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Entrevista

​PCP. Jerónimo está para ficar e sem sucessão à vista

24 nov, 2016 - 16:02 • Raquel Abecasis

Em entrevista à Renascença, o secretário-geral do PCP admite “contradição”, que se vai "agravar", no apoio a um partido como o PS, mas valoriza as conquistas alcançadas. No partido, não há sucessor à vista.

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Jerónimo de Sousa e o apoio do PCP ao Governo: "A contradição vai agravar-se"
Jerónimo de Sousa e o apoio do PCP ao Governo: "A contradição vai agravar-se"

Houve muita especulação sobre a forma como o PCP e o BE estiveram nas negociações do Orçamento do Estado. Tem sido difícil emparelhar com o BE nas negociações com o governo?

Eu acho que é importante aqui relevar um aspecto que muitas vezes é secundarizado. Da parte do PCP sempre foi claro que as reuniões e as conversas deviam ser no plano bilateral e não tudo ao molho e fé em Deus.

Isso é bom para preservar a confidencialidade dos encontros?

Não só. Eu acho que acaba por ser mais transparente em termos de definição das respostas, de propostas de iniciativa, do nosso ponto de vista ajuda mais.

Mas a verdade é que isso depois também permite uma estratégia individual para cada um. Recordo o caso do imposto sobre o imobiliário e também agora a questão das pensões em que tivemos o BE a vir à praça pública a reclamar os louros. O facto de as negociações serem feitas bilateralmente favorece este tipo de declarações?

Eu não conheço o grau de compromisso de reserva ou de publicitação dos resultados que possa existir entre o Bloco e o PS. Sabemos aquilo que é o compromisso que nós temos com o Partido Socialista. É evidente que esta vontade de protagonismo merece a apreciação que merece, mas eu queria dizer que fundamentalmente o nosso problema é com o PS, com o Governo do PS, não é com o BE.

Mas a questão é que ao anunciar vitórias o BE acaba por retirá-las ao Partido Comunista. Não sente, na forma diferente de fazerem as coisas, que o PCP acaba prejudicado?

O que eu digo e quero aqui reafirmar é que nós honramos a nossa palavra e assumimos o nosso compromisso. Fazemos um trabalho sério de proposta de iniciativa de contribuição, não tanto a pensar na vitória do PCP…

Mas isso é importante ou não?

Sim, tem importância assumir aquilo que é devido e acho que fazemos bem em relação à valorização, em relação a matérias que nunca estariam contidas no Orçamento se não fosse a posição, a insistência e a persistência do PCP.

Mas a questão é como é que as pessoas avaliam porque o PCP depois tem que ir a votos.

Mas o que não fazemos é sobrepormo-nos à iniciativa de outro. Não queremos levantar bandeiras que não são nossas. Isso, não fazemos.

E acha que foi isso que aconteceu com as pensões?

Em relação às pensões, há um processo que referi [nesta entrevista à Renascença] em que o BE não estava, nem tinha proposta. O PS também não, tinha apenas uma norma de aumento em conformidade com a inflação. Quando digo que o BE e o PS estiveram ausentes do processo até um certo momento, isto não tem nada de pejorativo, é a constatação de um facto e claro que nos sentimos no direito e na obrigação de ir dizer aos reformados que o PCP aqui, em correspondência com os seus sentimentos e as suas aspirações, teve um papel importante no aumento das pensões e das reformas.

E não teme que isso seja ofuscado por uma política de comunicação diferente do BE? Os partidos, no fundo, trabalham para eleições e, portanto, o que é importante é a imagem que fica na opinião pública.

Queria dizer-lhe que aprendi no meu partido a ter sempre uma posição séria, de honestidade intelectual, de não subir acima do chinelo em relação a matérias onde não o devemos fazer. Sempre com uma só cara, uma só palavra. Se outros não o fazem – não estou a dizer que não o façam – o problema não é do PCP.

As pessoas dizem-lhe na rua que devia fazer como o BE ou não?

Não, o que sinto é uma grande admiração, um grande respeito pelo meu partido, pela forma séria como estamos neste processo. muitas vezes entre linhas, porque nem sempre o filtro deixa passar a verdade, mas quando percebem, compreendem e dirigem-se a nós. Estou a falar de muita gente que não é do meu partido, gente que nunca votou no PCP e na CDU, mas que fazem questão de afirmar a sua admiração. Mas esta questão da honestidade e da seriedade, como lhe dizia há pouco, pode não dar muitos votos, mas é um valor intrínseco à própria democracia, a qual os políticos nunca deveriam abandonar.

Numa entrevista recente, disse que não se pode medir a influência do PCP pelo número de votos porque o Partido Comunista tem uma influência social muito superior à sua influência eleitoral. O que é que quer dizer com isto?

Quero dizer isso mesmo, ou seja, este partido, pela sua intervenção politica, pela sua acção, pela forma como procura defender interesses e direitos dos trabalhadores – um partido que tem uma ideologia, um projecto, uma identidade própria –, tem sempre uma preocupação fundamental: como é que havemos de fazer para melhorar as condições de vida dos trabalhadores e do povo?

Estamos a poucos dias do 20.º congresso do Partido Comunista. Esta solução é pacífica dentro do PCP?

