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Futebol internacional

No lago Como não só vive Clooney. Também vive o sonho da Serie A (e está a três pontos de distância)

02 mai, 2024 - 15:00 • Inês Braga Sampaio

Conheça o Como, o clube que, com Cesc Fàbregas, Thierry Henry e o dinheiro do tabaco, está às portas do regresso ao topo do futebol italiano, 21 anos depois. Sete anos bastaram para o clube do lago renascer das cinzas da bancarrota e voar.

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Em 2017, o Como entrou na bancarrota e perdeu o plantel inteiro. Sete anos depois, à boleia de Cesc Fàbregas, Thierry Henry e de um dos maiores fabricantes de tabaco do mundo, está a um passo de regressar ao escalão máximo do futebol italiano.

O que seria o princípio do fim para muitos clubes revelou-se, na verdade, o fim de um novo início. Comecemos, no entanto, pelo primeiro dos inícios: o Lago Como. Destino turístico por excelência, plantado a menos de 100 quilómetros de Milão, tem em George Clooney o seu residente mais famoso (Madonna e Gianni Versace também gostam de lá passar férias). É onde James Bond recuperou de tortura no filme "Casino Royale", de 2006. É onde Anakin Skywalker e Padmé Amidala se apaixonaram, em "Star Wars: Episódio II – Ataque dos Clones". É palco de "O Jardim dos Prazeres", de Alfred Hitchcock.

Em 1907, um grupo de habitantes de Como juntou-se no bar Taroni e fundou o Como Foot-Ball Club. Não imaginariam que, nas décadas seguintes, a equipa seria um autêntico elevador entre o topo e o fundo da pirâmide do futebol italiano. Reza, até, a lenda de que o clube recusou Lionel Messi aos 15 anos.

Da última vez que o Como esteve na Serie A, em 2002/03, desceu logo a seguir. A partir daí, caiu a pique até à Serie D, até abrir falência em 2016. Foi salvo, um ano depois, por Akosua Puni, mulher do antigo futebolista Michael Essien, mas rapidamente voltaram os antigos vícios - salários em atraso, documentação em falta e, em última instância, a impossibilidade de inscrição na Série C. Nova bancarrota, o Como foi excluído dos campeonatos profissionais e teve de libertar todo o plantel profissional.

Foi aí que o então presidente da Câmara Municipal de Como pôs mãos à obra e nomeou uma comissão para examinar propostas de potenciais interessados na re-fundação do Como e no registo nos campeonatos amadores. O Grupo Nicastro Group reergueu o clube: dois anos depois, os "nuovi azzurri" estavam de volta à Série C.

Entretanto, em abril de 2019, a empresa SENT Entertainment adquiriu o clube, que passou a chamar-se Como 1907, por 850 mil euros - e ainda despendeu mais 150 mil para limpar as dívidas -, quando este disputava ainda a quarta divisão. Por trás, estava o dinheiro da empresa indonésia Djarum, um dos maiores produtores de tabaco do mundo, especializado em cigarros com especiarias, os chamados "kretek".

Cesc Fàbregas no banco do Como. Foto: Mutsu Kawamori/AFLO/Reuters
Cesc Fàbregas no banco do Como. Foto: Mutsu Kawamori/AFLO/Reuters
Osian Roberts é agora o treinador interino. Foto: IPA/Sipa USA/Reuters
Osian Roberts é agora o treinador interino. Foto: IPA/Sipa USA/Reuters
Foto: IPA/Sipa USA/Reuters
Foto: IPA/Sipa USA/Reuters
Foto: IPA/Sipa USA/Reuters
Foto: IPA/Sipa USA/Reuters
Foto: Gabriele Siri/IPA/Sipa USA/Reuters
Foto: Gabriele Siri/IPA/Sipa USA/Reuters

Ao contrário do que seria de esperar, tendo em conta os vários exemplos existentes, os donos mais ricos do futebol italiano - os irmãos Hartono, donos da Djarum, são avaliados em 43,5 mil milhões de euros, mais do dobro da família Agnelli, os donos da Juventus - não operaram uma revolução no Como. Para começar, reconheceram que não sabiam muito de futebol, pelo que decidiram ceder as rédeas do negócio a quem sabe.

Em 2021, entregaram a presidência do clube ao antigo internacional inglês Dennis Wise. No verão de 2022, Cesc Fàbregas surpreendeu o mundo do futebol, ao trocar o Mónaco pelo Como, para jogar na segunda divisão italiana. Também se tornou acionista minoritário do clube; pouco depois, o antigo jogador Thierry Henry fez o mesmo.

Alessandro Gabrielloni, goleador que se juntou ao Como em 2018, fala de "dois mundos diferentes", "dois clubes diferentes", antes e depois da entrada da Djarum, em entrevista ao portal "The Athletic".

"Quando cheguei, não tínhamos campo para treinar. Havia meses em que não éramos pagos. É incrível como tudo mudou", recorda.

Agora, o clube tem uma casa, em Mozzate, a 30 minutos de carro de Como. Há campo de treinos, há uma casa do clube, há um restaurante, há até um bar. E há muitos adeptos muito apaixonados.

Fàbregas foi jogador do Como durante uma temporada. Esta época, assumiu o comando dos sub-19. Quando Moreno Longo foi despedido, em novembro, assumiu o comando da equipa principal, no entanto, por não ter ainda as habilitações necessárias - a lembrar Silas, Rúben Amorim e, mais recentemente, Rui Borges, entre outros, em Portugal -, só pôde ficar no cargo durante um mês e, depois de três vitórias em cinco jogos, teve de passar a treinador-adjunto. A envolvência na vida do clube continua a ser absoluta.

A liderar a equipa, de forma interina, ficou o galês Osian Roberts, que também assumiu o cargo de diretor da formação para lá desta temporada.

As trocas e baldrocas têm corrido bem ao Como, que conseguiu convencer jogadores experimentados da Série A e originários da região, como Simone Verdi, Patrick Cutrone - nascido e criado em Como e um apaixonado pelo clube -, Edoardo Goldaniga, Daniele Baselli e Gabriel Strefezza, a descer um degrau, na expectativa do regresso ao topo já esta época, 21 anos depois.

Antigo jogador de AC Milan, Valência ou Wolverhampton, Cutrone abdicou de continuar a carreira em clubes que disputam a Liga Europa e a Liga Conferência para ajudar o clube do coração a subir à Serie A. É o melhor marcador da equipa, com 14 golos.

A duas jornadas do fim da Serie B, o Como está no segundo lugar, o último que dá acesso direto à primeira divisão, com quatro pontos de vantagem sobre o terceiro classificado, o Venezia. Uma vitória no próximo jogo garante a subida. A meta está ali pertinho, pertinho, e desenrola-se no sonho de, um dia, disputar a Liga dos Campeões. Porém, pode esta corrida de barreira em barreira desfigurar a alma do Como?

Henry não quer que isso aconteça. O antigo jogador de Arsenal e Barcelona sabe que, "por vezes, os clubes de futebol já não são clubes de futebol, são empresas". No entanto, garante ao "The Athletic" que tudo fará para o impedir: "Isso não pode acontecer com o Como. Não pode ser exclusivo. Não pode ser frio. Tem de ser 'comasco'."

"Como vai ter de continuar a ser Como", conclui.

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