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Comissão Nacional do PS

Esquerda divide socialistas numa reunião com autárquicas à espreita

20 mar, 2021 - 08:00 • Susana Madureira Martins

Eleições autárquicas não constam da agenda da comissão nacional socialista, mas há quem considere que discussão é inevitável.

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Um resumo fulminante sobre o que poderá ser a Comissão Nacional do PS deste sábado: discussão sobre a aplicação e evolução das medidas de combate à pandemia, relações do partido com a outra esquerda e eleições autárquicas.

Nenhum dos temas, contudo, consta da convocatória enviada aos dirigentes nacionais ou na nota que a comunicação social recebeu, mas todos eles cabem debaixo do chapéu que é a "análise da situação política", o primeiro ponto da agenda.

Pedro Nuno Santos, membro do Secretariado Nacional, o órgão de direção mais restrito do PS, disse à Renascença que conta estar presente na reunião, mas que não irá falar com o argumento de que o seu "foco, neste momento, é fazer o trabalho no Governo e mais nada".

O ministro das Infraestruturas, que, na última comissão nacional, em novembro, foi especialmente crítico da gestão que a direção do partido fez das presidenciais, desta vez tem a intenção de ficar calado, ao contrário do que fez há duas semanas quando participou numa iniciativa da Juventude Socialista.

Nessa ocasião, numa longa intervenção, fez vários alertas ao PS sobre a urgência de uma reaproximação aos partidos à esquerda, de mexer profundamente na legislação laboral e a aconselhar o partido a adotar a universalidade das políticas, evitando criar medidas para minorias, dando o exemplo da habitação, uma das áreas que tutela.

Pedro Nuno está de momento com o foco no papel de ministro e, sobretudo, na gestão do dossier da aviação que se tem revelado dramático no eixo TAP-Groundforce-ANA, agora com a administração desta última empresa a também manifestar intenção de recorrer a ajudas do Estado.

"Esta coisa de se andar a reboque do BE"

Se há dirigentes nacionais, como Pedro Nuno Santos, que se queixam da falta de aproximação ao PCP e ao Bloco de Esquerda para fazer frente à direita e a tendências populistas, outros dirigentes vão em sentido contrário e criticam o que consideram ser a sujeição do PS aos bloquistas.

É o caso de José Abraão, secretário-geral da Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP), que vai a esta comissão nacional lançar vários avisos à cúpula socialista.

À Renascença o dirigente sindical diz que "é preciso que o PS, o maior partido do país e que está no governo, retome o sentido de iniciativa" e que é "fundamental afinar a estratégia para o pós-pandemia".

Abraão aponta mesmo "alguma desorientação" do PS que "é preciso corrigir" e que " a iniciativa do partido não pode estar dependente da vontade de outros partidos", dando como exemplo "esta coisa de se andar a reboque do Bloco de Esquerda por causa do teletrabalho", que o dirigente sindical assume que não lhe "agrada nada".

Em causa estão os sucessivos apelos dos sindicatos em regular o teletrabalho a partir da concertação social, com Abraão a acusar o governo de, ao longo deste ano e nesta questão, ter andado "a empurrar com a barriga e agora vêm dizer-se coisas sobre a regulação do teletrabalho", referindo-se à recente proposta apresentada pelo grupo parlamentar liderado por Ana Catarina Mendes.

Para José Abraão esta proposta "definitivamente acabou por resultar num prejuízo para a concertação social em benefício de acertos partidários", apelando a uma maior coordenação num governo em que "cada ministro tem a sua própria iniciativa", considerando que não se pode "andar permanentemente nisto e estar à espera do próximo anúncio".

Viabilizar o Orçamento do Estado (OE) do próximo ano "não justifica tudo", acrescenta Abraão e se o Bloco de Esquerda "está a tentar emendar a mão" depois do chumbo do último OE "o PS não se pode deixar ultrapassar por oportunismos momentâneos" e "alguns radicalismos".

