29 out, 2020 - 10:40 • Rosário Silva
Sozinho, de olhos postos no telemóvel, percorre os claustros do Colégio do Espírito Santo, até ser interrompido pela reportagem da Renascença. Mauro Soares, aluno do 1º ano da licenciatura em Turismo, estreia-se na Universidade de Évora num ano insólito. Sabe que não vai ter praxes, mas “já estava à espera que fosse assim”. Nada que o demova de procurar integrar-se dentro do que é possível.
“Às vezes, juntamo-nos pela internet ou mesmo na universidade, combinamos um cafezinho com o devido distanciamento, usamos a máscara, mas sempre dá para irmos falando e conhecendo as pessoas da turma”, conta-nos.
“Aqui não há festas e está tudo muito controlado”, afiança o jovem de 20 anos, natural de Vendas Novas, quando a pergunta recai sobre a eventual responsabilidade dos jovens no crescimento da pandemia.
Para Mauro Soares, “não são só os alunos os responsáveis, mas todas as pessoas que se juntam, e não cumprem as regras, nomeadamente o distanciamento”.
Opinião semelhante tem Carlos Crisóstomo, aluno do 3º ano da licenciatura em História, mas mais avançado nos estudos.
“Tem-se passado a ideia de que os jovens é que são os principais responsáveis pelo aumento dos surtos, mas eu discordo dessa narrativa”, afirma. “Se nalguns casos, é verdade, noutros nem por isso e estamos a extrapolar para uma visão muito simplista, pois a responsabilidade é de todos”, argumenta.
Carlos admite que, “no caso da universidade de Évora, até pode haver pessoas irresponsáveis”, mas lembra que “também há pessoas com muita noção do que se está a passar e estão a fazer tudo por si e pelos outros.”
Na mesa onde a conversa se desenrola, Beatriz Felício corrobora as palavras do colega. “Concordo com o Carlos, é uma análise muito simplista colocar a culpa nos jovens, ainda que tenhamos a consciência que no contexto académico há sempre o perigo de contágio, mas existe também noutros contextos, como nos transportes públicos, por exemplo. Não somos os únicos responsáveis. Todos têm responsabilidade.”
Com 22 anos, a jovem que frequenta a licenciatura em História e Arqueologia, diz sentir-se segura na academia e elogia o “esforço por parte do pessoal docente, dos funcionários e dos alunos” para que tudo funcione da melhor forma.
“No estado de situação em que nos encontramos, é difícil dizer aquilo que poderia ser feito com maior rigor, pois faltam-nos meios, faltam-nos recursos, mas dentro daquilo que temos, todos tentam fazer o seu melhor”, afirma.
Apesar de tudo, o esforço encontra, muitas vezes, dificuldades difíceis de ultrapassar, como aquelas que estão associadas ao próprio espaço físico. “Há salas onde o acesso à internet é complicado e quem está online, por vezes não consegue acompanhar os colegas que estão em regime presencial”, relata Manuel Canudo, juntando-se à conversa.
A frequentar o 3º ano da licenciatura em História, Manuel confessa que não tem sido nada fácil manter uma “certa normalidade” quando tudo é novo, até para os jovens.
“Évora tem um espírito académico incrível e a pandemia alterou-o. É difícil estarmos a receber jovens de 1.º ano e não podermos integrá-los, tal como nós fomos”, lamenta, para acrescentar que, apesar de tudo, “os alunos estão a enfrentar com competência os novos desafios.”
O jovem estudante é um dos que promove iniciativas de acolhimento e integração, quase todas através da internet, o que lhe dá a possibilidade de contactar com os novos alunos e perceber que muitos necessitam de ajuda a nível psicológico.
“A quantidade de jovens do 1.º ano que nos chegam com problemas de saúde mental, é preocupante. É uma situação que não está a ter impacto nos meios político, social e jornalístico, mas é urgente que seja avaliado”, alerta. “Pode não ser unicamente fruto da pandemia, mas é um catalisador e acelerador da questão”, acrescenta.
A UÉ tem um Linha de Apoio Psicológico e os alunos mais velhos procuram, também, ajudar no que é possível, mas reconhecem que “não é fácil perceber se do outro lado do ecrã está alguém que precise de apoio, o que seria mais fácil se não houvesse esta distância”, observa, Manuel Canudo.
Nos últimos meses, a Universidade de Évora (UÉ) preparou-se para o recomeço num cenário de “novo normal”, adotando um conjunto de medidas no âmbito do seu Plano de Contingência, para, segundo a reitora, Ana Costa Freitas, “oferecer máxima segurança a todos aqueles que optaram pela nossa universidade para passar, estamos certos, os melhores anos das suas vidas.”
Entre as medidas implementadas, destaca-se um pórtico de desinfeção na entrada do Colégio do Espírito Santo, além das que já faziam parte do quotidiano, como o distanciamento físico, o uso de máscara ou a desinfeção das mãos.
Por causa da pandemia, a instituição decidiu também cancelar a cerimónia do Dia da Universidade, que se realizaria no próximo dia 1 de novembro.
Numa nota enviada à Renascença, a academia alentejana justifica a decisão com a Resolução do Conselho de Ministros nº 88-A/2020, no âmbito da qual “ficam proibidos nos estabelecimentos de ensino superior todos os festejos, bem como atividades de natureza lúdica e recreativa.”
Alegando “sentido de responsabilidade”, Ana Costa Freitas manifestou “tristeza” pelo facto de ser “cancelado um dos momentos mais relevantes do ano para a academia eborense.”
Este ano, a UÉ disponibilizou 1.253 vagas, distribuídas por 33 cursos de licenciatura e mestrado integrado. Logo na primeira fase, através do Concurso Nacional de Acesso, foram colocados 1.151 novos estudantes, tendo sido preenchidas 92% das vagas.
Já o número de estudantes internacionais admitidos em licenciaturas e mestrados integrados ascende a 354, de 63 nacionalidades diferentes, registando um aumento de mais de 50% relativamente aos matriculados neste ciclo de estudos em 2019/2020, sendo que a totalidade das vagas foi preenchida na segunda fase.
Apesar de este ter sido um ano profundamente atípico, considerando os vários concursos de acesso, a UÉ manteve a tendência de crescimento dos últimos anos, com um incremento do número de novos estudantes na licenciatura e mestrado integrado superior a 15%.
A Universidade de Évora foi a segunda universidade a ser fundada em Portugal. A inauguração solene decorreu no dia 1 de novembro de 1559. Ainda hoje, neste dia, com exceção para o ano em curso, comemora-se o aniversário da instituição, com a cerimónia da abertura solene do ano académico.
Estudantes da Universidade de Lisboa reencaminhado(...)