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Os súbditos da "terapia" Taylor Swift. Que fenómeno é este que aterra hoje em Lisboa?

23 mai, 2024 - 06:33 • Beatriz Lopes

Há quem tenha pagado centenas de euros para ir aos dois concertos e quem venha de Washington de propósito. Elogiam-lhe a ousadia de se envolver em causas e asseguram que ela lhes mudou a vida. A Renascença falou com quatro “swifties”, que veem a cantora como uma espécie de terapeuta.

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"Quero estar na linha da frente do concerto, mesmo junto às grades, vê-la de perto." É assim que Manuel Bento, de 30 anos, justifica o investimento de 530 euros num bilhete para ver Taylor Swift esta sexta-feira, no Estádio da Luz, em Lisboa. Mas o entusiasmo deste fã não fica por aqui: vai marcar presença também no concerto da noite seguinte, pelo qual pagou mais 170 euros.

Manuel explica que quer ter "duas perspectivas diferentes do concerto". Se, na primeira noite, o pacote VIP lhe dá acesso à plateia e permite "uma entrada antecipada antes do restante público", o que lhe vai permitir "ver a Taylor Swift bem de perto e sentir a emoção dos fãs das primeiras filas", no segundo dia fará o enquadramento de tudo isto: "vou para a bancada, com lugar marcado, para apreciar de longe os vários cenários e os efeitos luminosos que caracterizam os seus espetáculos.”

A cantora norte-americana estreia-se ao vivo em Portugal com dois concertos, no âmbito da parte europeia da digressão "The Eras Tour" – que arrancou a 9 de maio em Paris e que termina a 17 de agosto em Londres. Há muito que os fãs portugueses aguardam uma oportunidade para a ver – Taylor Swift deveria ter atuado em Portugal em 2020, mas a pandemia acabou por obrigar ao cancelamento do espetáculo.

"A lot going on at the moment" ("Muita coisa a acontecer neste momento") é a frase que Manuel terá estampada no peito no dia do concerto, ao vestir uma réplica da t-shirt que Taylor Swift tem usado durante a digressão "The Eras Tour".

Centenas de euros para ver uma artista ao vivo?

Manuel admite que a cantora norte-americana "não tem a melhor voz do mundo", "nem é a melhor dançarina", mas as letras – que escreve para todas as suas canções desde os 18 anos – fazem com que muitos jovens se identifiquem. "É o que a torna única. A incomparável habilidade de contar histórias extremamente pessoais, sobre amor, o fim de relacionamentos, traumas, traições..."

Outra das qualidades que o fã lhe reconhece é a resistência física, que lhe permite estar "mais de três horas seguidas a cantar e a dançar nos concertos, às vezes, três noites consecutivas". E, claro, a proximidade que tem com os fãs. "Ela lança pistas a antecipar todos os álbuns, um processo muito engraçado para os fãs, que acabam por lançar teorias da conspiração. Tudo o que ela diz tem um duplo significado e estamos sempre à procura de pistas".

Com 34 anos, Taylor Swift é já dona de 14 Grammys. Este ano, tornou-se, até, a primeira artista a vencer o Grammy de Melhor Álbum pela quarta vez. Em 2023, foi também eleita "personalidade do ano" pela revista americana Time e foi a artista mais ouvida no Spotify.

A cantora norte-americana entrou também para a lista dos bilionários da pop, com uma fortuna estimada em mil milhões de dólares (cerca de 946 milhões de euros), sobretudo graças ao impulso dado pela digressão “Eras Tour”, que ameaça já tornar-se a digressão mais rentável de sempre. Só os cerca de 50 concertos que deu nos Estados Unidos, entre 17 de março e 9 de agosto de 2023, terão rendido mais de mil milhões de euros, apenas com a venda de bilhetes.

Uma "referência" para as mulheres e para a comunidade LGBTQ+

Para Andreia Peixoto, designer, de 33 anos, Taylor Swift é, acima de tudo, “uma voz que grita pelo empoderamento feminino e luta por mais igualdade de género”.

"Precisamos de mais mulheres como ela, que quebrem recordes, que quebrem barreiras, que nos digam que é possível abrir caminho."

Andreia elogia-lhe ainda uma certa sororidade: "ela tem destacado o trabalho de outras mulheres, dá-lhes palco, trá-las para a luz do dia. É uma jovem, podia estar a gastar o seu tempo noutra coisa, e gasta-o a ajudar outros artistas a chegarem a palcos mundiais e a terem lugares de destaque", afirma.

A nível musical, a designer vê como factor de destaque o facto de Taylor "admirar outros artistas com características musicais completamente diferentes, como Lana Del Rey, Kendrick Lamar, Post Malone", considerando que "é isso que a torna verdadeiramente rica.”

