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​“Não entrei nisto aos 40 anos para me aventurar”. Nova Direita quer impor-se entre PSD e Chega

10 mar, 2023 - 21:40 • Tomás Anjinho Chagas

Ossanda Liber é a cara que aparece em vários outdoors. Movimento Nova Direita entregou as 7.500 assinaturas necessárias esta semana e formalizou-se enquanto partido.

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Entrevista Ossanda Liber D9mar
Ouça a entrevista Ossanda Liber

Ossanda Liber nasceu em Angola, mas apaixonou-se por Portugal. Pelo meio viveu em França. Tem as três nacionalidades e 45 anos. Diz ter sucesso com as suas empresas e quer replicar a fórmula para a política. Depois de ter sido vice-presidente do partido Aliança e de concorrer às autárquicas em Lisboa, divorciou-se.

Fundou o Movimento Nova Direita, que entregou esta semana as assinaturas necessárias ao Tribunal Constitucional para se formalizar enquanto partido político. Agora tem de o fazer crescer.

É contra a taxa única de 15% no IRS, a favor de um sistema “híbrido” na saúde, e não esconde a necessidade de “controlar a imigração”. Numa entrevista à Renascença, sentada num banco do jardim que é ensombrado pela Assembleia da República, admite que quer entrar para lá em 2026 - ou antes, se o calendário se impuser.

Insatisfeita com o PSD e Chega, porque nem vê a Iniciativa Liberal como concorrência à direita, acredita que há espaço para um novo partido no hemiciclo.

Já disse anteriormente que está à direita do PSD e à esquerda do Chega? Há espaço neste espectro político para tantas direitas?

Eu considero que não há tantas direitas. Há, neste momento, dois partidos de direita na Assembleia da República. Fazem o trabalho que fazem, mas não conseguem convencer os portugueses, ou seja, não dão confiança aos portugueses e daí nós sentimos a necessidade de participar.

Nós consideramos enquanto cidadãos que não devemos olhar passivamente para o que se está a passar na política portuguesa, que é decadência total e de certa forma a descredibilização do sistema político. Certamente há espaço para uma direita de ação. Uma direita que não se limita aos ao soundbites e às manchetes de jornal.

Uma direita que vai ao encontro daquilo que são as necessidades e as preocupações dos portugueses, que têm ideias e uma visão para Portugal, que pretende desenhar uma estratégia para Portugal, para a curto, médio e longo prazo. É preciso prever também o futuro de Portugal e, de certa forma, devolver à direita a confiança que que teve do eleitorado no passado.

E essa direita não é representada, por exemplo, pelo aparecimento do Chega?

O Chega é um partido que faz o trabalho que faz. Há portugueses que se reveem na política do Chega, na forma de fazer política do Chega, mas há muitos que não se reveem.

Há pessoas que ainda têm medo, fundamentado ou não. Pessoas que sentem que a forma de expressar, do seu estilo político não é aquele com que as pessoas se sintam confortáveis. E, hoje em dia, as pessoas para se deslocar para votar têm de se sentir confortáveis com o seu voto. Eventualmente não encontram no Chega a tranquilidade, a serenidade, mas sobretudo as ideias necessárias para fazer mudar a sua vida.

Eventualmente, o Chega não tem cumprido com esse papel, porque de outra forma, dadas as circunstâncias em que se encontra o Partido Socialista, não haveria sequer nenhuma hesitação sobre qual seria a alternativa à direita.

Neste momento, claramente não estão ainda preenchidas todas as condições para que a direita seja alternativa. Nós queremos contribuir para isso.

"Há um tratamento hostil a quem empreende, que não deve continuar"

Como é que vocês se distinguem, por exemplo, de um partido que também tem agora uma nova força como a Iniciativa Liberal?

Iniciativa Liberal não é um partido de direita. Eles próprios e não se reveem na direita e eu percebo porquê. É um partido que defende imensos valores de esquerda, que, no limite, o que tem em comum com a direita é uma certa vertente económica. Nem chega a ser sequer todos aqueles valores na economia comuns com a direita.

Há, de facto, propostas comuns com a direita, mas isso não basta, não é? As pessoas não vão votar só na economia, elas vão votar também naquilo que elas são, na sua identidade, na sua tradição, na defesa do sua segurança. Elas pretendem que quem vier governar garanta a sua segurança, a segurança dos seus filhos, que garanta uma série de pretensões sociais que as pessoas têm e que a Iniciativa Liberal não oferece.

Portanto eu tiro da equação a IL, porque de facto não é, nem quer ser um partido de direita. Portanto só temos dois partidos de direita na Assembleia da República. Sendo que o PSD, com todo o respeito que lhe é devido, é um partido que tem neste momento uma grande crise de identidade, que precisa efetivamente a quem é que se dirige e o que é que propõem aos portugueses.

Tem uma elasticidade tão grande que está mais à esquerda dos socialistas, às vezes, e tão de repente está à direita do Chega em algumas matérias. Por isso, é no meio deste caos, desta descaracterização da direita, que os eleitores se encontram órfãos.

