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Espanha

​Manuel Campo-Vidal: “Rajoy vai resistir e chegar a 2020”

25 mai, 2018 - 21:39 • José Bastos

“Rajoy tem uma enorme capacidade de resistência e os poderes fácticos não querem uma mudança”, defende o jornalista que moderou na televisão todos os debates históricos da democracia espanhola.

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CAMPO VIDAL - entrevista D25

A sucessão de escândalos de corrupção em que o Partido Popular (PP) espanhol teve esta semana um golpe politicamente demolidor com a sentença sobre o caso Gürtel.

Com a má gestão do caso das pretensões independentistas catalãs irá este caso agravar a erosão do capital de confiança dos cidadãos no governo? Será a ida às urnas – em função da actual correlação de forças no parlamento – a única opção para uma alternativa credível de governação? Para já o PSOE avança com uma moção de censura ao executivo com o Ciudadanos a exigir eleições antecipadas, mas recusando apoiar os socialistas.

Em entrevista à Renascença, Manuel Campo-Vidal, diz que, apesar deste cenário difícil, “Rajoy vai conseguir aguentar”. “Não ficaria surpreendido se Rajoy chegar a 2020”, afirma o jornalista Campo-Vidal.

Presidente da Academia das Artes e Televisão de Espanha, Manuel Campo-Vidal é figura destacada dos media espanhóis depois de moderar todos os debates decisivos na televisão nas últimas três décadas.

Até onde vai esta crise política? A moção do PSOE - dependendo da posição do Ciudadanos - pode acabar no fim de linha para Rajoy?

Como no xadrez o Partido Socialista tinha de movimentar peças depois de uma sentença judicial como a de ontem moralmente tão condenatória para o Partido Popular, mas a moção de censura não terá sucesso. O Ciudadanos não irá votar a favor, porque o que quer agora são eleições antecipadas e já argumenta que o Partido Socialista não consultou Rivera antes de apresentar a moção.

Assim, todos os desenlaces são possíveis, mas o mais provável é o de que Rajoy resista porque é um político muito resistente, habituado a estar em minoria. Viu o seu Orçamento do Estado aprovado, um dia antes da sentença judicial do caso Gurtel e com a decisão do parlamento tem solucionado o problema do orçamento para este ano cujos termos podem ainda ser ampliados para 2019.

Donde, ou muito me engano ou Rajoy, mesmo em minoria no parlamento, num cenário de dificuldades políticas, vai conseguir aguentar e esperar que outros se desgastem, porque ele sabe que se houvesse agora eleições o mais provável é que sairia do poder.

Se sentença judicial fosse conhecida um dia antes da aprovação do Orçamento o quadro político teria sido então bem distinto?

Acredito que o Tribunal que julgava o caso Gurtel esperou que a votação do Orçamento do Estado estivesse concluída. Com a sentença que conhecemos estou absolutamente convencido que o Orçamento não teria sido aprovado, porque os Ciudadanos não teriam votado a favor. Portanto não é nenhuma casualidade que, primeiro, tenha sido dado luz verde ao Orçamento e só depois tenha sido lida a sentença judicial.

A sentença no mesmo dia em que um ministro de Aznar era preso são dois acontecimentos com um efeito cumulativo devastador para o PP. O PP não conseguiu percecionar o grau de rejeição à corrupção dos eleitores espanhóis?

A sociedade espanhola está farta, está cansada de casos de corrupção e esse é um sintoma muito importante. Claro que sempre houve corrupção e o PP foi o partido que mais casos acumulou. Mas creio que se ultrapassaram limites de tolerância por parte da sociedade com o conhecimento de todos estes casos.

Mais além do caso Gurtel no mesmo dia esse outro ministro de Aznar, Eduardo Zaplana, entrava na prisão para cumprir pena. Um outro ex-presidente da comunidade autónoma de Madrid, também do Partido Popular, também foi parar à prisão. Outros ex-ministros do Partido Popular estão a contas com a justiça.

Tenho a impressão de que há um cansaço do eleitorado e esse fenómeno está a fazer com que o outro partido alternativo do centro-direita, neste caso o Ciudadanos, esteja a ser visto como uma força política limpa, uma força regeneradora. Deixou de ser verdade que havendo ou não corrupção o eleitorado se comporte da mesma maneira. Já não é mais assim.

As sondagens sugerem que com eleições agora, um jovem político Albert Rivera seria chamado a formar governo ou a esquerda iria tentar uma solução 'à portuguesa'?

