14 nov, 2024 - 20:50 • João Pedro Quesado
Os maquinistas estão indignados com o Governo e o ministro da Presidência por ligar, de forma "despropositada", a má classificação de Portugal na segurança ferroviária a nível europeu e a taxa de álcool dos maquinistas. À Renascença, o presidente do sindicato descreve as declarações desta quinta-feira como resultado de uma "perfeita ignorância", aponta que "um ministro ignorante é um ministro perigoso" e pede a demissão de António Leitão Amaro.
"Aquilo que nós assistimos esta tarde, na conferência de imprensa, foi um insulto aos maquinistas. O senhor ministro faz uma relação entre taxas de alcoolemia e sinistros na ferrovia quando não há um nexo causal", afirma António Domingues.
O sindicalista sublinha que os relatórios anuais de segurança do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) mostram que os acidentes acontecem por "fatores externos à condução de comboios", como a "infraestrutura degradada, colhidas em passagens de nível ou suicídios".
O representante dos maquinistas considera que "o senhor ministro devia conhecer os relatórios anuais de segurança antes de fazer este tipo de declarações, porque de facto são insultuosas", já que os maquinistas são "escrutinados periodicamente em exames médicos, psicológicos, psicomotores" e também fazem "despistagem de álcool quase diariamente".
"Não há qualquer evidência naquilo que o senhor ministro refere. É uma perfeita ignorância e um ministro ignorante é um ministro perigoso. A única coisa que tem que fazer é demitir-se", acrescentou António Domingues.
Numa carta enviada ao ministro da Presidência, a que a Renascença teve acesso, o Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses (SMAQ) afirma que "não existe, de facto, nenhum acidente ferroviário que tenha sido causado por álcool" e que "a taxa de álcool atual, estabelecida em 0,20 g/l, já é uma medida extremamente rigorosa e preventiva".
O SMAQ acusa António Leitão Amaro de fazer a ligação "logo após o almoço e de uma forma ligeira", e alerta que "seria mais adequado considerar as causas reais que afetam a segurança no setor, nomeadamente as deficiências da infraestrutura ferroviária, que são amplamente reconhecidas e documentadas".
Na conferência de imprensa após o Conselho de Ministros, António Leitão Amaro destacou que "Portugal tem o segundo pior desempenho" da Europa "em acidentes que ocorrem na ferrovia" e que o quadro sancionatório "é o mais leve e mais baixo da Europa". Depois, anunciou a proposta de aumento do valor das coimas aplicáveis às contraordenações de segurança ferroviária e da proibição de os maquinistas "desempenharem as suas funções sob influência de álcool, estupefacientes ou substâncias psicotrópicas".
Segundo o Relatório Anual de Segurança Ferroviária de 2023, o número de acidentes significativos em 2023, quando aconteceram 34 acidentes com essa classificação, é igual ao número de 2022 e está abaixo da média dos últimos 5 e 10 anos (39 e 37,2 acidentes por ano, respetivamente). Os acidentes com pessoas causados por material circulante em movimento representam quase metade dos acidentes, destacando-se o aumento dos acidentes em passagens de nível - o que faz o Instituto da Mobilidade e dos Transportes alertar para a "necessidade já identificada" de "acelerar a implementação de medidas de gestão do risco" nestes locais.
O relatório indica que os tipos de vítima com maior relevância são os utilizadores de passagens de nível e pessoas não autorizadas na via ferroviária. 35 das 54 vítimas mortais em acidentes ferroviários em 2023 devem-se a suicídios. Não existe nenhuma referência ao consumo de álcool pelos maquinistas.