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10 de junho

D. Tolentino Mendonça. “A vida é um valor sem variações”

10 jun, 2020 - 11:46 • Eunice Lourenço

Cardeal Tolentino Mendonça pede “visão mais inclusiva do contributo das várias gerações” e “um novo pacto ambiental”.

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D. Tolentino Mendonça pede atenção aos idosos. “A vida é um valor sem variações”
D. Tolentino Mendonça pede atenção aos idosos. “A vida é um valor sem variações”

“A vida é um valor sem variações”, defendeu o cardeal Tolentino Mendonça no seu discurso como presidente das comemorações do Dia de Portugal, num discurso em que pediu mais atenção aos idosos, que considera as grandes vítimas da pandemia de Covid-19, e aos jovens adultos que enfrentam a segunda crise económica das suas vidas.

“Precisamos de uma visão mais inclusiva do contributo das várias gerações”, disse D. Tolentino, no discurso que fez no claustro do Mosteiro dos Jerónimos, onde este ano decorre a cerimónia do Dia de Portugal, inicialmente prevista para decorrer em dois palcos: Madeira e África do Sul.

“A tempestade provocada pela Covid-19”, disse o cardeal, obriga a refletir sobre os mais velhos “que têm sido as principais vítimas” desta situação, não só devido ao risco, mas sobretudo porque “socialmente os idosos estão transformados em população de risco que não queremos ver”, os idosos que estão mais pobres e mais sós. Considerando que não pode ser a esperança de vida a determinar o valor de cada, D. Tolentino deixou bem claro que todas as vidas têm valor. “A vida é um valor sem variações” afirmou o cardeal para quem “os idosos são extraordinários mediadores de vida”.

“Uma raiz do futuro de Portugal passa por aprofundar o valor dos seus mais velhos”, afirmou, para logo seguir para a outra geração que considera precisar de atenção: os jovens adultos abaixo dos 35 anos, que vivem a segunda crise económica das suas vidas e tantas vezes se encontram remetidos para experiencias de trabalho precário e informal, que os obrigam a abandonar legítimos sonhos de autonomia e de criação de família.

D. Tolentino também chamou a atenção para a questão da integração, elogiando a regularização extraordinária de imigrantes decidida pelo Governo no início da pandemia. “Sem compaixão e sentido de fraternidade não há comunidade presente nem futura digna desse nome”, acrescentou o cardeal, que a seguir pediu “um olhar novo sobre a ecologia”.

“Precisamos de construir uma ecologia do mundo, onde em vez de senhores despóticos apareçamos como cuidadores sensatos, praticando uma ética da criação, que tenha expressão jurídica efetiva nos tratados transnacionais, mas também nos estilos de vida, nas escolhas e nas expressões mais domésticas do nosso quotidiano”, afirmou D. Tolentino, que terminou o seu discurso a apelar à esperança e ao amor em Portugal.

“Portugal é uma viagem que fazemos juntos há quase nove séculos. E o bem maior que esta nos tem dado é a possibilidade de ser-em-comum, esta tarefa apaixonante e sempre inacabada de plasmar uma comunidade aberta e justa, de mulheres e homens livres, onde todos são necessários, onde todos se sentem - e efetivamente são - corresponsáveis pelo incessante trânsito que liga a multiplicidade das raízes à composição ampla e esperançosa do futuro. Portugal é e será, por isso, uma viagem que fazemos juntos. E uma grande viagem é como um grande amor”, conclui D. José Tolentino Mendonça.

Camões como guia para o desconfinamento

O cardeal responsável pelo arquivo e pela biblioteca do Vaticano começou o seu discurso com uma reflexão sobre a poesia e dedicou-o ao pensamento sobre as raízes e sobre o amor a Portugal. “Cada português é uma expressão de Portugal e é chamado a sentir-se responsável por ele. Pois quando arquitetamos uma casa não podemos esquecer que, nesse momento, estamos também a construir a cidade. E quando pomos no mar a nossa embarcação não somos apenas responsáveis por ela, mas pelo inteiro oceano. Ou quando queremos interpretar a árvore não podemos esquecer que ela não viveria sem as raízes”, começou por dizer D. Tolentino, que apresentou Camões como um guia para o desconfinamento.

“Camões desconfinou Portugal no século XVI e continua a ser para a nossa época um preclaro mestre da arte do desconfinamento. Porque desconfinar não é simplesmente voltar a ocupar o espaço comunitário, mas é poder, sim, habitá-lo plenamente; poder modelá-lo de forma criativa, com forças e intensidades novas, como um exercício deliberado e comprometido de cidadania. Desconfinar é sentir-se protagonista e participante de um projeto mais amplo e em construção, que a todos diz respeito”, afirmou o cardeal, que citou o Canto VI dos Lusíadas para lembrar que chegar ao sonho implica enfrentar dificuldades.

“É que à visão do sonho concretizado não se chega sem atravessar uma dura experiência de crise, provocada por uma tempestade marítima que Camões sabiamente se empenha em descrever, com impressiva força plástica. Digo sabiamente, porque não há viagem sem tempestades. Não há demandas que não enfrentem a sua própria complexificação. Não há itinerário histórico sem crises”, continuou D. José Tolentino, para lembrar que “no itinerário de um país, cada geração é chamada a viver tempos bons e maus, épocas de fortuna e infelizmente também de infortúnio, horas de calmaria e travessias borrascosas”.

Nessas horas tão diferentes “o importante a salvaguardar é que, como comunidade, nos encontremos unidos em torno à atualização dos valores humanos essenciais e capazes de lutar por eles”, continuou D. Tolentino, alertando que “não há super-países, como não há super-homens”, pelo que “todos somos chamados a perseverar com realismo e diligência nas nossas forças e a tratar com sabedoria das nossas feridas, pois essa é a condição de tudo o que está sobre este mundo”.

Citando Simone Veil, D. Tolentino disse que se pode amar um país pela sua força ou pela sua fragilidade, mas que é “quando é o reconhecimento da fragilidade a inflamar o nosso amor, a chama deste é muito mais pura”. Por isso, apelou: “O amor a um país, ao nosso país, pede-nos que coloquemos em prática a compaixão – no seu sentido mais nobre - e que essa seja vivida como exercício efetivo da fraternidade. Compaixão e fraternidade não são flores ocasionais. Compaixão e fraternidade são permanentes e necessárias raízes de que nos orgulhamos, não só em relação à história passada de Portugal, mas também àquela hodierna, que o nosso presente escreve. E é nesse chão que precisamos, como comunidade nacional, de fincar ainda novas raízes.”

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