12 out, 2023 - 21:26 • Alexandre Abrantes Neves
Passam poucos minutos das 10h00 da manhã. Teresa Simões conhece bem os corredores do Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, em Lisboa. Tem 76 anos e há mais de dez que é utente neste hospital. Um acidente de trabalho como empregada doméstica tirou-lhe praticamente a visão dos dois olhos e deixou-lhe um diagnóstico para a vida: uma neuropatia ótica isquémica bilateral.
Hoje o plano da consulta é diferente. Teresa vai experimentar, pela primeira vez, o novo laboratório de atividades diárias do instituto. É um pequeno apartamento, com cerca de 30 metros quadrados, divididos entre um quarto e uma cozinha.
“Bom dia, D. Teresa. Tem praticado alguma coisa do que temos falado?” A pergunta é da psicomotricista Paula, que a acompanha há vários anos. “Sim”, responde D. Teresa, de forma relutante. Não há muito tempo para raspanetes – a lista para hoje é longa.
“D. Teresa hoje estamos num novo espaço. Vamos treinar aquelas tarefas domésticas em que sente mais dificuldade, como colocar água num copo”, continua a psicomotricista Paula, enquanto se levantam da mesa que está à entrada e se dirigem até à cozinha, no fundo do apartamento.
Junto à janela, está a mesa de refeições. Aqui tudo é pensado ao pormenor para facilitar a vida dos utentes com baixa visão. Os talheres têm marcas com relevo para estimular o tato, o copo azul-escuro contrasta com a toalha branca. A tecnologia também ajuda: pendurado no rebordo do copo, está um sensor que apita assim que entra em contacto com a água.
“Assim já posso beber água sem ser da garrafa: não há risco de transbordar do copo”, comenta, entre risos, Teresa Simões.
Pouco minutos depois, já está pronta a fazer o almoço. À sua frente, está um conjunto de protetores de dedos e uma faca com relevo, para estimular o tato. Vão ajudá-la a cortar a courgette que vai pôr no refugado. Logo ao lado, está uma “balança falante”, como lhe chama Teresa: reproduz, em voz alta, os valores das medições.
Quem se vai sentar à mesa para almoçar daqui a pouco é Juliana Silva. Tem 65 anos e, antes de um glaucoma lhe tirar a visão do olho direito, era professora primária. Hoje fica logo ali à entrada. Meia dúzia de passos à frente da porta, abre o armário e começa a experimentar o sensor de leitura de cores que a psicomotricista Paula lhe deu. Assim que encosta o aparelho ao seu vestido cheio de cores e florido, a resposta é imediata: “cinzento-escuro, rosa, vermelho-pálido”. Um "espécie de comando" que vai dar “muito jeito” a Juliana.
“Sou muito vaidosa e assim já não tenho medo de confundir as cores quando escolho a roupa diariamente”, explica-nos.
Apesar de fugir ao planeado, Juliana faz questão de experimentar a cozinha. Fica encantada com os instrumentos que “ajudam e muito na vida de uma pessoa que vê mal”.
“Eu adoro cozinhar. Ultimamente, faço tudo com muito receio: de vez em quando, aparecem os meus filhos ou netos a dizer que uma panela vai cair ou que me vou queimar a usar o forno. Com esta cozinha, espero voltar a cozinhar sem medo”, conta-nos, com um sorriso brilhante nos lábios.
Quando lhe perguntamos o que espera deste novo laboratório, Juliana é rápida a responder: “vai tornar-nos mais confiantes no nosso dia-a-dia – temos sempre medo de ir a um lugar novo e que alguém nos faça mal”.
Salomé Gonçalves, médica oftalmologista e coordenadora do laboratório, explica que a ideia surgiu com a subida do número de casos de cegueira e de baixa visão. A causa do aumento? O maior rastreio.
“Apesar de serem doenças tardias, os casos de cegueira e baixa visão são diagnosticados cada vez mais cedo – tem sido feito um esforço para aumentar o número de rastreios. Além disso, e nos últimos anos, a população residente em Portugal aumentou e, só por isso, o número de casos das patologias costuma subir”, explica a especialista.
Salomé Gonçalves relembra ainda que as pessoas com problemas graves de visão são, habitualmente, “muito dependentes dos apoios sociais, para realizarem as suas atividades diárias” e isso “custa-lhes”. Por isso, “darmos autonomia às pessoas é o nosso principal objetivo”.
No laboratório, são ainda recebidas crianças, principalmente para treinarem competências de visão no âmbito da vida escolar. O tempo de intervenção não é linear, tanto pode ir das três às dez sessões: Salomé Gonçalves sublinha que o importante “é servir as pessoas, demore o tempo que demorar”.
Com a pandemia pelo meio, passaram três anos, desde a ideia do laboratório até à inauguração, esta quinta-feira, no dia mundial da visão, pelo ministro da Saúde, Manuel Pizarro. Entre mecenas e o conselho de administração do hospital, o investimento no laboratório ficou em mais de seis mil euros.