear se a separação de poderes pode ser posta em causa. Noutro ponto importante, se houver incumprimento de obrigações internacionais do Estado português. Esse é que é o ponto importante.”
O Presidente da República avisou, na tomada de posse do Governo liderado por António Costa, que não abdica de nenhum dos seus poderes.
Entre as obrigações internacionais do Estado português, estão as normas de disciplina orçamental impostas por Bruxelas, mas o não cumprimento da meta do défice só poderia ser fundamento para a demissão do Governo se houvesse uma posição de ruptura em relação a esse objectivo e não apenas porque se torne impossível chegar lá, por razões conjunturais, defende Jorge Pereira da Silva.
“Se o Governo procurar cumprir mas, por razões conjunturais ou de outra natureza, não conseguir cumprir, mas se fizer um esforço e procurar justificar esse incumprimento, é evidente que não está em causa o regular o funcionamento das instituições democráticas”, afirma o constitucionalista.
“Agora, se o Governo viesse dizer: ‘Doravante, não aceitamos mais esses compromissos’. Isso seria absolutamente inaceitável e, do meu ponto de vista, poria em causa o regular funcionamento das instituições democráticas. Um Governo que entra pode gostar ou não gostar daquilo que os anteriores fizeram, mas para o exterior o país é o mesmo”, sublinha Jorge Pereira da Silva.
O constitucionalista considera Cavaco Silva fez bem em lembrar no discurso da posse do novo Governo que mantém todos os seus poderes intactos porque, a dada altura, houve uma corrente que defendeu que uma vez perdido o poder de dissolução da Assembleia da República, todos os outros caíam, por arrasto.
"Guerra fria” entre Costa e Cavaco
No programa “Em Nome da Lei”, outro constitucionalista, Domingos Farinho concorda que Cavaco Silva tem intacto o poder de demitir o Governo, bastando que esteja em causa o regular funcionamento das instituições.
O professor da Faculdade de Direito de Lisboa explica, no entanto, que o Presidente da República não pode demitir o Governo só porque este adopta uma política que é do seu ponto de vista errada.
A tensão entre os dois órgãos de soberania vai continuar, na perspectiva do politólogo José Adelino Maltez.
O Governo e Cavaco Silva vão viver, até 9 de Março, data da posse do novo Presidente, um clima de “guerra fria” entre São Bento e Belém.
“Ficámos perfeitamente a ver quais são os limites do veto. O Presidente disse-os. Não há aqui quebra nenhuma de lealdade: ‘Eu vetarei tudo o que for contra A, B, C ou D’. O Costa saber perfeitamente quais são os limites e tem de se adequar a esse jogo. É uma institucionalização do conflito. Na democracia não acabam os conflitos, mas eles são institucionalizados, portanto, eu estou satisfeitíssimo com esta democracia”, conclui Adelino Maltez.
Pode ouvir o programa em “Em Nome da Lei” aos sábados, depois do meio-dia, na antena da Renascença ou a qualquer altura em rr.sapo.pt.