Além do “empoderamento feminino”, a carreira de Taylor Swift tem sido marcada por demonstrações de apoio à comunidade LGBTQ+: já fez homenagens a jovens mortos por serem gays, juntou-se a campanhas de consciencialização, lançou o videoclipe de “You Need To Calm Down” com um elenco de artistas LGBTQ+ e até já apareceu de surpresa em festas de noivado de casais homossexuais.

"Quando lhe pediram que não expusesse publicamente as suas orientações políticas ou crenças, para ser um ‘produto neutro’ e não ferir suscetibilidades, ela sempre demonstrou que queria falar abertamente sobre tudo", sublinha Andreia.

"Temos inúmeros relatos de fãs que estavam em situações complicadas, quer ao nível de assumir o que eram, quer ao nível de saúde, financeiro ou académico, e ela ajudou sem qualquer tipo de publicidade, o que me faz admirá-la muito."

Mas a ligação de Andreia Peixoto a Taylor Swift já vem dos tempos de adolescência, em 2008, na altura em que a admirava em videoclipes que passavam na MTV – quando apenas tinha lançado o segundo álbum, "Fearless". "Apaixonei-me e fiquei."

E há um outro motivo a contribuir para esta particular identificação com a cantora: "Eu e a Taylor somos praticamente da mesma idade e fazemos anos na mesma semana, com apenas três dias de diferença, o que significa que as letras das músicas dela têm acompanhado todas as fases do meu crescimento, porque são muito autobiográficas, vivemos as mesmas experiências e sentimentos."

Andreia Peixoto diz, aliás, estar a assistir a uma espécie de "déjà vu" nas novas gerações, que olham para Taylor Swift como uma bandeira da "sinceridade".

"Como ela está a regravar álbuns anteriores, acredito que as novas gerações estão a passar um bocadinho pelo que eu passei, estão a viver também todas as fases de vida dela e todas as personalidades que consegue ter." Um segredo para essa ligação particular com a comunidade de fãs é "o facto de a Taylor ser sempre muito sincera, às vezes até muito crua nas coisas que diz e escreve", acredita a fã.

Mas não é o único fator que identifica. "Ela sempre proporcionou encontros com seguidores. Já no meu tempo era muito ativa nas redes sociais – primeiro no Twitter, depois no Tumblr, onde se criou uma grande comunidade e foi muito inteligente em continuar a alimentar isso".

Depois de ter visto Taylor Swift no Reino Unido, em junho de 2018, quando a cantora norte-americana levou a digressão “Reputation” ao Etihad Stadium, em Manchester, Andreia Peixoto espera agora a estreia da cantora em Portugal.

Como acessórios obrigatórios para o concerto, Andreia Peixoto, enumera as famosas "pulseiras da amizade", que se prepara para trocar com outros fãs. Uma tradição que começou na primeira parte da "Eras Tour" nos Estados Unidos, depois de Taylor Swift ter pedido aos "swifties" (como são designados os seus seguidores) para comprarem miçangas e fabricarem as suas próprias "friendship bracelets", de que fala na música "You're on Your Own, Kid".

"Estou muito entusiamada. É uma iniciativa que já existe há anos em outros países e é um sinal de que nos mantemos unidos e queremos cultivar a amizade e a boa energia. Esta união entre fãs já vem desde o início, quando muita gente na indústria gozava com o que Taylor fazia. Isso fez com que os fãs se aproximassem ainda mais. Os fãs tornaram-se o seu lugar seguro", sustenta.

"Terapia" Taylor

Este é um assunto sério para Leonor Almeida, 18 anos, administradora da página Swifties PT, no Instagram. Assegura que são as letras das músicas da cantora que fazem a diferença, por serem "muito terapêuticas, para quem sofre de vários problemas", assegura Leonor.

"Ela escreve sobre tudo: relacionamentos, os problemas alimentares que ela sofreu, ciberbullying... Porque ela também passou por uma fase difícil, foi escrevendo músicas e vais percebendo que, se ela conseguiu que as coisas melhorassem, tu também vais conseguir."

Leonor não está interessada em avaliações à qualidade da voz ou dos arranjos musicais de Taylor Swift – e muito menos alinha em comparações. “Não gosto que comparem a voz dela com a de outras cantoras, como a de Ariana Grande. A Ariana tem uma voz mais aguda, a Taylor uma voz mais grave. E há quem diga que a Taylor não sabe fazer notas altas, não faz sentido. Apenas são diferentes.”

