24 mar, 2023 - 11:07 • André Rodrigues
Portugal demora cada vez mais tempo a diagnosticar a tuberculose, segundo indica o relatório do Programa Nacional para a Tuberculose da Direção-Geral da Saúde (DGS) com dados até 31 de dezembro de 2022.
De acordo com o documento, a mediana de dias até à confirmação do diagnóstico era de 86 dias, em 2021. Em 2020, a identificação demorava, em média, 79 dias.
Contudo, se recuarmos a 2008, a espera até ao diagnóstico era de cerca de um mês (33 dias).
Se, por um lado, Portugal apresenta uma baixa incidência da tuberculose - com menos de 20 novos casos por ano, por cada 100 mil habitantes -, a má notícia é mesmo a demora no diagnóstico.
Para além do período mais agudo da Covid-19, que afastou muitos doentes dos hospitais, remetendo o diagnóstico da doença para fases mais avançadas, a pneumologista Raquel Duarte adiciona à equação o comportamento dos pacientes que, em muitos casos, desvalorizam os sintomas.
“Se a pessoa anda cansada, com suores, se tem tosse, se emagreceu, estes sintomas são insidiosos, as pessoas não valorizam as queixas e não pensam em tuberculose”, admite em declarações à Renascença a médica que já dirigiu o Programa Nacional para a Tuberculose da DGS.
Por outro lado, “a pandemia também contribuiu para o atraso: de um lado, porque todos os recursos estavam muito dirigidos para a resposta à Covid, apesar de termos conseguido manter aberta a resposta à tuberculose. Por outro lado, também as pessoas tinham algum receio de procurar os serviços de saúde com medo de ficar infetadas com a Covid e, portanto, é claro que contribuiu para o atraso no diagnóstico”.
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Raquel Duarte identifica um terceiro fator: “a existência, ainda, de um estigma associado à doença. Não há razão para haver estigma, porque é uma doença como qualquer uma das outras, é transmitida por via inalada, mas é facilmente diagnosticável, tratável e até prevenível”.
A versão de 2022 do relatório de Vigilância e Monitorização da Tuberculose da DGS identifica os imigrantes, as pessoas em situação de sem-abrigo e os doentes com o vírus da SIDA como os grupos mais vulneráveis.
No documento, a Direção-Geral da Saúde alerta que o perigo de infeção, face à demora no diagnóstico, só pode ser quebrado com o diagnóstico e com o início do tratamento.
Raquel Duarte alerta, por isso, que “há, nesta altura, uma grande ameaça em termos de controlo da tuberculose a nível mundial, que são as áreas de conflito como a Ucrânia. Mas noutras áreas onde também há conflitos, há claramente atrasos no diagnóstico, interrupção do tratamento, grande mobilidade das pessoas e todas essas situações favorecem o desenvolvimento de formas resistentes à tuberculose, que são mais difíceis de tratar”.
Questionada sobre a ameaça que isso representa para Portugal, a pneumologista admite que “o mundo inteiro estará ameaçado se não tiver uma atitude concertada”, mas lembra que, no caso português, existe “uma resposta desenhada no sentido de garantir o diagnóstico, o tratamento e a identificação das pessoas indicadas para tratamento do arquivo”.
“Se isso se mantiver, temos condições para continuar a dar a resposta necessária”, conclui Raquel Duarte.