Em Espanha é muito difícil uma solução 'à portuguesa'. Em Portugal não há a fragmentação das forças políticas como em Espanha desde logo por comunidades autónomas. Vejo francamente com enorme admiração tudo o que aconteceu até com a posição do Bloco de Esquerda em Portugal, mas em Espanha a outra esquerda equivalente, o Podemos, não está no mesmo azimute do Bloco. A posição do BE português é muito mais construtiva, é de esquerda, mas em linha com os interesses do país. E sim, um primeiro-ministro pode ter 40 anos em Espanha.

Já tivemos líderes de governo com essa idade. Felipe Gonzalez tinha 40 anos quando chegou ao poder. José Maria Aznar com 42. Antes, Adolfo Suárez com 44. O país está habituado a ter políticos jovens na Moncloa e isso pode acontecer com Rivera. O que acho ser um cenário mais difícil é chegar a uma soma de votos para poder governar - mesmo que o seja matematicamente - entre PSOE e Podemos. Esse acordo à esquerda de Ciudadanos e PSOE é mais difícil em parte também devido à personalidade de Pablo Iglésias que quando podia ter evitado que Rajoy continuasse no poder não o fez e deixou que o PP permanecesse.

Nessa altura Pedro Sanchez do PSOE já tinha um acordo com Albert Rivera do Ciudadanos para derrubar Rajoy e foi Pablo Iglésias quem perdoou a vida política a Rajoy. Realizaram-se novas eleições e Rajoy conseguiu continuar a governar.

Em resumo: há um ciclo político que termina em Espanha, mas é muito mais provável que o próximo primeiro-ministro se chame Pedro Sanchez ou Albert Rivera que qualquer outro nome.

Pablo Iglésias tem estado no centro do furacão pelo caso do chalet. A turbulência política dos últimos dias vai beneficiar o líder do Podemos porque o retira do foco da atenção pública?

O problema não é a compra o chalet por 600 mil euros. Há quem esteja de acordo no Podemos e outros estão contra, não exatamente contra a compra, mas que tenha promovido uma consulta às bases do partido, numa espécie de plebiscito interno, sobre a decisão. Com tudo isto reduziu-se politicamente a margem de manobra de Pablo Iglésias.

Essa decisão de não ter deixado governar Sanchez e Rivera já não poderia ser agora tomada por Pablo Iglésias. Não tenho dúvidas de que Iglésias ganhará o referendo interno, mas é uma estrela política que hoje terá menos peso, inclusive, no seio do seu próprio partido, do que há dois anos.

Não prevê eleições antecipadas, mas a ocorrer seria uma tempestade política quase perfeita face aos desafios independentistas vindos da Catalunha?

Tudo o que se está a passar agora, seja o que for, debilita o governo de Espanha. Nesse sentido não ajuda a resolver o diferendo na Catalunha. Quanto à aplicação do artigo 155 da Constituição que limita o poder autonómico, Sanchez foi claro no sentido de que deve aplicar-se, Albert Rivera foi ainda mais claro. Donde, não creio que as coisas fossem assim tão diferentes em relação à Catalunha em caso de um período que conduzisse a eleições.

Mas é verdade que Mariano Rajoy pode continuar no poder, mas tem menos força, menos prestígio que o que tinha antes da sentença do caso Gurtel. É verdade que nenhum dos ministros do actual governo foi julgado ou condenado, mas Rajoy já era uma figura de destaque no partido quando aconteceu o que aconteceu. A sua força é inegavelmente menor do que era antes.

Mas é de crer que Rajoy chegue a 2020 ao final da Legislatura?

Não ficaria surpreendido que Rajoy chegue a 2020 à frente do governo ou, pelo menos, ao final de 2019 com a ampliação e extensão do Orçamento de Estado aprovado esta semana. Rajoy tem uma enorme capacidade de resistência. Rajoy tem o apoio da Europa. Ainda hoje quando foi anunciada a moção de censura a taxa de juro da dívida espanhola subiu e a Bolsa de Valores a descer.

Os poderes fácticos do mundo económico também não desejam uma mudança nesta altura. Portanto, há um conjunto de elementos a concorrer para que Mariano Rajoy resista à frente do governo e é provável que venha a acontecer isso mesmo.

Comentários
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  • Anónimo
    26 mai, 2018 03:07
    E o Franco chegou a 1975. Sabemos que o PP quer repetir a história pelas piores razões.

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