Há pouco falava em pontos comuns, do ponto de vista económico, com a Iniciativa Liberal. Concordam, por exemplo, com a taxa única de 15% de IRS?

Honestamente, não. Isto somos nós que não acreditamos, não quer dizer que estejamos certos. A Iniciativa Liberal tem de facto trabalhado imenso na questão dos impostos, mas não basta, não chega para ser governo. Eventualmente, fazes um bom trabalho em elucidar o socialismo e de demonstrar uma visão económica socialista que claramente não funciona. Mas isso só não basta.

Consideram que a carga fiscal em Portugal é demasiado elevada. Defende uma redução, mas não uma taxa única?

Sim, eu acredito na proporcionalidade. Consideramos, efetivamente que é normal que quem ganhe mais, pague mais. O que não achamos é que as pessoas devam ser castigadas por por ganhar mais. Isto é diferente.

Há um tratamento hostil que se dá a quem empreende, que não deve continuar. O nosso compromisso social coletivo é, de facto, apelar à solidariedade de quem se esforça, quem tem a oportunidade e de quem ganha mais, para com os outros. Esta direita social é precisamente aquela que está a faltar.

O facto de nós incentivarmos o empreendedorismo, a iniciativa privada não implica que nós não tenhamos que pensar nas outras pessoas, naquelas que não tiveram as mesmas oportunidades, naquelas que estão em situação de fragilidade, às vezes temporária, às vezes permanente.

Não basta pôr tudo por igual. Isso não é verdade, ao contrário do que a esquerda diz. Nós não temos todos as mesmas oportunidades, por isso é preciso trabalhar para que tenhamos por um lado, por outro, é preciso sim que haja solidariedade social e, nesse nesse sentido, não estamos de acordo com a taxa única.

Definem-se, como já aqui disse, como uma direita social. O que é que defendem, por exemplo, para resolver o problema das urgências que encerrando sucessivamente semana após semana. O que é que defende o Movimento Nova Direita? Uma articulação entre público e privado?

Sim, nós apoiamos a criação de um sistema híbrido. (…) Isto mudava tudo. Aliás, hoje, por força da ineficiência do Serviço Nacional de Saúde, as pessoas estão a recorrer ao privado de qualquer das maneiras.

Eu confesso que eu tenho tido a possibilidade de recorrer aos privados, mas até o privado já deixou de ser o que era, precisamente, porque todas as outras pessoas que não recorriam ao privado, neste momento, estão a recorrer porque o Serviço Nacional de Saúde não funciona. Estamos em negação ao achar que o Estado é capaz e tem a capacidade para suprir isso.


No vosso manifesto dizem que querem criar um Estado mais eficiente, mas também mais amigo do cidadão. Como é que isso se faz em termos concretos?

Para já, recrutando pessoas. Isto de reduzir as horas de trabalho sem ter consciência do impacto que isso tem na eficiência dos serviços e de não se clarificar as carreiras da função pública, torna o trabalho absolutamente ineficaz.

A partir do momento em que estamos a dar eficiência aos serviços do Estado, estamos a ser amigos do cidadão. Aquilo que nós achamos é que o Estado Português não o tem sido. Nós enquanto cidadãos, temos sempre a sensação de que o Estado está contra nós.

Isto não tem nada a ver com ideologias. O único papel do Estado é garantir que nós estamos bem, saudáveis e felizes. E o Estado tem de focar-se nisso.

Isso faz-se, por exemplo, engrossando a administração pública?

É tornando-o mais eficiente. Garantir que quem está lá trabalha, que não é sempre o caso, infelizmente. Nós sabemos que há muita gente muito corajosa e que trabalha, e que tem anos de carreira e muito empenho na função pública. Mas temos pessoas que passam o dia a olhar para o Facebook ou para Internet e assim passam o seu dia de trabalho.

Eficiência em primeiro lugar. Primeiro: essas pessoas estão bem entregues? Estão, estão realmente a ser bem aproveitadas? O salário que lhe é pago é merecido? Esse é o primeiro levantamento que se tem de fazer.

Eu sou capaz de dizer que isso não é feito. Há muita gente a trabalhar na função pública que realmente não faz aquilo que deve, essencialmente também por falta de supervisão. E porque é que há falta de supervisão? É simples. Ao Partido Socialista interessa manter esta situação porque sabe que é daí que vem a maior parte dos votos. Estamos presos a essa situação e ao longo dos anos isso vai se vai piorando, piorando e não se resolve por uma questão de interesses partidários. Aí, portanto, chegou a altura realmente dar a volta, já se instalaram demasiados vícios.

"Não sou apologista de dificultar a vida aos imigrantes. Eu sou apologista de ter políticas de imigração"

Tem havido um debate amplo no que toca à imigração. Concorda com alguns membros do PSD que sugeriram só seja permitida a entrada de imigrantes quando há contrato de trabalho?

Não concordo. Porque isso é dizer: "Não virão!". Nenhuma embaixada portuguesa lá fora emite vistos de trabalho.

É desconhecimento?

É total desconhecimento. Mas esse é um dos problemas dos nossos políticos: têm muita pressa em responder, em sair nas manchetes e criar soundbites. Eu posso dizer que nenhuma embaixada portuguesa lá fora emite vistos de trabalho. Isso não vai funcionar.