Autárquicas: entre um PS "anestesiado" e a discussão "inevitável"

A espécie de vertigem quer do PSD, quer do CDS em relação às eleições autárquicas previstas para o outono deste ano, já com a apresentação de vários nomes de candidatos e a assinatura de um acordo entre os dois partidos do centro-direita esta semana, contrasta com a falta de pressa do PS em tratar do assunto. Devagar, devagarinho, leve, leve.

Questionado pela Renascença sobre quando é que o partido começa internamente a debater o tema das eleições locais, um alto dirigente socialista responde que não vê "nada de especial para discutir sobre autárquicas que não esteja a ser atempadamente preparado pelas estruturas federativas e concelhias". Ponto.

No mesmo sentido foram as declarações já esta semana do secretário-geral adjunto do PS, José Luís Carneiro, que, falando aos jornalistas no Parlamento, assumiu que o PS "é partido maioritário nas autarquias em todo o país, com uma maioria muito significativa" [o PS conquistou 159 câmaras nas autárquicas de 2017] e que estas eleições são vistas "como fator essencial do país, de fortalecimento democrático e o seu a seu tempo", ou seja, sem pressas.

Confrontado com o problema que tem sido levantado, por exemplo, em relação à candidatura do PS à Câmara do Porto, em que, de resto, o nome de Carneiro tem sido apontado como hipótese de recurso, o secretário-geral adjunto inverte a ordem das coisas e diz que "o PS a partir de Abril começará a olhar para as suas oportunidades, não tanto para os seus problemas, para as oportunidades que se abrem com as eleições autárquicas".

Até ao fim março, primeira quinzena de abril o partido compromete-se a ter o essencial das candidaturas definidas, e antes disso a ordem é para dar prioridade ao combate à pandemia.

Ou seja, nas palavras de um dirigente nacional contactado pela Renascença, no que diz respeito às autárquicas no PS "está tudo anestesiado", para além de que "ninguém quer fazer asneiras, está tudo dentro das tocas".

Lisboa e Porto são vistos com alguma preocupação por este dirigente nacional, bem como Coimbra, que "também está tremido", acrescentando que a cidade "não evoluiu nada" ao longo dos mandatos de Manuel Machado, que preside igualmente à Associação Nacional de Municípios.

Na semana do anúncio de Carlos Moedas como candidato do PSD à Câmara de Lisboa, um membro do governo e dirigente do PS dizia à Renascença que "para já" o partido não estava preocupado com esta candidatura. Para já, também não há anúncio de recandidatura de Fernando Medina à capital, com PCP e Bloco de Esquerda desde cedo a fecharem a porta a um acordo pré-eleitoral com o socialista.

Outro dirigente nacional que estará presente na comissão nacional deste sábado refere à Renascença que "é inevitável" que as eleições autárquicas estarão em cima da mesa nesta reunião, já que "é um dos objetivos que tem sido apontado pelo partido", desabafando ainda que "estamos quase em abril".

Este dirigente do PS mostra preocupação sobretudo com a candidatura ao Porto, "certamente será um problema", afastando a hipótese de ter de novo o líder da distrital Manuel Pizarro a concorrer à autarquia, referindo que "tem de haver gente nova".

É esperado que o próprio secretário-geral do PS, António Costa, fale do objetivo autárquicas logo na intervenção inicial da comissão nacional, intervenção que será aberta à comunicação social e transmitida em direto pelas redes sociais do partido.

Oficialmente, e depois da "análise da situação política”, a reunião do órgão alargado de direção do PS deverá discutir e votar a proposta da Comissão Permanente para a realização do Congresso previsto para 10 e 11 de julho e que foi sendo adiado desde há quase um ano por causa da pandemia.

A reunião deste sábado, no Centro da Esquerda, um edifício lateral à sede do partido, em Lisboa, irá decorrer numa versão mista, em que maior parte dos dirigentes nacionais irá participar por videoconferência, apenas contando com a presença física dos membros dos órgãos de cúpula de direção, que incluem o Secretariado Nacional e a Comissão Permanente.

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