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Reportagem Renascença

"Perdi a esperança, são todos iguais". Professores sem expetativas quanto ao novo Governo

28 mar, 2024 - 13:08 • André Rodrigues

Sejam mais jovens, ou mais veteranos, os professores estão entre os mais desiludidos com as políticas seguidas por anteriores governos. E são, também, os que menos ilusões alimentam quanto a melhorias na profissão e na escola pública. Seja porque estão deslocados há muitos anos, seja porque acham que a Educação nunca foi uma promessa concretizada em 50 anos de liberdade.

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Marisa Oliveira é professora de Matemática e Ciências desde 2007. Em 16 anos completos de docência, poucas vezes soube o que era ter estabilidade, estar perto de casa, ter um salário que lhe permitisse ter uma vida previsível.

Natural da região do Porto, esta docente está, atualmente, a dar aulas em Paço D’ Arcos, no concelho de Oeiras. Foi lá que esteve no ano etivo anterior, mas desde 2017 que está a dar aulas no distrito de Lisboa.

“Com toda a vida aqui, não está a ser fácil ir e vir a casa todos os fins de semana”, conta à Renascença.

E como Marisa, centenas de colegas: “é uma injustiça tremenda a falta de estabilidade que o Governo nos dá, a falta de critérios claros, a mudança de regras ao longo do ano letivo”.

Marisa ainda resiste. Diz que só está na profissão, porque não se vê a fazer outra coisa: “só mesmo por amor para aguentar isto”.

A pergunta seguinte é: por quanto mais tempo. “Não sei”, desabafa a professora que já tentou ir para o ensino privado e até conseguiu estar dois anos a dar aulas mais perto de casa.

Só que, depois, quis dar mais uma oportunidade ao ensino público. Consequência: “não posso vincular”.

Por isso, sem se conformar com as dificuldades, Marisa Oliveira continua a aceitar as condições adversas de uma vida sem estabilidade à vista e em que as dificuldades se sentem.

Até no bolso. Esta professora reconhece que a soma de custos financeiros de uma vida de deslocada traduz-se num enorme desafio de compatibilização entre ganhos e gastos.

Há meses em que não consigo”. Mas há quem esteja pior, “sobretudo os colegas que têm filhos, que não é o meu caso”.

Marisa trabalha com professores, também eles numa situação igual à sua, e que “durante a semana jantam uma sopa apenas, porque têm o dinheiro muito contado, porque têm de pagar cá a casa ou a escola dos filhos… nem sei como é que ainda têm motivação para ir trabalhar”.

Por tudo isto, questionada sobre o que pode mudar com o novo Governo, Marisa Oliveira baixa as expetativas ao mínimo: “perdi a esperança, são todos iguais. Sejam PSD ou AD, sejam PS… eles mudam as regras conforme bem entendem, não pensam em nós, nem pensam nos alunos. Só na governação deles”.

O que, para esta docente na casa dos 40 anos, não deixa de ser um paradoxo: “desengane-se quem acredita que a Educação não dá votos. Dá e muitos”.

Sinal disso, diz, foi “a revolta dos professores também fez com que acontecesse o que aconteceu agora nas eleições. Os professores estão muito cansados… e eu estou muito descontente mesmo”.

“Um bom dia, stora… e o meu dia está ganho”

Paula Gomes está no ensino há 33 anos. “Faltam-me quatro para ir para a reforma”, conta à Renascença esta docente de Matemática e Ciências na escola do Viso, um dos territórios socialmente mais complexos na cidade do Porto.

Com o avanço da carreira, Paula viu as horas de docência serem, progressivamente, substituídas por horas de trabalho burocrático.

Quando olha para o que poderá ser a escola do futuro, para um tempo em que já estiver a gozar o descanso da reforma, Paula diz que não conseguirá evitar a ideia de que “a Educação não foi uma conquista conseguida do 25 de Abril”.

