07 set, 2016 - 09:15
Já houve um tempo em que os lançamentos de novos produtos da Apple geravam meses de antecipação e rumores, com eventos que se assemelhavam mais a concertos rock, com milhares às portas, do que comuns apresentações de produtos. O paradigma mudou, diz Celso Martinho, fundador do portal Sapo, no dia em que a gigante tecnológica norte-americana apresenta novidades (o iPhone 7, acredita-se).
Hoje, afirma Celso Martinho, director executivo da Bright Pixel, uma "construtora" de empresas na área tecnológica, as empresas de tecnologia estão muito mais preocupadas com os seus "ecossistemas" e com os pequenos detalhes que os distinguem do que apenas com as características técnicas dos seus produtos.
Olhando para o percurso da Apple depois da morte de Steve Jobs em 2011, Celso Martinho conclui que a empresa está diferente, mas continua a ser uma referência incontornável na inovação tecnológica, ainda que agora com mais concorrência. Os tempos, diz, também mudaram: "Já não estamos numa etapa em que estávamos há 10 ou há 15 anos em que os incrementos tecnológicos eram todos muito surpreendentes."
Tecnologia, o que podes fazer pela minha vida?
Esta quarta-feira, a Apple dirige-se ao mundo numa conferência de imprensa em que o protagonista deverá ser o iPhone 7, mas há também outras novidades: numa mensagem aos seus programadores, a tecnológica de Cupertino anunciou que vai eliminar aplicações que não estejam actualizadas e que não se coadunem com os padrões de qualidade da plataforma.
O anúncio ilustra a mudança de paradigma do “hard” para o “software”. “Hoje, trabalha-se muito mais o tema do ecossistema e da retenção dos seus utilizadores e a grande parte do esforço das empresas como a Apple passa muito pelos pequenos detalhes e pequenas mudanças e pela estratégia, e não tanto pelos lançamentos dos novos equipamentos que vêm surpreender pelas suas capacidades tecnológicas”, aponta Celso Martinho.
O próprio Tim Cook, sucessor de Jobs, já o afirmou: “Há quem veja a inovação como mudança, mas nós não a vemos assim. A inovação é tornar as coisas melhores."
É inegável a revolução que se operou quando saiu o primeiro iPhone, que trazia tecnologia única na altura, tal como os iPods e os Macs. “Na altura comparávamos as características técnicas e a capacidade dos equipamentos muito mais do que aquilo que davam às pessoas”, aponta Celso Martinho. Agora, os utilizadores estão mais interessados naquilo que os dispositivos podem efectivamente fazer pelas suas vidas. As empresas como o Facebook, a Apple ou a Microsoft estão focadas em manter um ambiente em que “os seus utilizadores permaneçam e gastem muito tempo”.
"É o somatório de todas as pequenas facturações que depois dá os valores astronómicos que estas empresas têm de facturação e muito menos os grandes lançamentos tecnológicos”, resume Celso Martinho.
A rivalidade entre os sistemas operativos iOS e Android ilustra bem esta nova realidade. O Android está presente em muito mais equipamentos e ultrapassou, há anos, o número de dispositivos vendidos face ao iPhone, mas, diz Celso Martinho, isso não significa que seja um ecossistema mais valioso.
“A Apple gera muito mais receitas sendo muito mais pequeno do que o Android estando presente em muito mais equipamentos”, e consequentemente, “produz muito mais negócio”.
Das “maluqueiras” de Jobs à facturação de Cook
Depois de Steve Jobs, a Apple ainda é o que era? Celso Martinho não tem dúvidas. “Em relação à inovação - é evidente que sentimos falta das 'maluqueiras' que o Steve Jobs tinha, dos seus ‘pet projects’, dos seus lançamentos que depois não davam em nada muitas vezes."
Mas a Apple acompanhou as mudanças no meio. “Continuam a adquirir talento; há os carros autónomos, a inteligência artificial – o futuro da plataforma móvel, os serviços de subscrição, os conteúdos, a música, em todas as áreas que possamos identificar cujo paradigma está a mudar, a Apple está em todas”, afirma o especialista.
Quanto à liderança, a mudança opera-se mais a nível da percepção do que na realidade. Os números não mentem: sob a liderança de Tim Cook, a empresa bate recordes consistentemente e já vendeu mil milhões de iPhones. Com um estilo mais frugal e virado para os objectivos, Cook duplicou as receitas da empresa nos últimos anos.
“Steve Jobs era uma pessoa muito virada para o futuro e para a experimentação, era quase um visionário e uma pessoa que apaixonava só pela forma como falava. Tinha um estilo contagiante. O Tim Cook é uma pessoa muito mais racional, discreta, mas muito eficiente”, descreve Celso Martinho. “Não me parece que pelo facto de o Steve Jobs ter desaparecido e o Tim Cook ter assumido a liderança que a Apple hoje internamente tenha mudado a sua cultura. Não vejo o Tim Cook como algo de menos bom que tenha acontecido à Apple. Tem feito um grande trabalho."
A morte do "jack"
Além disso, a Apple tem clientes leais. Porquê? "Foram pioneiros numa coisa que agora é comum e que todas as empresas inteligentes fazem: a Apple foi a primeira empresa a privilegiar brutalmente o utilizador, a relação e a experiência. Essa relação de transparência, fazer produtos orientados não para os lucros de curto prazo, mas para o utilizador, traduz-se numa lealdade muito grande para com a marca”, considera Celso Martinho.
Então e o iPhone 7? O meio pode estar mudado, mas não há como negar a antecipação e os rumores gerados em torno de mais novo “bebé” da Apple. Os sites da especialidade falam em três modelos – o 7, o 7 Plus e o 7 Pro, comercializados em cinco cores com capacidade de armazenamento que pode ir até aos 256GB.
A novidade mais polémica será o fim da entrada “jack” de 3,5mm para os auscultadores. Ou seja, a confirmarem-se os rumores, os donos dos novos iPhone vão passar a ouvir música através de tecnologia “wireless” ou da entrada “lightning”, a actual entrada do carregador de bateria.
"Não vai ser drama nenhum”, diz Celso Martinho. “Isso aconteceu tantas vezes com tantos equipamentos da Apple: foram os primeiros a deixar cair as disquetes, depois os CD-ROM, foram sempre os primeiros a descontinuar tecnologias e interfaces que mais nenhum fabricante teve a coragem de antecipar."
"Daqui a seis anos todos vamos dizer que era óbvio que esta mudança tinha de ser feita. E vamos ter todos auscultadores ‘wireless’ ou com ficha ‘Lightning’."