A vantagem de ter andado aí a palmilhar por esse país fora, dos Açores até Vila Real… podia dizer que há um ambiente de confiança dos militantes no partido, na sua direcção. Obviamente dizer que isto é unânime, não correrei o risco desse exagero, mas o que verifiquei é que existe no seio do meu partido, porque discutir as teses é com os militantes do partido, é um ambiente de grande afirmação e de confiança.

Pode haver aqui ou acolá dois sentimentos que nós consideramos opostos, mas que acabam por se tocar: em primeiro lugar, saber se um partido comunista, com uma identidade e uma natureza própria, pode ou não assumir compromissos com outros partidos? Incluindo partidos burgueses? E nós consideramos que os compromissos não se rejeitam no abstracto. Mais do que assinar ou não assinar. É importante saber o que é que se assina e, tendo em conta a evolução positiva em relação a direitos e à reposição de rendimentos e direitos, considero que isto foi muito importante e não estraga o que está. Eu não estou a falar só de militantes do partido.

Por outro lado, existe um outro posicionamento, mais reduzido, pouco significativo que é: então, nós queremos transformar a sociedade? Isto é apenas uma medida de conjuntura. Mas, para nós, repor rendimentos e direitos dos trabalhadores, vermos algumas situações dramáticas, aflitivas, que resultaram da política do governo anterior, verem pelo menos um caminho de esperança à sua frente…

Isso dá para uma legislatura inteira?

Essa é a grande dúvida, o Governo do PS responderá. Temos este ponto de vista: esta solução de Governo durará tanto mais ou tanto menos conforme responder melhor ou pior a esses interesses e aspirações dos trabalhadores e do povo. Partimos para esta batalha com a convicção de que era possível uma vida melhor.

Mas isso leva a que o PCP tenha que entrar noutro tipo de conversações com o governo?

A vida dirá, porque não são só factores internos, também há factores externos que nos condicionam, que provocam grandes constrangimentos.

Mas alguns desses factores externos são provocados por coisas com que o PCP não concorda, como o euro e o tratado orçamental.

Sim, o peso da dívida e do serviço da dívida.

Mas isso ficou de fora dos entendimentos entre o PS e o PCP?

Mas se olharmos para a frente esses são factores essenciais. Isso leva a uma conclusão óbvia: o dilema não está entre ficar por aqui ou regressar ao passado. Não, o que dizemos é que a grande questão está em saber se ficamos por aqui ou se encontramos uma política alternativa que dê resposta a problemas estruturais da nossa sociedade. Nós defendemos uma política alternativa patriótica e de esquerda, com eixos centrais.

PCP não está incomodado com o Governo por causa das declarações da Caixa
PCP não está incomodado com o Governo por causa das declarações da Caixa

Assume a possibilidade de ficarmos por aqui até ao fim da legislatura?

Não, há-de verificar que o PCP não desistiu de lutar, de combater esses constrangimentos, de apresentar propostas.

Até onde é que vão uma vez que isso ficou de fora do entendimento com o governo?

Lá está, foi um acordo, uma posição conjunta limitada, insuficiente que dá resposta a problemas emergentes.

Mas que se estão a esgotar no tempo?

Mas tem razão numa coisa. Do nosso ponto de vista a contradição vai agravar-se e no momento em que a contradição se tornar insanável a questão está colocada. Mas eu não faço futurologia.

Há alguma possibilidade de o Partido Comunista admitir fazer um entendimento com o PS na Câmara de Lisboa?

Tivemos contacto com o Partido Ecologista Os Verdes e com muitos independentes que integram geralmente as listas da CDU e a decisão, creio que irreversível, é a de que concorre com a sigla CDU em todo o território nacional sem qualquer excepção.

E portanto vão ter um candidato próprio em Lisboa?

Sim, sem dúvida.

Mantém-se em forma para continuar como secretário-geral do Partido Comunista. Não vai aproveitar este congresso para, à semelhança do que aconteceu no passado, colocar uma pessoa que se vá preparando para assumir essas funções no futuro? Um secretário-geral adjunto como aconteceu com Carlos Carvalhas e Álvaro Cunhal?

Quero dizer que, nesta fase em que estamos de preparação do Congresso, essa questão do secretário-geral adjunto não está colocada nem se vai colocar. Não era crime nenhum, mas não está em cima da mesa.

Comentários
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  • Eborense
    27 nov, 2016 Évora 14:05
    É tipo Fidel! O grande democrata que este 49 anos no poder. Foi comovente ver a comoção do Tio Jerónimo a falar de Fidel, mas mais comovente ainda é ver o PCP a definir políticas em Portugal, para manter o Sr. Costa no poder.
  • agostinho v couto
    25 nov, 2016 usa 23:43
    Jeronimo de Sousa comprou a RR esta tudo dito fala mais na RR que fala em casa com a familia ou com os amigos ,,se e que tem ,,familia e amigos ,essa cassete e mesmo ,,dificil de dijerir so mesmo ,,neste espaco que ,dizem ser informativo ,,mas que mais parece .,,,uma arrecadacao de ,velharias
  • António Pais
    25 nov, 2016 Lisboa 14:08
    Quando o Cassete Jerónimo sair, acaba o PCP!

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