“Preocupa-me muito a escola do futuro, a importância do conhecimento que os alunos levam da escola. E acho que, ao longo destes 50 anos de 25 de Abril, após muitas reformas do ensino, os conhecimentos que os alunos trazem da escola têm vindo a diminuir progressivamente”, lamenta a professora que, diz que sempre olhou a docência com sentido de missão, “como vocação e paixão”.

Em troca, diz ter recebido do Governo a “falta de reconhecimento” e o facto de já não haver “ministros como Roberto Carneiro, que via o ensino com uma coisa muito útil e muito valiosa, como um elevador social, como o ensino deve ser, como a escola pública deve ser uma oportunidade para todos”.

E tem esperanças de que assim seja com um novo ministro ou ministra da Educação? “As experiências anteriores de muitos anos de muitas reformas não me dão muita esperança”.

Na contagem decrescente para a aposentação, Paula declara “alguma ansiedade” para que esse momento chegue.

É assim que se manifesta a desmotivação desta professora que, nos últimos anos, tem encontrado no carinho dos alunos a razão para continuar em missão. “Quando um aluno vem e me diz ‘bom dia, stora, como está?’… quando isso acontece, esse dia já está ganho”, declara emocionada.

“Marasmo vai impedir escola pública de ser o elevador social”

Maria Clara Silva, é professora de História e Geografia de Portugal há 27 anos, também na Escola do Viso, no Porto.

Em declarações à Renascença, começa por dizer que a grande prioridade do próximo Governo deveria ser a recuperação do tempo de serviço congelado, “não só porque foi serviço efetivamente prestado, mas também porque é isso tem subjacente uma ideia de desvalorização da profissão docente”.

Não contabilizar o tempo de serviço, sabendo que ele foi prestado, é desconsiderar o trabalho de todos os professores que continuam a cumprir a sua missão”, acrescenta.

Só que, para esta docente, essa é uma pequena parte de um problema maior e bem mais complexo: “há hoje um facilitismo a que a escola pública se permite e, por isso entramos num marasmo que vai impedir a escola pública de ser o elevador social”.

O problema, diz, é a falta de conhecimento da realidade que leva a que muitas decisões sejam tomadas em gabinete e sem qualquer noção da realidade para lá das quatro paredes do ministério.

Contornar isso teria, necessariamente, de significar visitas de trabalho periódicas ao parque escolar, “um pouco à semelhança do que Mário Soares fez com as suas presidências abertas", transpondo o modelo para a agenda dos ministros da Educação, para que vão ao terreno com frequência para conhecer a realidade, "mas sem o show off”.

Caso contrário, “as reuniões dão em zero e, depois, estabelecem-se prioridades completamente absurdas”.

Exemplo disso, diz, é a recente autorização de 6,5 milhões de euros de despesa para que as escolas possam adquirir computadores novos, como forma de resolver a crise do parque tecnológico dos estabelecimentos do ensino público.

Mas será que resolve? “Isto foi pensado nas provas de aferição que vão ser em maio mas, em boa verdade, estamos quase em abril”, argumenta a professora.

Quando o terceiro período de aulas arrancar, já haverá um novo Governo e, com ele, um novo ministro da Educação, só que “o programa da AD tem uma série de medidas com as quais eu não concordo”.

“Começa logo com a monodocência até ao sexto ano; depois, o caso dos cheques ensino em que cada pai, cada família organiza-se e escolhe a escola que entender. Isto funcionava se todos estivessem em pé de igualdade”.

Como assim? “As escolas que têm uma população socioeconómica desfavorável e não têm resultados positivos, não têm reforço de recursos humanos. Pelo contrário, retiram-se recursos humanos, como se fosse um castigo… como se fosse possível fazer-se omeletes sem ovos”.

Maria Clara Silva, docente de História e Geografia de Portugal, diz só ver um ponto positivo no programa eleitoral do Governo que está prestes a iniciar funções: “o regresso a provas ou exames no quarto e sexto anos. Isso sim, seria positivo”.

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