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Geração Z. Uma mulher a Presidente da República? "Há um teto de vidro para as mulheres na política"
Ouça aqui o episódio desta semana. Foto: Vincent Kessler/Reuters

Geração Z

Uma mulher a Presidente da República? "Há um teto de vidro para as mulheres na política"

13 mar, 2024 • Alexandre Abrantes Neves , João Campelo (sonorização)


A constituição do próximo Parlamento vai contar com menos oito mulheres - um sinal de que "alguém está claramente a falhar". Neste episódio do Geração Z, falamos de igualdade de género na política dentro e fora de portas - e não fugimos ao debate das quotas de género.

Têm uma taxa de abstenção mais baixa do que os homens, mas mesmo assim não ocupam tantos cargos políticos – e, em grande parte, devido ao “teto de vidro” que as impede de chegar a lugares de topo e de liderança. As quotas até podem ser um “bom instrumento”, mas não vão conseguir estilhaçar o vidro sem políticas que “mudem mentalidades” – por exemplo, a “regulamentação do trabalho invisível das mulheres em contexto doméstico”.

É este o “consenso alargado” a que chegaram as duas feministas que se sentam à mesa esta semana no podcast Geração Z da Renascença em parceria com a EuranetPlus. Poucos dias depois do Dia Internacional da Mulher, celebrado a 8 de março, a ativista Leonor Caldeira e a assessora na área no Parlamento Europeu Catarina Peyroteo Salteiro para discutir o espaço das mulheres na política – ou a “falta dele”.

Perante a redução de oito deputadas nas últimas legislativas, Leonor Caldeira é rápida a concluir que “alguém está claramente a falhar” e logo no momento em que os partidos escolhem as suas listas para a Assembleia da República.

A também advogada acredita que, quando se olha para o problema “à lupa”, se percebe que o dia-a-dia nos partidos – e a “maior influência dos homens” – se deve ainda à construção das mulheres como “belas, recatadas e do lar”: “a nossa democracia ainda é jovem, estes eram os valores de há 50 anos, não foi assim há tanto tempo”.

Alinhada com esta opinião, Catarina Peyroteo Salteiro, assessora no Parlamento Europeu na área, acredita que esta mentalidade também explica o facto de Portugal nunca ter elegido uma Presidente da República ou de ter tido apenas uma mulher à frente de um governo e por escassos meses – Maria de Lourdes Pintassilgo, num governo de iniciativa presidencial entre 1979 e 1980.

Este paradigma, porém, não é exclusivo da política – surge “sempre que as mulheres querem uma posição de liderança”.

“Eu acho que as jovens têm cada vez mais o desejo de liderar, mas há um teto de vidro - uma expressão normalmente utilizada no meio corporativo, mas que também pode existir na política. Não há nenhuma barreira aparente para as mulheres, mas os cargos decisórios efetivamente são ocupados por homens. E acho que é isso que temos de falar agora – de que forma é que vamos partir este teto de vidro de uma vez por todas”, explica.

Quotas são como “aparelho para os dentes”

E se as quotas de género podem ajudar a partir este teto, há quem tema que os estilhaços possam atingir quem está à volta – nomeadamente, desvalorizando o mérito de quem tenta aceder aos cargos de liderança. Catarina Salteiro admite já “ter mudado várias vezes de opinião”, mas que atualmente compreende que “ainda não há igualdade de género na política e que o argumento do mérito vai privilegiar aqueles que são historicamente privilegiados”.

Já Leonor Caldeira defende a aplicação de quotas na política, mas relembra que essa é uma “medida acessória à mudança de mentalidade” – e deixa um exemplo.

“Os partidos fizeram as quotas e parece que lavaram daí as suas mãos e agora só cumprem o mínimo à risca. As quotas é como se quase como se fosse um aparelho dos dentes. É um instrumento para corrigir uma coisa, mas depois tem de se usar a contenção, fazer a manutenção dos dentes, que é no fundo, [combater] esta desigualdade de género”, compara.

O feminismo tem um problema de ‘branding', não é o nome ideal para o que queremos transmitir. Trazermos os homens para a discussão ajuda a criar consenso social

Porém, e à medida que mais raparigas da geração Z se interessam pelas temáticas do feminismo, a advogada aponta que “os rapazes podem sentir os seus direitos ameaçados”.

E se a solução para acabar com o “argumento de homens contra mulheres é a pergunta de um milhão de euros”, do outro lado da mesa, Catarina Salteiro sugere logo uma solução: colocar os próprios homens a debater a igualdade de género.

“Acho que o feminismo tem um terrível problema de ‘branding’. Acho que o nome não é o nome ideal para aquilo que nós queremos transmitir e acho que leva a muitos mal-entendidos, especialmente entre os homens. Por isso, acho que trazermos os homens é uma forma de criar um consenso social (…) e de mostrar que nada disto é uma ameaça aos direitos dos homens”, detalha.

PS e AD têm de fazer mais pela igualdade de género

Ainda sobre os resultados das legislativas, Leonor Caldeira não quer deixar de lado o crescimento do Chega e o “reforço da extrema-direita no parlamento, que pode ser uma ameaça aos direitos das mulheres” – e o trabalho que tem de ser feito para que PS e PSD se “alinhem mais” com a paridade.

A ativista recomenda, por isso, que a atividade parlamentar se debruce mais sobre temas que ficaram à margem da última legislatura, como medidas para compensar o trabalho doméstico das mulheres ou para aumentar a paridade nas licenças de parentalidade.

“Temos a licença de parentalidade e os pai e mãe são livres de escolher quem tira o quê. Mas a verdade é que nós sabemos que, na prática, é a mulher a tirar os quatro meses e o homem a tirar os 30 dias. Quanto mais nós aumentarmos mais o tempo que os pais habitualmente tiram, isso vai equilibrar [as licenças] e conseguimos essa paridade”, pormenoriza.

Metsola e Von der Leyen são ‘role models’

Na política europeia, o cenário para Catarina Salteiro é semelhante: reforça que também é “provável” que a extrema-direita cresça no parlamento europeu e teme que “os próximos anos sejam de defesa dos direitos já conseguidos, em vez de avanço”.

Questionada sobre se a União Europeia devia tomar medidas mais concretas e com força de lei para promover a igualdade de género, esta assessora no Parlamento Europeu explicou que as diretivas são “apenas uma direção”, mas relembrou que os 27 dão um bom exemplo – seja nas pessoas que estão à frente dos cargos, ou dos documentos fundamentais europeus.

“Eu acho que termos Metsola à frente do Parlamento Europeu e Ursula von der Leyen à frente da Comissão Europeia ajuda a abrir mentalidades. Porém, e para transmitir essa imagem de que a igualdade de género é importante e tem de ser respeitada, nós temos o tema inscrito na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”, remata.

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