16 mai, 2024 - 10:00 • Redação
São 150 fotografias reunidas em 200 páginas numa autêntica “cápsula do tempo sobre os últimos anos da ditadura portuguesa”. É o que diz o historiador Daniel Bastos, autor do livro “Memórias da Ditadura Portuguesa: Sociedade, Emigração e Resistência”, que reúne o “singular” espólio fotográfico de Fernando Mariano Cardeira.
Em entrevista à Renascença, o historiador revela que “as memórias visuais são a 'alma mater' do livro” — fotografias da história da imigração portuguesa, da guerra colonial, da imigração 'a salto', e também dos caminhos do exílio que “percorrem o percurso de vida, profissional, e oposicionista de Fernando Mariano Cardeira” entre 1968 e 1974.
Segundo Daniel Bastos, responsável pelo enquadramento histórico, este "é um livro também com dever de memória, de exercício de cidadania, de fortalecimento e crença naquilo que é a liberdade”.
Fernando Mariano Cardeira, militar desertor e exilado político, “não sendo um fotógrafo profissional, ao longo da sua vida andou sempre acompanhado por uma máquina fotográfica e foi captando momentos importantes”, conta Daniel Bastos.
“Só em 1968, já com 24 anos, é que comprei a NKL-19 e fiz as primeiras fotografias”, revela Fernando Mariano Cardeira, à Renascença. Foi durante a viagem de fim de curso, a Paris, que o antigo oposicionista se deparou com a oportunidade de fotografar um momento histórico. “Andava por ali com a máquina a tiracolo... De repente, damos com uma manifestação bastante animada de estudantes em Paris: era o Maio de 68”, conta.
O livro reúne fotografias de quando se vivia em ditadura, numa altura em que “as pessoas não gostavam de ser fotografadas, tinham medo de ser fotografadas. A PIDE estava à espreita”, refere Fernando Mariano Cardeira. Do espólio fotográfico escolhido há apenas uma fotografia em grande plano, tirada no embarque de soldados para a guerra colonial, em Moçambique, que retrata "uma senhora com um ar de sofrimento profundo”, diz Cardeira.
“Memórias da Ditadura Portuguesa" apresenta também retratos da Quinta do Narigão, um bairro de lata em Lisboa, descrito por Daniel Bastos como um “retrato da pobreza nos anos 60 na capital portuguesa”.
No livro estão, igualmente, imagens da viagem 'a salto' para o Gerês, “um caminho percorrido por centenas de milhares de portugueses à procura de melhores condições de vida", ou, em casos como o dele, "em fuga à guerra colonial”, acrescenta Daniel Bastos.
A capa do livro foi uma escolha de Daniel Bastos, que procurava uma foto que representasse a sociedade da época, a imigração e a resistência. “Chamou-me à atenção aquela de uma manifestação na Suécia com uma bandeirola onde estava bastante destacado Portugal.” O historiador viu ali “uma expressão simbólica e icónica de homens e mulheres que, em marcha, levam uma bandeirola e se manifestam precisamente em prol da liberdade, da democracia em Portugal — mas [num local] tão distante, na Suécia”.
O livro é uma edição bilingue, traduzida para inglês por Paulo Teixeira, de modo a “ganhar asas". O objetivo passa por "não ir apenas ao encontro das nossas comunidades, mas também das jovens gerações de luso-descendentes”, justifica Daniel Bastos.
O político e historiador José Pacheco Pereira é autor do prefácio do livro, onde afirma que “Cardeira não só faz o percurso de muitos exilados, uns para França, outros para a Holanda e para a Suécia, como fotografa esse percurso não só como trajeto, mas também como contexto das condições de Portugal desses anos”.
A obra tem o apoio da Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril e já teve a sua sessão de lançamento, mas tem várias apresentações programadas ao longo deste e do próximo ano. A partir deste mês vai percorrer um circuito próximo das comunidades portuguesas no estrangeiro: no dia 16 de maio, por exemplo, vai ser apresentado em Vigo no Instituto Camões; no dia 1 de junho em Toronto e em setembro em Paris.