Tempo
|
A+ / A-

Julgamento SEF/Ihor Homeniuk. Defesa lamenta falhas na autópsia e na investigação

02 fev, 2021 - 10:44 • Liliana Monteiro com redação

Inspetores Bruno Valadares Sousa, Duarte Laja e Luís Filipe Silva são acusados da morte do ucraniano Ihor Homeniuk em março de 2020, no aeroporto de Lisboa. Arriscam 25 anos de prisão. Falam agora, pela primeira vez, sobre o caso em tribunal.

A+ / A-

Os advogados de defesa dos inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) sublinham a gravidade de não haver registo detalhado de apontamentos da autópsia e lamentam a investigação desleal que fez a reconstituição do crime sem os notificar.

A “autópsia padece de graves deficiências. A cremação do corpo inviabiliza reavaliações e cria limitações”, apontou Ricardo Sá Fernandes, advogado de Bruno Silva, no julgamento que decorre, nesta terça-feira, no Campus de Justiça, em Lisboa.

“O histórico da autópsia não existe” no Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), acrescentou.

As deficiências no processo foram também apontadas por Ricardo Serrano, defensor de Duarte Laja. “Primeira vez num processo com estas características tivemos um procurador que fez reconstituição do que aconteceu sem notificar os advogados”, o que, no seu entender, “demonstra deslealdade”.

Inocente, dizem os advogados

Ricardo Sá Fernandes mostrou-se muito crítico da maneira como Ihor Homeniuk morreu: “o ucraniano não podia ter morrido, muito menos pela forma como morreu. Foi fruto da deplorável condição em que os estrangeiros são remetidos ao centro de acolhimento” do SEF.

No entender deste advogado, os inspetores foram desde logo julgados na praça pública. “Desde março de 2020 que são apresentados como criminosos e responsáveis pela morte” do cidadão ucraniano.

O advogado de Bruno Silva rejeita a acusação e afirma: “a sua formação [do inspetor Bruno Silva] é incompatível com os atos imputados”.

Reconhecendo que o cidadão ucraniano “morreu com lesões no tórax e não só”, Ricardo Sá Fernandes levanta ainda algumas questões, que considera de esclarecimento obrigatório em julgamento.

“Essas lesões traumáticas, independentemente de a ou b, foram intencionais ou decorreram de atos acidentais e não intencionais?”, começou por apontar.

Em segundo lugar: “admitamos que foram lesões intencionais. Ainda assim, quem praticou? Ele esteve à guarda do Estado de 10 a 12 de março. Estes inspetores estiveram menos de meia hora com ele. A intervenção demorou 10 minutos. Há contactos com vigilantes e profissionais de saúde durante horas e horas. Há notícia de agressividade e violência e tentativas de manietação”.

“Neste contexto, pretender que a intervenção dos três profissionais foi a culpa é conclusão temerária. Serviu-se isso à opinião pública como explicação. Teve de se arranjar um bode expiatório”, criticou, acrescentando que “as instalações são inqualificáveis, sem procedimentos corretos”.

Em terceiro lugar, Ricardo Sá Fernandes considera que “levanta dúvidas” a presunção de que “quem praticou” os atos de violência “o tenha feito com intensão de criar lesões e conformando-se com a possível morte do cidadão ucraniano”.

“O país espera condenação exemplar destes homens”, concluiu.

Também a defensora de Luís Silva assumiu uma postura crítica quanto ao julgamento prévio, feito pela opinião pública. “Há o tempo da comunicação social e da justiça”, afirmou Maria Candal.

“Os três arguidos foram julgados e condenados pela comunicação social. Comentadores, políticos, quase ninguém lhes concedeu o benefício que deve ser dado a qualquer cidadão suspeito ou acusado de um crime: presunção de inocência. E isso é lamentável. É o principio basilar”, criticou.

Da parte do inspetor Duarte Laja, o advogado Ricardo Serrado declarou: “o inspetor não praticou os factos da acusação”.

Os inspetores Bruno Valadares Sousa, Duarte Laja e Luís Filipe Silva são acusados da morte de Ihor Homeniuk em março de 2020, no aeroporto de Lisboa.

A acusação diz que os inspetores tiveram um comportamento desumano com Homeniuk, provocando-lhe graves lesões corporais e psicológicas até à morte. Os arguidos arriscam uma pena de de 25 anos de prisão.

Os três arguidos estão em prisão domiciliária desde a sua detenção, em 30 de março de 2020, e respondem pela morte do cidadão quando este tentava entrar ilegalmente em Portugal, por via aérea, em 10 de março.

Segundo o Ministério Público (acusação), os inspetores do SEF algemaram Homeniuk com os braços atrás do corpo e, desferindo-lhe socos, pontapés e pancadas com o bastão, atingiram-no em várias partes do corpo, designadamente, na caixa torácica, provocando a morte por asfixia mecânica.

A acusação critica os três arguidos e outros inspetores do SEF por terem feito tudo para omitir ao Ministério Público os factos que culminaram na morte do cidadão, no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa, chegando ao ponto de informar o magistrado que Homeniuk "foi acometido de doença súbita".

Saiba Mais
Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • José J C Cruz Pinto
    02 fev, 2021 Ílhavo 12:34
    Noutra notícia (Expresso) sobre o mesmo julamento, parece que a defesa invoca que a intenção dos acusados foi apenas (?) a de proteger o agredido (e assassinado)! Portanto, tomem nota: se alguma vez tiverem mesmo que dar uma surra em alguém, é simples - protejam-no! Pode ser que resulte: quer se consigam conter e não o/a maltratem (neste caso, é garantido), quer lhe acabem com o canastro e tenham que ir a julgamento.

Destaques V+