18 set, 2021 - 21:43 • Redação, com Lusa
O historiador, sociólogo e crítico de arte José-Augusto França morreu este sábado, aos 98 anos, na casa de saúde de Jarzé, perto da cidade francesa de Angers, disse à Lusa a pintora Emília Nadal, sua amiga e da família.
Considerado uma referência na área das artes visuais e da cultura em Portugal, José-Augusto França encontrava-se internado há vários anos nessa unidade de cuidados continuados, após uma operação na sequência da qual sofreu diversos acidentes vasculares cerebrais, e morreu este sábado às 13h00 locais (12h00 em Lisboa), segundo a mesma fonte, devendo ser cremado ainda esta semana em França.
Da sua extensa obra, destacam-se os estudos sobre a arte em Portugal nos séculos XIX e XX, as monografias sobre Amadeo de Souza-Cardoso e Almada Negreiros, além de outros volumes de ensaios de interpretação e reflexão histórica, sociológica e estética sobre questões da arte contemporânea.
Enquanto teórico e divulgador, participou entre 1947 e 1949 nas atividades do Grupo Surrealista de Lisboa, de que fizeram parte, entre outros, Mário Cesariny de Vasconcelos e Alexandre O'Neill, e foi, na década seguinte, um defensor da arte abstrata.
Foi condecorado diversas vezes, como Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1991), a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (2006) e as medalhas de Honra da Cidade de Lisboa (1992) e de Mérito Cultural (2012).
Diplomado pela École d'Hautes Études de Paris e doutorado pela Sorbonne, foi professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa desde 1974, onde criou os primeiros mestrados de História da Arte do país, e jubilou-se em 1992, tendo recebido das mãos do então Presidente Mário Soares a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública, no final da última aula que deu.
Também lecionou na Sociedade Nacional de Belas Artes, presidiu à Academia Nacional de Belas-Artes, foi diretor do Centro Cultural Calouste Gulbenkian, em Paris, membro do Comité Internacional de História da Arte e presidente de honra da Associação Internacional dos Críticos de Arte.
Nascido em Tomar a 16 de novembro de 1922, doou o seu espólio ao museu da cidade.
José-Augusto França foi presidente do Centro Nacional de Cultura (CNC), onde sentiu na pele a perseguição e censura da PIDE durante o Estado Novo.
No programa Ensaio Geral da Renascença, em maio de 2015, dedicado aos 70 anos do CNC, o historiador contou à jornalista Maria João Costa como conheceu Almada Negreiros e falou da amizade com personalidades do mundo das artes e literatura como Afonso Botelho, Alçada Batista, Francisco Sousa Tavares e Sophia de Mello Breyner.
"Entrei para o Centro Nacional de Cultura onde fiz muitas coisas, onde fugi da Polícia, enfim, várias aventuras que aconteceram. Um dia o Gilles Leroy, um homem muito marcado à esquerda em França, devia fazer uma conferência no CNC e, à última hora, a PIDE proibiu a conferência. O embaixador de França estava a assistir à conferência e convidou-nos a ir ao [restaurante] Tavares Rico e os PIDES foram atrás de nós, sem saber muito bem o que fazer", contou José-Augusto França numa edição especial do programa Ensaio Geral, com Guilherme d'Oliveira Martins.
José-Augusto França recordou que, em tempos de ditadura, "as coisas passavam-se assim de uma maneira perfeitamente ridícula, mas com algumas vantagens do sítio, porque o CNC tinha umas passagens secretas para os armazéns do Teatro São Luiz, o que servia às vezes de fuga e de armazenamento de coisas que não podiam ser vistas pela polícia política".
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considera que a morte de José-Augusto França representa a perda de "uma das maiores figuras culturais do Portugal contemporâneo".
O historiador e crítico de arte foi "um nome fundamental na afirmação do surrealismo português, organizando exposições, promovendo jovens artistas, escrevendo na imprensa", assinala o chefe de Estado, numa mensagem de condolências publicada no site da Presidência da República.
"Entre os seus trabalhos mais importantes estão monografias sobre Almada e Amadeo, sobre a cidade de Lisboa, sobre o romantismo em Portugal, além de volumes de referência sobre a arte portuguesa dos últimos dois séculos", destaca Marcelo Rebelo de Sousa.
O Presidente lembra o percurso de José-Augusto França e conclui que "não houve tarefa de investigação, divulgação, estudo e pedagogia que não tivesse exercido ao longo de sete décadas de atividade".
"Numa época em que a arte portuguesa tem vindo a alcançar o reconhecimento internacional há muito devido, é justo lembrar o muito que devemos a quem incansavelmente produziu um discurso crítico e histórico sobre as artes em Portugal. E ninguém o faz com mais intensidade, sabedoria e distinção do que José-Augusto França", enaltece Marcelo Rebelo de Sousa.