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Abusos na Igreja. Sacerdotes suspeitos deviam afastar-se, diz bispo auxiliar de Lisboa

25 out, 2022 - 15:00 • Ângela Roque

Qualquer padre denunciado por abuso devia pedir para deixar de exercer enquanto está a ser investigado. Seria a “decisão normal”, defendeu D. Américo Aguiar à margem da entrega do prémio anual da APAV à Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Contra Crianças na Igreja.

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Qualquer sacerdote denunciado por abuso devia tomar a iniciativa de pedir para deixar de exercer enquanto está a ser investigado, defende D. Américo Aguiar. O bispo auxiliar de Lisboa, e responsável pela Comissão de Proteção de Menores do Patriarcado, não quis comentar eventuais situações em que, a nível nacional, padres suspeitos de abuso continuam no ativo, por não estar “mandatado para falar em nome da conferência episcopal”. Mas, considerou que essa seria a melhor atitude.

“A minha sensibilidade – e vamos restringir àquilo que é a minha responsabilidade e jurisdição – é que seria mais confortável para todos e verdadeiro. Pessoalmente, eu faria isso, para esclarecer a verdade”, assegurou, acrescentando que, no fundo, “é aquilo que às vezes pedimos e solicitamos a outras entidades, que a pessoa se afaste ou peça a suspensão das suas funções, não como assunção de culpa do que quer que seja, mas para não influenciar nem criar qualquer tipo de ruído à volta disso. Como sociedade e como Igreja penso que era bom que isso, não digo que fosse automático, mas que fosse a decisão normal”.

E a responsabilidade dos bispos? “Não devo fazer considerações sobre as decisões em cada diocese. Defendo que após uma denúncia e uma conversa do sacerdote com o bispo, o normal seria que acontecesse essa decisão. Não tendo conhecimento das condicionantes, nem do conteúdo das denúncias, posso aceitar que existam decisões diferentes. Mas, o normal era que a decisão fosse essa, do afastamento das funções”, reafirmou.

D. Américo admitiu que é “preocupante” que possa haver padres suspeitos no ativo, e disse que estaria “mais descansado” se houvesse uma “partilha permanente dos dados” da Comissão Independente às comissões diocesanas, mas percebe que isso “talvez criasse desconfiança nas vítimas”. O que assegura é que no final das investigações “será cumprido o direito canónico e o civil”, que coincidem em algumas coisas, noutras não. “Nas prescrições, por exemplo, no direito canónico há um prazo que pode ser reavaliado pelo Dicastério, enquanto no civil isso não acontece. Aquilo que devemos fazer primeiro – e é um apelo que faço – é continuarmos a criar um ambiente de segurança e conforto para que qualquer vitima se possam manifestar”, e hoje “não faltam canais para a denúncia ser feita”.

À Comissão de Proteção de Menores do Patriarcado de Lisboa foram denunciados três casos suspeitos de abuso. “Tivemos o caso de um sacerdote que estava na diocese de Vila Real, foi suspenso, e no civil também já teve um desfecho. O segundo caso (com o padre de Massamá) ainda está a decorrer, quer civil quer canonicamente”. O outro caso, que envolveu um sacerdote que trocou mensagens no WhatsApp “está em vias de ter um desfecho formal, quer civil, quer canonicamente”, assegurou.

Sobre o ‘padre Cardoso’ - nome fictício –, que recentemente a imprensa noticiou ter denunciado 12 casos suspeitos, Américo Aguiar esclarece que na queixa que acabou por fazer por escrito à Comissão Diocesana “fez-nos chegar não 12, mas sete” situações. O dossier foi entregue por mim no Ministério Público”, avançou. Alguns dos padres envolvidos já faleceram.

“O ministério Público tem essa lista e esses dados em sua posse. O caso está em segredo de justiça, e a comissão diocesana está a fazer o seu trabalho. Se civilmente ou canonicamente existirem dados novos ou suplementares que permitam reabrir, certamente isso será feito”, garantiu.

“Um caso que tenha sido avaliado, julgado e encerrado há ‘x’ anos atras, tenha sido arquivado ou declarado prescrito, temos de ponderar muito bem como é que essa situação se retoma”, e ter em conta a chamada “paz jurídica”, mas “esforçamo-nos pela verdade e transparência. Às vezes não temos todos os dados, e tudo é feito com muito cuidado. Mas, temos conseguido salvaguardar a identidade das vítimas, o que tem sido importante para que se consigam condições de segurança” para as denúncias serem feitas.

Prémio APAV é “um farol” da luta contra os abusos

Na entrega do prémio anual da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) à Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais Contra Crianças na Igreja Católica em Portugal, foi sublinhado o papel que este organismo tem desempenhado para “dar voz ao silêncio” das vítimas. Pedro Strecht, que preside à Comissão, lembrou que já recolheram mais de 400 denúncias, mas o número final será muito superior.

“Até agora foram mais de quatro centenas os testemunhos que recolhemos e continuam a chegar diariamente e por diversas formas à Comissão. Trata-se de testemunhos que trazem outros casos, logo mais vítimas, que na infância passaram pela mesma experiência de abuso, e assim nos transportam para um universo que ultrapassa em muito a ordem da centenas”, afirmou.

Sublinhado a “honra imensa” de receber o prémio da APAV, este responsável referiu-se à Conferência Episcopal Portuguesa, que “teve a coragem de ousar pedir” que este trabalho de investigação se fizesse, “conferindo total independência a esta comissão”. Com os resultados a que chegarem “a CEP poderá ter uma boa base científica que lhe permita o conhecimento mais detalhado do que aconteceu no passado e pensar em estratégias mais adequadas para o futuro”.

O prémio APAV seria depois oferecido por Pedro Strech a D. Américo Aguiar. “Gostava de aproveitar aqui a presença do senhor bispo auxiliar de Lisboa, organizador da Jornada Mundial da Juventude, que teve esta semana como primeiro inscrito o Papa - que virá a Lisboa em agosto de 2023 – e torná-lo guardião deste prémio, para que o mesmo possa estar perto do Papa aquando da sua visita a Portugal. Entrego fisicamente este prémio que recebemos hoje".

Para o bispo auxiliar de Lisboa, e presidente da fundação JMJ, o prémio é uma espécie de “farol” que vai lembrar a todos o que têm de fazer na prevenção e combate dos abusos.

“Vou levá-lo para o meu gabinete na JMJ, e será para todos - para toda a equipa e este grupo de centenas e milhar de jovens que pelo mundo inteiro trabalham na preparação da Jornada - alguma coisa que nos ajudará, incentivará e provocará às melhores práticas, procedimentos e decisões neste problema que queremos resolver. Aliás, a criação da Comissão Independente é uma decisão para querer resolver. Portanto, (o prémio) será um farol que nos ajudará neste caminho que temos de fazer".

D. Américo manifestou, ainda, o desejo de que a APAV possa, no futuro, vir a premiar a própria Igreja, porque isso provaria que estão a fazer o que tem de ser feito. “ O meu sonho é daqui a um ano ou dois a Comissão de Lisboa receber o prémio APAV, porque isso significará que correspondemos na totalidade àquiilo que era necessário fazer. É o maior anseio e desejo que eu tenho e que a Igreja portuguesa poderá ter", garantiu.

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