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Joana Marques: "É um dos meus maiores divertimentos, procurar o ridículo, nos outros e em mim"

22 mar, 2024 - 17:52 • Marta Pedreira Mixão

Prestes a enfrentar dois dias de "Desconfia", a humorista fala com a Renascença sobre as obsessões do “coaching”, as reações dos seus "alvos" diários e o papel das redes sociais no "ego". E recusa que programas como o "Isto é gozar com quem trabalha" devam preocupar-se com possíveis efeitos nos votantes. "Não obedecemos a critérios jornalísticos nem outros. Queremos que o programa faça rir, e isso já é uma preocupação suficientemente grande".

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O podcast mais ouvido da rádio está em "hold" desde o dia 4 de março. Joana Marques avisou apenas: "um dia destes volto. Também não vou demorar assim tanto". O motivo por detrás desta pausa no "Extremamente Desagradável", da Renascença, é a preparação dos dois espetáculos "Desconfia", que vão realizar-se já esta sexta-feira e sábado (dias 22 e 23 de março) no palco da Meo Arena, em Lisboa, com vários convidados especiais e ainda algumas surpresas.

Joana Marques, que descreveu o espetáculo como o "maior evento de desmotivação do mundo", diz que o objetivo é o mesmo de sempre: "fazer as pessoas rir" e que não pretende "mais nada do que isto: que as pessoas não se arrependam de ter passado duas horas a ver este espetáculo".

Em entrevista à Renascença, a humorista fala sobre o potencial humorístico do fenómeno do "coaching" e conta como lida com as reações ao seu trabalho diário. Garante que não corre o risco de se fartar de procurar o “ridículo” nos outros (e na própria) e discorre sobre o papel das redes sociais no "aumento" do ego.


"O vaidoso antigamente procurava elogios e validação junto do seu núcleo, agora pode procurá-la junto de uma imensidão de seguidores".

As redes sociais levaram muitas pessoas a exporem as suas vidas pessoais, o que deve facilitar muito a recolha de material para usar no “Extremamente Desagradável”. Acha que foram as redes sociais que acentuaram e promoveram a vaidade ou só contribuíram para que os “egos” ficassem mais expostos e evidentes?

Há-de haver estudos sérios sobre essa matéria, mas, da minha experiência enquanto observadora, diria que as redes sociais vieram exacerbar essa vaidade. É com certeza uma vaidade que já existia, mas que agora é mais fácil não só mostrar ao mundo como realimentá-la, através de ‘likes’, comentários e seguidores, fazendo com que o ego insufle ainda mais. Enquanto o vaidoso antigamente procurava elogios e validação junto do seu núcleo, agora pode procurá-la junto de uma imensidão de seguidores.

O programa representa a sua identidade no humor?

Acho que sim. Sendo um programa que faço todos os dias, há mais de cinco anos, é inevitável que seja a minha identidade. Abordo temas que abordaria naturalmente, mesmo que não fosse humorista, porque me interessam.

Acha que, regra geral, os “alvos” do programa percebem o que está a fazer (um exercício de humor) ou acham que é “ódio” gratuito ou algo pessoal?

Não sei. O programa não é feito a pensar nos "alvos", mas sim em todas as pessoas que ouvem porque, em princípio, gostam. Os visados até é natural que não gostem. É como quando escorregamos na rua e esperamos que ninguém tenha visto. É chato se, de repente, tivermos alguém a apontar alguma coisa que pode ser risível para os outros. Quando somos nós próprios dói-nos mais um bocadinho. Quanto a ser algo pessoal, era impossível. Era preciso que eu tivesse "algo pessoal" contra centenas e centenas de pessoas, já que falo de pessoas diferentes todos os dias, e não conheço a maioria delas. Ao contrário do que possam pensar, não tenho nada contra ninguém. As pessoas é que podem ter alguma coisa contra mim.

O que a motiva nos trabalhos que faz passa mais pelo humor ou por observar, analisar e desconstruir o comportamento de pessoas?

Pelo humor, claro. Sendo que observar, analisar e desconstruir são tudo tarefas que fazem parte do trabalho do humorista.

Numa entrevista à RTP, disse que os jornalistas “têm pouco poder de encaixe” e levam as críticas mais a sério. Acha que isto é mesmo um mal de profissão? De que forma?

Claro que é uma análise superficial, baseada apenas no grupo de pessoas que já foram tema do “Extremamente Desagradável”. Desse pequeno universo, se tiver de fazer um top 10 dos que se disseram mais ofendidos, constarão vários jornalistas. É claro que é uma generalização (e uma provocação, uma vez que estava a falar com um jornalista). No fundo, esses jornalistas a que me refiro são, mais do que isso, estrelas televisivas e talvez isso as defina mais do que o jornalismo propriamente dito.

