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A refugiada que se tornou ministra: “Estive olhos nos olhos com o Diabo”

03 out, 2015 - 11:58 • Ana Carrilho , em Paris

Aida Hadzialic fugiu da guerra e tornou-se um exemplo da integração de refugiados na sociedade sueca. “Encontrei o melhor do ser humano desde que a Suécia nos abriu as portas”, conta.

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Há exactamente um ano, a 3 de Outubro de 2014, Aida Hadzialic foi convidada a fazer parte do novo governo sueco chefiado por Stefan Löfven, composto por 12 homens e 12 mulheres.

Aida, que ficou com a pasta da Educação e Formação, não tinha uma história comum para um governante: tinha 27 anos (era o mais novo membro de um executivo sueco), foi refugiada bósnia e é muçulmana.

Não foi propriamente uma estreia política. Aida Hadzialic, membro do Partido Social Democrata dos Trabalhadores, já era vereadora na Câmara de Halmstad. Na altura, disse aos jornalistas ter ficado surpreendida com o convite, mas confessou que, secretamente, o desejava.

O envolvimento na política aconteceu cedo. Justifica-o com a sua dolorosa experiência de refugiada da guerra da Jugoslávia: “Estive cara a cara, olhos nos olhos, com o Diabo. E o Diabo é o nacionalismo que forçou a minha família a abandonar tudo, que levou à guerra e destruição e ao genocídio”, disse, esta semana, no Congresso da Confederação Europeia de Sindicatos, em Paris.

A crise dos refugiados atravessou toda a discussão nos quatro dias de trabalhos e resultou na aprovação de uma moção em que se exige ajuda urgente da União Europeia para o acolhimento aos refugiados. O texto desafia ainda os sindicalistas a promover a integração social dos refugiados nos respectivos países.

O rio esmeralda que se encheu de sangue

Se havia dúvidas da solidariedade sindical com os refugiados, Aida Hadzialic ajudou a desfazê-las quando contou a sua história de sucesso de integração na sociedade sueca.

Pediu para voltar às suas memórias de menina de cinco anos. Aida nasceu em Foca, uma cidade no centro da Bósnia, antiga Jugoslávia. O pai era advogado, a mãe economista. Vivia feliz.

Perante a audiência em silêncio, Aida recordou o dia em que estava com o tio a atravessar a ponte sobre o rio Drina. Tinha “águas cor de esmeralda”, mas depois da guerra da Bósnia “passou a ser conhecido por ‘rio de sangue’”.

Aida comia um gelado, como tantas outras crianças, quando um homem se aproximou do tio e perguntou-lhe se já sabia o que estava a acontecer na Croácia e que podia chegar até ali. “O meu tio respondeu que já sabia, mas não acreditava que a guerra pudesse chegar a Foca.”

“E, como qualquer criança de cinco anos, perguntei o que era guerra, o que era a Croácia, o que estava a acontecer, mas o meu tio só me garantiu que estava tudo bem.”

Aida recordou então os soldados armados nas ruas, as tentativas de fuga que os pais fizeram, sem êxito, o apartamento trancado e as janelas fechadas, os sonos inquietos e as leituras de livros para a manter entretida. “Lembro-me de ter muito medo, mas, ao mesmo tempo, estar feliz porque finalmente tinha os meus pais para mim!”

Aida não se lembra quanto tempo ficaram fechados, mas recorda o dia em que “um soldado de grandes barbas e fortemente armado” rebentou a fechadura, lhes apontou a espingarda e exigiu tudo o que tinham de valor para os deixar escapar com vida.

Uma noite sem medo

A Suécia acabou por ser a salvação da família. Chegaram a um porto sueco numa noite de grande temporal. “Mas foi a primeira noite, em muito tempo, em que dormi sem medo”, revelou Aida Hadzialic perante os sindicalistas.

“Encontrei o melhor do ser humano desde que a Suécia nos abriu as portas, a mim, à minha família e muitos outros”, disse.

Em 1992, a Suécia, que atravessava uma grande crise económica e de desemprego, acolheu 82 mil refugiados da Bósnia e de outras partes da ex-Jugoslávia. “Encontrei o melhor do ser humano desde que a Suécia nos abriu as portas, a mim, à minha família e muitos outros. E é essa solidariedade que me faz amar tanto o meu novo país. E que me faz querer retribuir tanto quanto puder.”

Muito activa nas redes sociais, quem olha para ela vê uma jovem de 28 anos, como tantas outras, de cabelos compridos pretos e olhos expressivos, sempre de sorriso aberto.

“Se a Suécia conseguiu ajudar os refugiados e ultrapassar a crise, tornando-se num país próspero, então estou convencida que a Europa também o conseguirá, sobretudo se nos mantivermos unidos.”

Comentários
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  • lelo gime
    09 out, 2015 cabinda. 17:52
    E de louvar em primeiro lugar pelo empenho e dedicacao pela a coragem que ela teve.realmente poucas conseguem isso, nao e facil asumir isso e gostei imenso . e desejo lhe muita felicidade e sucessos.
  • Y
    03 out, 2015 Freguesia da lapa 14:37
    Respondendo a X, a Europa tem algumas responsabilidades, não tem grandes responsabilidades no conflito dos Balcãs como afirma. Não culpem a Europa por todos os males do mundo, a responsabilidades do conflito dos Balcãs deve-se aos seus habitantes, assim como a guerra cível espanhola é responsabilidade dos espanhois, nãos dos franceses ou portugueses. Parem de se autoflagelarem.
  • X
    03 out, 2015 Cascais 12:31
    Esta é a verdadeira riqueza de Europa. A Suécia não é melhor nem pior que outras nações, tem a sorte de ter tido políticos verdadeiramente cultos e humanistas e sem permitir limitações a sua soberania estratégica. A Europa tem grandes responsabilidades morais na guerra dos Bálcãs ( não esquecer o reconhecimento prematuro da Croácia e Eslovênia pela Alemanha e Áustria) tal como com a catástrofe siria, líbia e iraquiana, pelo que deve dar a mão a integração dos refugiados de guerra desses países, já que perdeu a capacidade de fazer parte de uma solução local duradoura.

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