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Assédio online a manifestantes pró-palestina intensifica-se nos Estados Unidos

12 mai, 2024 - 16:02 • Miguel Marques Ribeiro com Reuters

"Name and shame". Apontar o dedo e manchar a reputação nas redes sociais. É com esta filosofia que a organização pró-israelita Canary Mission intimida os estudantes universitários americanos que participam nas manifestações contra a guerra em Gaza. Grupos pró-palestina também já estão a adotar táticas semelhantes de guerrilha digital.

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Semanas depois de participar numa manifestação pró-Palestina, a estudante egípcio-americana Layla Sayed recebeu uma mensagem de texto de um amigo alertando-a para a existência de um site dedicado a expor pessoas que, do ponto de vista dos seus promotores, promovem o ódio aos judeus e a Israel.

“Acho que te identificaram no protesto”, escreveu o amigo. Quando Sayed visitou o site, chamado Canary Mission, encontrou uma foto de um comício realizado a 16 de outubro na Universidade da Pensilvânia. A imagem tinha setas vermelhas que a destacavam na mancha de manifestantes.

Para além da informação visual, a publicação incluía ainda o seu nome, uma menção às duas cidades onde reside, detalhes sobre o seu percurso académico e uma ligação para as suas contas nas redes sociais.

Mais tarde, a Canary Mission publicou uma foto de Sayed no X e no Instagram com a legenda: “Apologista dos crimes de guerra do Hamas”, uma referência aos ataques realizados pelo grupo islamita a 7 de outubro, quando cerca de 1200 pessoas foram mortas e 253 feitas reféns do lado israelita.

Em resposta a esse ataque, Israel lançou uma ofensiva militar na Faixa de Gaza que matou quase 35 mil palestinos, segundo números avançados as autoridades de saúde de Gaza.

"Eu não estava lá para dizer que apoiava o Hamas. Não estava lá para dizer que odiava Israel."

Alguns internautas não demoraram a comentar a publicação. “Esta p… não tem futuro” ou “Candidata à deportação para Gaza”, pode ler-se nos comentários.

Embora Sayed apoie há muito tempo a causa palestiniana, esta tinha sido a primeira vez que participava numa manifestação pró-Palestina na universidade.

“A minha reação inicial foi de choque absoluto”, lembrou Sayed, uma estudante do segundo ano, de 20 anos. "Eu não estava lá para dizer que apoiava o Hamas. Não estava lá para dizer que odiava Israel. Estava lá para dizer que o que está a acontecer na Palestina está errado."

Respondendo a perguntas feitas pela Reuters através do website da organização, a Canary Mission afirmou que o seu objetivo é trabalhar “sem parar” para combater a “onda de antissemitismo” que tem crescido nos campos universitários americanos desde 7 de Outubro e que isso inclui expor pessoas que apoiam o Hamas.

No entanto, a Canary Mission não respondeu a perguntas específicas sobre o caso de Sayed ou de um eventual abuso dirigido contra os seus alvos. Em sua defesa, o grupo afirma que verifica o que publica e que inclui links de acesso às fontes utilizadas (perfis nas redes sociais, discursos públicos ou entrevistas com jornalistas).

Acusações de ciberbullying

A Canary Mission é um dos mais antigos e proeminentes grupos de defesa digital, que nas últimas semanas intensificaram as suas campanhas para expor os críticos de Israel. Aqueles que estão por detrás do site mantém ocultas as suas identidades, localização e fontes de financiamento.

A Reuters analisou situações de cyberbullying e mensagens abusivas que foram dirigidas pela Canary Mission a dezenas de pessoas.

Desde 7 de outubro, o site 'apontou o dedo' a mais de 250 pessoas nos EUA, acusando estudantes e académicos de apoiarem o terrorismo ou de espalharem o antissemitismo e o ódio a Israel.

Alguns são líderes de grupos de direitos humanos palestinianos ou foram presos por crimes como bloquear o trânsito e esmurrar um estudante judeu. Outros, como Sayed, afirmam ter entrado no ativismo universitário há pouco tempo e sublinham não ter sido acusados de nenhum crime.

Nas mensagens analisadas pela Reuters apelava-se à deportação ou expulsão da escola dos acusados. Em algumas situações, sugeria-se que estes deveriam ser raptados ou mortos.

Nos últimos meses, surgiram vários grupos pró-Palestina que usam táticas semelhantes. É o caso da Raven Mission, que não respondeu aos pedidos de comentários, ou da StopZionistHate. Este última afirmou querer "garantir que o público americano compreenda a ameaça representada pelo extremismo sionista".

Nos últimos meses, as tensões têm aumentado nas universidades dos EUA, país onde a guerra Israel-Hamas desencadeou uma onda de ativismo estudantil. Em diversos campos universitários foram feitas ocupações e manifestações pró-palestinianas que foram, por sua vez, recebidas por contramanifestantes. Os dois lados entraram em confronto entre si e, por vezes, com a polícia.

[O lenço keffiyeh palestino que tinha amarrado à mochila parece] um alvo nas minhas costas

No entanto, o campo de batalha digital é tão ou mais violento do que aquele que se instalou nos campos estudantis. E, neste último caso, a dificuldade em ripostar parece ser ainda maior.

Para os visados há poucas opções para impedir a continuação do assédio digital, explicam advogados e grupos de defesa. Muito daquilo que a Canary Mission publica é protegido nos EUA ao abrigo da Primeira Emenda da Constituição sobre liberdade de expressão.

Protestos pró-Palestina e pró-Israel geram confrontos na Universidade da Califórnia
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Em geral, não é ilegal publicar informações sobre alguém sem o consentimento desde que as informações sejam correta e tenham sido adquiridas de forma legal, referiu Eugene Volokh, professor de direito da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.

Desta os forma, os grupos de acosso conseguem atingir, pelo menos em parte, os seus objetivos. Temendo pela sua segurança, Sayed removeu o lenço keffiyeh palestino que tinha amarrado à mochila. Parece “um alvo nas minhas costas”, justifica.

E essa não foi a única medida preventiva que tomou. Também evita andar sozinha no campus e colocou o seu perfil do LinkedIn em hibernação.

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