Mas concordo com a ideia de Carlos Moedas de direcionar a imigração e sobretudo controlar. Não há nada de discriminatório em controlar a imigração que nós temos. Nós temos que saber quem entra para Portugal, o que é que faz, o que é que está a fazer, onde é que está a morar numa primeira fase.

Se nós tivéssemos esse trabalho preventivo, não chegaríamos a situações escandalosas como essas que nós estamos a viver. E mais: é preciso considerar que as pessoas vêm de boa-fé, e que a maioria das pessoas vêm com essa intenção e ainda bem porque vêm suprir um défice muito grande de quadros e défice de recursos humanos em Portugal.

Mas por outro lado, também sabemos que se não há controlo nenhum, então acontecem situações como essas que nós estamos a ver. E outras que ainda não estamos a ver: como as questões, por exemplo, de insegurança.

Eu não sou apologista de dificultar a vida aos imigrantes. Eu sou apologista de ter políticas de imigração.

Esta semana o vosso partido formalizou-se. Este ano há eleições na Madeira, vão apresentar candidatos?

Não, não. Vamos começar pelas europeias. Não estamos ainda preparados para Madeira. Isso requer um trabalho, conhecimento do que se passa lá, e nós ainda não tivemos oportunidade de nos deslocar à Região para perceber o que está a acontecer.

Percebemos que ainda não é o momento de nos candidatarmos. Já para as eleições europeias estamos mais do que preparados. Eu, pessoalmente, tenho imensa experiência de vivência em países europeus e por outro lado bastante conhecimento sobre a realidade europeia. Aí estamos realmente em condições de apresentar um programa.

E qual é o objetivo para essas eleições?Eleger um eurodeputado?

Um é o mínimo, não é? [riso]. Vamos trabalhar para isso. Temos um ano a partir de agora, vamos intensificar o trabalho. Espero com as nossas ideias conseguir convencer os portugueses a votar em nós.

A campanha não é fácil, são precisos muitos votos num contexto em que as pessoas não votam. Mas nós não estamos à procura de facilidades. Se estivéssemos não estávamos cá, tínhamo-nos integrado em outros partidos. Mas estamos preparados para o embate.

Estamos aqui sentados no Jardim em frente à Assembleia da República. Em 2026, se o calendário se mantiver como está, qual é que é o vosso objetivo? Eleger quantos deputados?

Nós estamos ainda muito longe de 2026, e tudo leva a crer que não chegaremos a 2026, apesar de essa não ser a nossa vontade. Nós precisamos fazer o nosso percurso com calma, até porque até lá temos desafios eleitorais todos os anos.

Ainda estamos longe para estar a definir o objetivo em número de deputados. Mas estamos convictos de que vamos conseguir mobilizar pessoas para votarem em nós.

Eu sou a mentora do projeto, tenho 45 anos. Ainda tenho muito caminho pela frente, mas não entrei para isto agora aos quarenta para me aventurar. Portanto, é uma ambição clara, é de representar os portugueses, representá-los com base naquilo que é a nossa visão de Portugal.

Ganhar representação parlamentar?

Exatamente, porque só aí é que se realmente se consegue fazer mudar as coisas. É um facto e o nosso objetivo não pode ser outro, senão estar no Parlamento português e no Parlamento Europeu, que é aí onde se define o rumo dos nossos povos.

E se conseguirem esse objetivo de se fazerem representar na Assembleia da República, seriam um partido disponível para formar uma geringonça de direita?

Sim. A geringonça é um reflexo daquilo que é o desejo dos portugueses. Os partidos que se propõem a “geringonçar” são aqueles que conseguiram uma votação suficientemente expressiva para formar Governo.

Não vamos, de forma alguma, fazer a vontade da esquerda de estar aqui a desenhar linhas amarelas, que só servem para bloquear o crescimento da direita. Não vamos dar-lhes esse gosto porque não acreditamos nisso.

Nós defendemos a pluralidade política. Defendemos que todas as forças políticas são necessárias. Nós somos altamente críticos sobre o que está a acontecer na direita, mas consideramos que os partidos se complementam.

Por isso, se for essa vontade manifestada pelos portugueses aquando das eleições legislativas, é essa que vamos seguir. Nós propusemo-nos estar ao serviço dos portugueses e da vontade dos portugueses. Vamos ser coerentes com essa decisão.

Comentários
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  • Sara
    04 jan, 2024 lisboa 08:27
    por que é que estas pessoas não se dedicam à politica nos seus paises de origem, deve ser dificil, tem muitos problemas, deve ser isso, mas depois vão para outros paises, estão muito apaixonados, estão apaixonados, pela facilidade de ganharem dinheiro, ganhar protagonismo, e virem com o odio escondido. Sempre à procura de fundos e facilidades.
  • Carlos Porfírio
    11 mar, 2023 Parede 15:02
    Finalmente, parece que vamos ter uma direita a sério. Gostei deveras da entrevista! Só gostaria de saber qual o sentimento deste novo partido em relação à Religião, que faz parte integrante da cultura portuguesa.

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