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Profissionais de saúde. ​Pedido de escusa de responsabilidade isenta de indemnização ou condenação?

03 ago, 2022 - 17:12 • Liliana Monteiro

A resposta não é simples e os especialistas dividem-se. Uma coisa parece certa: a unidade hospitalar responde sempre perante casos de fracasso clínico que tenham desfechos mais ou menos graves, quanto aos profissionais a responsabilização disciplinar parece afastada, o mesmo não se pode dizer da responsabilidade civil e criminal.

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A situação não é nova, mas voltou a ser notícia nos últimos dias. Os enfermeiros da neonatologia do hospital de Santa Maria, em Lisboa, e depois os médicos internos de ginecologia e obstetrícia de todo o país, pediram escusa de responsabilidade perante o que alegam ser a falta de profissionais e de meios para o exercício da função.

O procedimento é simples e passa pela elaboração de um documento enviado às administrações e superiores da unidade de saúde, os efeitos dessa declaração não são lineares.

"Os profissionais, neste caso os da saúde, têm três tipos de responsabilidade: disciplinar, civil e criminal. Significa que, por um erro grosseiro no exercício da profissão, podem responder ao mesmo tempo em três planos distintos. Estas declarações visam isentar os trabalhadores que pretendem dizer que, se houver um erro grosseiro, esse erro é causado pela ausência total de circunstâncias. Os utentes têm hipótese de reclamar não quanto ao profissional em concreto, mas quanto à instituição onde se apresentaram", explica à Renascença Rita Garcia Pereira, especialista em Direito do Trabalho.

De acordo com esta especialista, ao hospital pode sempre ser assacada responsabilidade. Quanto ao trabalhador em matéria civil e criminal varia consoante os casos, "mediante esta declaração a anulação da responsabilidade disciplinar é pacífica, a civil existem dúvidas junto dos tribunais e a penal também, o que não significa que os utentes não tenham direito a ser indemnizados e que não o sejam, sucede é que se transfere a responsabilidade única e exclusivamente para o hospital e não para o profissional em causa", refere a advogada.

Em que situações a declaração pode não valer aos profissionais de saúde? Rita Garcia Pereira explica: “Imagine que eu apresento a declaração, mas naquele turno não se verifica a falta de condições que motivou a apresentação da escusa de responsabilidade? Então aí a mesma declaração não serve."

As decisões dos tribunais nesta matéria têm sido distintas. “Há decisões recentes dos tribunais a eximir a responsabilidade do profissional, mas também encontrei outras decisões a manter a responsabilidade porque o condicionalismo alegado já não se verificava. Naquele caso concreto a escusa era pedida porque não havia profissionais suficientes em escala, mas quando se deu o erro já existiam", o que acabou com a condenação do profissional.

“Mero elemento de pressão”

Visão diferente tem Tiago Leote Cravo, especialista em Direito Administrativo e Responsabilidade Civil, para quem o pedido de escusa de responsabilidade tem mais impacto na pressão do trabalhador junto da entidade patronal do que na justiça.

Considera que o documento, legalmente e na defesa em tribunal, pouco vale. “Não será uma declaração destas a colocar em causa os direitos dos utentes que permanecem intocados e a responsabilidade do Estado mantém-se, juridicamente não isenta o Estado e os profissionais”.

Tiago Leote Cravo sublinha que este documento não abre portas à ausência de responsabilidade de médicos e enfermeiros. “Não pode ter o valor que pretendem que tenha. Não se pode demitir o Estado das suas obrigações e responsabilidades perante os utentes. Por outro lado, os enfermeiros não podem deixar de ser responsáveis. A declaração não isenta de responsabilidade”.

Este especialista considera que o documento foi uma forma encontrada para denunciar a falta de condições dos profissionais de saúde e é usada como uma forma de luta.

“Uma coisa são as circunstâncias em que a pessoas trabalha e se encontra, evidentemente que o enfermeiro não será responsável pelas poucas condições que o Estado lhe está a dar para poder exercer funções, evidentemente aí pode haver responsabilidade de quem está por cima e tem de decidir em relação aos meios. O papel, em si mesmo, não demonstra nada e não isenta, é um mero elemento de pressão, muito importante para que se tomem decisões políticas urgentes porque estamos a falar de um bem imprescindível para todos que é a saúde pública”.

Para Tiago Leote Cravo, caso a ausência de cuidados ou a deficiência na prestação de auxílio e cuidados aos doentes resultem em danos estes profissionais não ficam livres de responder em tribunal, eles e as unidades de saúde.

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