Alguma vez ficou surpreendida com determinada reação ao seu trabalho?

Não, já nada me surpreende, mas ainda há muita coisa que, felizmente, me diverte, nessas reações mais inesperadas.

Tenta definir um limite quando faz humor ou acredita que não há limites para o humor?

Respondo com uma pergunta: se houvesse limites para o humor, quem os definiria?

E processos por difamação são comuns?

Não, nada comuns, felizmente. O que quer dizer que a maioria das pessoas sabe distinguir difamação de um exercício humorístico.

Acho positivo que as pessoas sejam muito desagradáveis nas redes sociais e muito agradáveis na rua. Era muito pior se fosse ao contrário.

De guionista a “dar a cara” pelo seu “humor”, foi um processo complicado?

Não, foi inevitável e, portanto, acabou por ser natural , não foi uma coisa pensada.

O facto de o programa estar “online” e de ter redes sociais também faz com que esteja exposta a alguns comentários, provavelmente, “extremamente desagradáveis”. De que forma acha que as redes sociais contribuem para este fenómeno de dirigir “ódio às pessoas”?

Acho positivo que as pessoas sejam muito desagradáveis nas redes sociais e muito agradáveis na rua (é essa a minha experiência, e acho que a de quase toda a gente). Era muito pior se fosse ao contrário. Talvez o facto de extravasarem nas caixas de comentários seja positivo. Antes ali que noutro sítio.

Além do “Extremamente Desagradável”, também trabalha no “Isto é gozar com quer trabalha”, um programa onde os “alvos” do humor são mais políticos. O programa deu algum destaque a partidos como o Chega e o ADN durante o período da campanha eleitoral. Acha que, de alguma forma, contribuíram para dar mais atenção a estes partidos?

Não pensamos nesses termos. Procuramos aquilo que possa ter piada. Se é do partido A ou B, tanto faz. Não obedecemos a critérios jornalísticos nem outros. Queremos que o programa faça rir, e isso já é uma preocupação suficientemente grande para estarmos preocupados com o facto de termos falado mais tempo deste político ou daquele. Também não me parece que ninguém tenha visto as propostas do ADN no nosso programa e pensado "ora bem, é mesmo nestes que eu quero votar, é boa ideia isto de querer mandar toda a gente para o Tarrafal...".

Já escreveu um livro que satirizava os livros de autoajuda. O que é agora este convite à “desconfiança”? O que pretende com este novo espetáculo?

Pretendo o mesmo que com todos os outros. Fazer as pessoas rir. Aqui há um tema, que é este universo do “coaching”, do desenvolvimento pessoal, etc., mas a intenção é sempre a mesma. Não pretendo mais nada do que isto: que as pessoas não se arrependam de ter passado duas horas a ver este espetáculo.

Não é melhor assumirmos que há coisas que não sabemos fazer, do que perseguirmos uma ideia de que todos podem ser tudo?

O que torna este fenómeno do “coaching” tão apetecível no humor?

Fascina-me a ideia de todos termos de ser melhores a cada dia que passa, esta obsessão por sermos produtivos, sermos a nossa melhor versão, sermos empreendedores, sermos donos do nosso tempo, sermos os nossos próprios patrões, etc. O meu exercício aqui foi perguntar: será isto tudo assim tão bom? Às tantas não é melhor ter um patrão do que sermos chefes de nós mesmos? Não é melhor tomar um banho quente do que um duche gelado? Não é melhor assumirmos que há coisas que não sabemos fazer, do que perseguirmos uma ideia de que todos podem ser tudo?

Ajudou a mostrar a importância – ou falta dela – da “coach” do Éder naquele golo na final. Acha que estes “profissionais” acreditam mesmo naquilo que apresentam às pessoas?

Acho que há de tudo, no “coaching” como noutras áreas. Há inclusivamente psicólogos que fazem “coaching”, portanto não me parece que o problema esteja no “coaching” propriamente dito. Está mais, como em qualquer outra atividade que se torna moda, nos aproveitamentos que são feitos em torno dela.

Há mais espaço para as mulheres no humor atualmente?

Acho que sim. E esse espaço tende a aumentar, no humor e em todas as outras atividades.

Acha que corre o risco de se fartar de procurar o “ridículo” nos outros?

Acho que não corro esse risco. É um dos meus maiores divertimentos, procurar o ridículo, nos outros e em mim. Por acaso profissionalizei esse hobby, mas fá-lo-ia na mesma, mesmo que não fosse transmitido na rádio.

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