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Entrevista

Observatório do Envelhecimento. “Vamos divulgar dados únicos em termos nacionais e europeus”

19 jan, 2022 - 17:47 • Ana Catarina André

Nuno Marques, o médico que lidera o Observatório Nacional do Envelhecimento, defende que o estudo nesta área não se deve focar apenas na população idosa e adianta que, além de analisar a realidade portuguesa, a organização irá também propor políticas públicas

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O recém-criado Observatório Nacional do Envelhecimento, com sede em Alte, no Algarve, vai recolher e analisar dados relativos a todo o ciclo de vida da população para propor medidas que promovam o envelhecimento ativo e saudável.

Nuno Marques, presidente do Algarve Biomedical Center (ABC), organismo que coordena o projeto em parceria com 14 entidades públicas e privadas, explica que serão avaliados aspetos tão distintos como as condições de trabalho, a habitação, o acesso à saúde ou a passagem à reforma. E sublinha que é necessário intervir mais cedo, ainda na juventude, para que existam benefícios no processo do envelhecimento. Portugal é atualmente o quarto país da Europa com maior percentagem da população acima dos 65 anos, segundo dados do Eurostat.

Em que fase está a implementação do Observatório Nacional do Envelhecimento, criado em novembro do ano passado?

Os planos mantêm-se. Tivemos recentemente uma reunião com o grupo da academia que, nesta fase, vai ajudar a definir as várias áreas de funcionamento do Observatório. Aquilo que se pretende é que, desde logo, possa ser algo mais do que temos tido, mesmo em termos de outros países europeus. Pretendemos com este Observatório Nacional do Envelhecimento ter dados relativos a todo o ciclo de vida e não apenas às pessoas idosas. Se olharmos para os dados do Eurostat, por exemplo, vemos que são muito focados no envelhecimento, ou seja, na população idosa. Sabe-se hoje que é necessário intervir mais cedo, para que existam benefícios ao longo do processo do envelhecimento das populações.

De que forma é que possível abordar o tema do envelhecimento de forma holística, sabendo que Portugal é um dos países da Europa em que as pessoas com mais de 65 anos têm pior qualidade de vida?

Vamos usar indicadores e escalas aplicáveis desde a idade em que as pessoas andam na escola. Vamos avaliar as condições de trabalho, a passagem à reforma e acompanhar uma cota da população de várias idades, onde vamos vendo as modificações que vão acontecendo.

O que é que já está fechado?

Em primeiro lugar, o que irá ser o Observatório: um repositório de dados nacionais que serão usados na construção dos indicadores. Estamos, também, numa fase em que estamos a verificar se alguns indicadores estão ou não validados para a população portuguesa. Vamos usar dados macro que já existem em Portugal, mas também acompanhar uma cota representativa da população que inclui jovens e pessoas mais idosas. Aqui, vamos poder avaliar estes indicadores e aplicar escalas diretas que nos permitem depois comparar com outros dados. Vamos divulgar dados únicos em termos nacionais e até europeus.

Trata-se de acompanhar um grupo constituído por várias faixas etárias ao longo da vida....

Terá de ser uma amostra representativa da população. Estaremos certamente a falar de cerca de 10 mil pessoas acompanhadas continuamente.

Podemos estar a falar de crianças que acompanham ao longo de toda a vida.

Sim. É com este tipo de dados que vamos trabalhar e analisar o que pode ser feito. O Observatório vai propor políticas para melhorar esses indicadores ao longo da vida, ou seja, o Observatório não se limita a analisar a realidade, mas vai também propor medidas para que quem tomas as decisões políticas faça as suas opções.

"Vamos atuar em áreas como a demografia, as condições de vida e de habitação. Onde é que as pessoas vivem? Como se deslocam? Têm ou não acesso a transportes?"

Essa monitorização começa em julho?

Contamos com isso. Estamos a cumprir o plano. Até ao fim de março, vamos definir aquilo que iremos implementar no terreno. Ainda este ano, vão sair resultados do Observatório com dados de âmbito nacional e regional. Queremos também disponibilizar dados de âmbito municipal, para que as autarquias possam também aplicar medidas nas áreas respetivas.

Quais são as principais áreas de intervenção do Observatório?

Vamos atuar em áreas como a demografia, as condições de vida e de habitação. Onde é que as pessoas vivem? Como se deslocam? Têm ou não acesso a transportes? As casas têm condições adequadas de habitabilidade? Na área da saúde, vamos debruçar-nos sobre o acesso aos cuidados de saúde. Outra área chave é a do trabalho. Há que melhorar as condições de empregabilidade. Se atuarmos nas empresas, melhorando as condições de trabalho das pessoas, estas vão ter menos complicações que interfiram com a sua qualidade de vida mais tarde. Temos também de avaliar o impacto do sistema de passagem à reforma que, em Portugal, é on/off. Quando se chega a determinada idade, parece que as pessoas deixam de ser úteis. Pensões, rendas, despesas tudo isto vai ser avaliado. Se eu tiver alguém que tem rendimentos baixos ao longo da vida, a hipótese de ter problemas de âmbito social na reforma é maior. É necessário conhecer os dados para melhorar as condições de vida das pessoas. É esse o grande objetivo. Temos pouco o hábito de avaliar efetivamente com indicadores precisos o impacto das diferentes políticas. Muitas vezes avaliam-se coisas que são importantes obviamente, mas que não nos dizem tudo. As pessoas ficaram ou não satisfeitas com essa medida? Não é isso que nos interessa mais, mas é se aquela medida vai ter impacto real na qualidade e nas condições de vida das pessoas.

Este é mais do que um Observatório do Envelhecimento?

É um observatório do envelhecimento. O que, muitas vezes, se chama envelhecimento é que não está correto. O envelhecimento começa quando a pessoa nasce e acaba quando a pessoa morre. É o processo ao longo da vida.

O Observatório tem também uma componente formativa?

Não terá uma componente de formação direta per si. Vai formar técnicos que irão trabalhar nestas áreas, mas acima de tudo propor e cimentar que seja feita formação pelos centros dedicados. Será também um repositório e fará a divulgação das boas práticas.

Quantos especialistas trabalharão no Observatório?

Serão cerca de 20 pessoas contratadas diretamente, em áreas como a informática, a analise de dados, as políticas públicas.

O que se pode esperar do primeiro relatório do Observatório que, segundo as previsões, sairá ainda este ano?

Além de uma análise cuidada, quer das condições de vida, quer de todas as outras vertentes que referi, vai também analisar o processo do envelhecimento ao longo do ciclo de vida, definindo e publicando indicadores das faixas etárias mais jovens em áreas que tenham impacto na qualidade de vida mais tarde.

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