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Mais de 80% das zonas húmidas podem estar ameaçadas em Portugal

02 fev, 2022 - 10:05 • Henrique Cunha

Assinala-se nesta quarta-feira o Dia Mundial das Zonas Húmidas. A Renascença falou com vários responsáveis na área do ambiente para tentar perceber o panorama no país.

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A associação ambientalista Zero diz que mais de 80% das zonas húmidas em Portugal podem estar ameaçadas e a situação tem-se agravado.

“Desconfiamos que a situação tenha piorado, porque não temos visto uma política pública no sentido de preservar estas áreas. O que temos visto é uma política pública de cada vez menos interesse pela conservação”, diz Paulo Lucas, dirigente da associação.

“Vamos ver se com a tomada de posse deste novo Governo a conservação da natureza passa a ser uma prioridade do olhar e também do financiamento que é necessário para salvaguardar estes habitats em concreto e também outras espécies que se encontram ameaçadas”, apela.

De acordo com a associação, já em 2016 cerca de 81% dos habitats relacionados com as zonas húmidas encontravam-se degradados.

Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e especialista internacional em alterações climáticas, admite que o facto de estarmos a atravessar uma situação de seca pode significar "uma maior pressão sobre as zonas húmidas" e pede mais atenção para a biodiversidade.

“Não posso deixar de dizer que a biodiversidade tem sido o parente pobre neste processo e isso é algo que urge corrigir, na minha opinião e também na opinião de muitas outras pessoas. Mais uma vez, volto a chamar a atenção para os pareceres e os estudos que o Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável tem feito e que estão completamente acessíveis para serem consultados”, afirma à Renascença.

Seca é “especialmente crítica” nas zonas húmidas

O presidente do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), Nuno Banza, mostra-se preocupado com a situação das zonas húmidas em Portugal.

“A situação de seca é uma situação especialmente crítica para as zonas húmidas, porque, sendo elas áreas de tampão nas zonas entre marés, são elas que fazem o interface entre os ecossistemas salinos e os ecossistemas de água doce”, começa por dizer à Renascença.

“Quando a pressão da água doce diminui – ou seja, quando o volume de água doce é menor – há uma tendência natural para o avanço da salinização e essas zonas húmidas são precisamente relevantes para garantir que essa barreira funciona ativamente. E esse tampão para o avanço do ambiente marinho é especialmente importante, não só do ponto de vista agrícola – porque nós precisamos que os nossos campos agrícolas não sejam salinizados, sob pena de perderem a sua função agrícola – mas é também importante do ponto de vista das reservas de água doce, porque o avanço dos ambientes salinos por redução da pressão da água doce significa muitas vezes a contaminação, a salinização desses aquíferos e desses territórios, o que naturalmente tem grande dificuldade a ser invertido”, explica.

“Portanto, a seca é também um elemento de forte pressão que precisa de ser adequadamente gerido do ponto de vista que são os aquíferos dos ecossistemas nas zonas húmidas”, conclui.

Neste Dia Internacional das Zonas Húmidas, Nuno Banza prefere não responder diretamente à crítica da associação ambientalista Zero, para quem não há uma política pública de preservação dessas áreas, e garante que há muito mais sensibilidade e iniciativas para preservar as zonas húmidas em Portugal.

“Tem vindo a conseguir afirmar-se pela sua importância e pela forma como representam um habitat único para garantir a necessidade de berçários, para garantir a necessidade de fixação de carbono, de trocas gasosas, de um conjunto de funções no âmbito dos ecossistemas e que são hoje muito mais reconhecidas”, defende.

No entender deste responsável, há “uma série de ocupações e de outro tipo de pressões a que vínhamos assistindo nas últimas décadas, como aterros, despejos de lixos, destruição para instalação de um conjunto de outras atividades, que hoje efetivamente vemos a acontecer cada vez menos”.

“Eu diria que, se em determinado momento, houve uma tendência de declínio ou uma tendência de maior abandono, porque fruto da falta de reconhecimento da sua importante função, elas eram relegadas para um valor menor. Isso hoje penso que acontece cada vez menos”, sustenta.

Maior reconhecimento das zonas húmidas

Nuno Banza diz que tem vindo a ser feito um trabalho na defesa do reconhecimento da importância das zonas húmidas, “sobretudo garantir que, do ponto de vista das espécies, do ponto de vista dos habitats, do ponto de vista de interação com as pessoas, as regras são cada vez mais cumpridas; que as pessoas tenham uma melhor perceção da importância das zonas húmidas para o equilíbrio dos ecossistemas e da biodiversidade”.

“E isso tem-se mostrado naquilo que tem sido um conjunto vasto de atividades que têm vindo a ser desenvolvidas em termos de turismo da natureza, em termos de turismo científico. E que temos nas nossas reservas naturais, desde o sapal de Castro Marim ao Parque Natural da Ria Formosa, ao Parque Natural do Litoral Norte, a reserva natural das dunas de São Jacinto. O país tem, de facto, um conjunto de áreas muito interessantes do ponto de vista da biodiversidade que albergam zonas húmidas de grande importância e o trabalho que temos vindo a fazer tem sido precisamente garantir que elas sejam cada vez reconhecidas como tal e que as condições para a sua conservação se concretizam no terreno, permitindo que ela se mantenha no tempo”, enfatiza.

Na opinião do presidente do ICNF, as “zonas húmidas são uma das áreas mais ricas e mais diversas e com uma função muito importante”, pelo que assinalar este dia “é uma questão muito importante”.

“Se queremos verdadeiramente mantermo-nos num ambiente e num país e num globo saudável, precisamos de olhar de forma mais cuidada e atenta para os nossos espaços naturais, dos quais as zonas húmidas são por excelência uma das áreas mais ricas, mais diversas e que têm uma função mais importante”, defende.

“Elas funcionam quase como a barriga da mãe para uma parte muito significa de muitas espécies, que depois cumprem o seu papel no equilíbrio ecológico. E, portanto, assinalar o dia é uma questão muito relevante”, acrescenta.

O Dia Mundial das Zonas Húmidas é assinalado a 2 de fevereiro, com o objetivo de alertar para a importância vital desses habitats e para a riqueza da sua biodiversidade. Promover a conservação das zonas húmidas é essencial para assegurar o equilíbrio e a viabilidade dos ecossistemas e para fazer face às alterações climáticas.

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