Leonor considera as letras da cantora "terapêuticas". Foto: Marta Pedreira Mixão
Leonor considera as letras da cantora "terapêuticas". Foto: Marta Pedreira Mixão
Fez mais de 250 pulseiras de miçangas para trocar com outros fãs no concerto. Foto: Marta Pedreira Mixão
Fez mais de 250 pulseiras de miçangas para trocar com outros fãs no concerto. Foto: Marta Pedreira Mixão

Esta sexta-feira e sábado, Leonor estará no Estádio da Luz como voluntária, das 9h às 17h, a "tentar ajudar os fãs com qualquer dúvida" e a garantir auxílio "se alguém se sentir mal". "No Brasil, por exemplo, houve uma morte por causa da desidratação e nós não queremos que esse cenário se repita.”

À noite, quando Taylor Swift subir ao palco, a fã estará já munida de "260 pulseiras da amizade", preparadas durante três meses. "Separei-as por 11 molhos de cores diferentes, o número de álbuns que ela lançou."

De Washington para Lisboa: “É mais barato do que qualquer concerto nos Estados Unidos”

Se há fã que andou sempre na luta para conseguir um bilhete para Taylor Swift foi Nathan Makla. Com 35 anos e a viver em Washington, nos Estados Unidos, o norte-americano tentou garantir um ingresso quando a pré-venda online de bilhetes para a “Eras Tour” arrancou na Europa, em países como Holanda e Suécia, mas só à terceira foi de vez: é para Portugal que vem e não teve dúvidas desde o primeiro minuto.

"Só liguei para um amigo e disse-lhe: ‘vamos para Lisboa no próximo ano e o resto é história’. Soube imediatamente que iria em frente."

Assim que conseguiu o código de acesso por email para obter os bilhetes, já só havia bilhetes para a zona VIP, que custavam 350 euros. Para quem vem do contexto de Nathan, não houve motivo para susto: "É significativamente mais barato do que qualquer concerto nos Estados Unidos neste momento. Foi incrível".

Nathan Makla não arrisca falar sobre as expectativas que tem para o concerto. "A magia de Taylor Swift é precisamente essa, nunca se sabe o que esperar, há sempre surpresas", sublinha. Mas admite que será difícil superar as memórias que tem "do melhor concerto de toda a vida", quando Taylor Swift levou a “Eras Tour” ao MetLife Stadium, em East Rutherford, New Jersey, a 26 de maio de 2023, naquele que foi o primeiro de três concertos esgotados.

"Vai fazer exatamente um ano desde que a vi. Pude ouvi-la cantar ‘Maroon’ ao piano e ‘Getaway Car’, com Jack Antonoff a juntar-se a ela no palco. Houve também uma aparição surpresa do Ice Spice, que participou na ‘Karma’. Foi a melhor experiência de concerto que já tive e sinceramente nunca achei que haveria outra oportunidade de vê-la em qualquer outro lugar do mundo. Afinal, será agora, em Lisboa. Certamente que será um concerto um pouco diferente, ela entretanto já lançou três álbuns [‘Speak Now’, ‘1989’ e ‘The Tortured Poets Department’], deverá fazer uma mistura de músicas, mas veremos as surpresas que aí vêm".

Quando falou com a Renascença, Nathan ainda não tinha a mala feita, mas já sabia que roupa ia usar no concerto: alinha no suspense e na irreverência camaleónica que Taylor apresenta nos espetáculos.

"Vou usar uma roupa temática destemida, da era do álbum '1989'. Se calhar até terei dois disfarces e troco a meio do concerto, quem sabe, mas certamente não vou ganhar o ‘prémio de look mais selvagem’", atencipa o norte-americano.

"Estou muito entusiasmado para ver todos os ‘looks’ que os fãs vão usar em Lisboa. Vou levar também 50 pulseiras da amizade para trocar com outros fãs, uma oportunidade para conhecer novas pessoas".

Mas Nathan Makla nem sempre foi um jovem descomplexado. Em 2012, quando tinha 23 anos, ouvia Taylor Swift no silêncio do seu quarto, com "vergonha de admitir que gostava de estrelas pop femininas" e de se assumir tal como é.

"Lembro-me de estar na faculdade e de Taylor lançar o álbum ‘Red’, que foi um grande sucesso. Eu ouvia o álbum sozinho, mas as músicas levavam-me para festas de faculdade e ajudaram-me a assumir a minha sexualidade. E tudo correu bem."

Nathan fala de Taylor Swift como se da sua terapeuta se tratasse. "Desde então, estou confortável com minha própria pele e não me importo com o que as pessoas pensam ou dizem sobre mim neste momento. Depois, veio o ábum ‘1989’, com a música ‘Out of the woods’, que é uma espécie de hino para mim e, certamente, para muitas outras pessoas."

Os dois concertos que acontecem esta sexta-feira e sábado, no Estádio da Luz, estão completamente esgotados.

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